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As tendências das licitações na administração pública

ADMINISTRAÇÃO

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ARTIGO

ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA

LEI Nº 8.666/93

LICITAÇÕES

MOROSIDADE

RAFAEL REZENDE

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

02/10/2014

caixa

É imprescindível que o método desburocratize as licitações, sem abdicar do tratamento isonômico conferido aos interessados em contratar com o poder público

O presente artigo tem por objetivo demonstrar a insuficiência da Lei n° 8.666/93 e apontar as principais tendências das licitações públicas no âmbito da Administração Pública de Resultados.

A Lei nº 8.666/93, principal diploma legal sobre licitações e contratos públicos, não satisfaz às necessidades da Administração Pública Pós-moderna (“Administração Pública de Resultados”) que deve atuar com eficiência.1

Em verdade, o excesso de formalismo no procedimento licitatório acarreta consequências indesejáveis para as contratações da Administração Pública, dentre as quais, destacam-se as seguintes:

a) O Estado acaba pagando preços superiores ao de mercado, tendo em vista que os licitantes embutem o custo de participar dessa procedimentalização, permeada por exigências, cada vez mais, complexas e detalhistas, sendo, muitas vezes, restritivas da competitividade;

b) A morosidade tem sido a tônica desses procedimentos, na medida em que são intermináveis as contendas entre os licitantes – tanto em sede administrativa, como no âmbito do Poder Judiciário –, principalmente nas fases de habilitação e de julgamento;

c) Toda essa lógica do processo pelo processo, considerando o procedimento licitatório como um fim em si mesmo, contribuiu para a onerosidade de todo o procedimento, acarretando contratações antieconômicas para o Estado.

Em abono à tese aqui demonstrada, a legislação sofreu profundas alterações com o intuito de garantir maior eficiência, agilidade e economicidade nas licitações públicas, tal como ocorreu com a instituição da modalidade pregão (Lei nº10.520/02), com a instituição do Sistema de Registro de Preços (Decreto 7.892/13), com as normas relativas às licitações sustentáveis (Instrução Normativa nº 01/10, expedida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), com o novo regramento para licitações de publicidade (Lei nº 12.232/10), com estipulação de tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte que participam de licitações públicas (LC nº 123/96), com o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei nº 12.462/11), dentre tantos outros exemplos.2

A atuação administrativa, no âmbito do novo Direito Administrativo pós-positivista, marcado pela constitucionalização, normatividade dos princípios e centralidade dos direitos fundamentais, deve ser pautada pela promoção dos valores pluralísticos consagrados na Constituição.

Um dos fatores determinantes para mudança de paradigma na atuação administrativa foi a consagração de interesses heterogêneos no texto constitucional que legitimam a atuação do denominado “Estado pluriclasse”.4 No âmbito das licitações e das contratações públicas, o Pluralismo demonstra que a atuação do Poder Público não pode ser pautada, exclusivamente, pela Economicidade. Ao contrário, a legitimidade da atuação estatal dependerá da efetivação de outros princípios constitucionais.

É oportuno ressaltar que a própria ideia de eficiência não se confunde com a de economicidade. Isto porque a eficiência não pode ser analisada, exclusivamente, sob o prisma econômico, pois a Administração tem o dever de considerar outros aspectos igualmente fundamentais: qualidade do serviço ou do bem, durabilidade, confiabilidade, universalização do serviço para o maior número possível de pessoas etc.5

Desta forma, a medida administrativa será eficiente quando implementar, com maior intensidade e com os menores custos possíveis, os resultados consagrados nos textos normativos (“Administração de Resultados”).6

Por esta razão, a seleção da proposta mais vantajosa no procedimento administrativo licitatório não se funda exclusivamente em critérios econômicos, mas também em outros fatores que devem ser ponderados pela Administração Pública, tais como o desenvolvimento nacional sustentável, a promoção da defesa do meio ambiente (“licitações verdes” ou sustentáveis), a inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho, o fomento à contratação de microempresas e empresas de pequeno porte (LC n° 123/06), dentre outras finalidades extraeconômicas.

Trata-se da denominada “função regulatória da licitação”. 7 Por essa teoria, o instituto na licitação não se presta, tão somente, para que a Administração realize a contratação de bens e serviços a um menor custo; o referido instituto tem espectro mais abrangente, servindo como instrumento para o atendimento de finalidades públicas outras, consagradas constitucionalmente.8

A partir do diagnóstico de insuficiência do modelo tradicional de licitação previsto na Lei n° 8.666/93 e das regras especiais consagradas recentemente na legislação setorial, é possível mencionar, sem intuito exaustivo, algumas tendências das contratações estatais:

a) Planejamento e responsabilidade fiscal (ex: relevância da gestão pública na utilização de recursos públicos escassos);9

b) Celeridade do procedimento, com a diminuição de formalidades desnecessárias e a utilização de tecnologia (ex: inversão das fases de habilitação e julgamento; procedimentos eletrônicos);

c) Promoção de valores constitucionais fundamentais (ex: sustentabilidade ambiental);

d) Preocupação com a eficiência econômica na contratação (ex: fixação de critérios de desempenho para fixação de remuneração do contratado);

e) Maior transparência (ex: a divulgação dos atos praticados na rede mundial de computadores), viabilizando o maior controle por parte da sociedade civil.

Conclusão

A realidade tem demonstrado o excesso de formalismos da Lei nº 8.666/93 não é suficiente para afastar abusos praticados por administradores públicos e, por outro lado, acarreta
ineficiência e lentidão administrativa, o que demonstra a conveniência e a oportunidade de um novo Estatuto de Licitações e Contratos. É imperioso que o novo – e esperado – diploma legal promova a desburocratização do processo de licitação, enfatize os resultados da ação administrativa, garanta economicidade e eficiência, sem abdicar do
tratamento isonômico conferidos aos interessados em contratar com o Poder Público. Todavia, os avanços nas licitações e contratações públicas não serão conquistados apenas com as alterações legislativas, revelando-se necessária, também, a mudança de mentalidade dos gestores públicos e o incremento dos instrumentos de controle interno e externo.


1 Verifica-se um “custo político” na alteraçã formal da Lei nº 8.666/93, mistificada como símbolo da moralidade administrativa, não obstante os inúmeros exemplos concretos demonstrarem a sua insuficiência. Mencione-se, por exemplo, que, desde o projeto enviado pelo Ministério do Planejamento, nos idos de 1993 (PL nº 146/03), até o projeto de lei enviado, recentemente, pelo Governo Federal (PLC nº 32/07), no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, não tivemos avanços na reformulação completa da Lei Geral de Licitações e Contratos.
2 Sobre o tema, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos, 3ª ed., São Paulo: Método, 2014 e OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., São Paulo: Método, 2014.
3 A partir do reconhecimento da normatividade do texto constitucional e de sua superioridade hierárquica, a interpretação de todo e qualquer ramo do Direito passou a depender da sua adequação às normas constitucionais. A constitucionalização do Direito Administrativo é uma característica típica do Neoconstitucionalismo, movimento iniciado após a II Guerra, e do Pós-positivismo que propõe a reaproximação entre o Direito e a Moral, com a valorização dos princípios. Sobre a constitucionalização do Direito Administrativo, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A constitucionalização do Direito Administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legitimidade das agências reguladoras, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
4 GIANNINI, Massimo Severo. Derecho Administrativo, vol. I, Madrid: Ministerio para las Administraciones Publicas (MAP), 1991, p. 76 e ss. A homogeneidade dos interesses – característica típica do Estado Liberal burguês, que deveria atender às necessidades de uma classe dominante (a burguesia) e que estabelecia o voto censitário – cede espaço para a heterogeneidade dos interesses existentes na complexa sociedade atual. A consagração do sufrágio universal possibilita a participação política de grupos sociais até então excluídos e a defesa/promoção dos seus interesses. Não existe, destarte, um único interesse público, mas, sim, diversos interesses públicos, eventualmente conflitantes, que devem ser protegidos no Estado Democrático de Direito, marcado pelo pluralismo LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1976, p. 422.
5 Nem sempre a medida mais barata será a mais eficiente (“o barato pode custar caro”), o que pode ser corroborado pelo art. 45 da Lei nº 8666/93 que, ao dispor sobre os tipos de licitação, prevê a possibilidade de utilização de critérios técnicos para definição da proposta mais vantajosa. Sobre o princípio da eficiência administrativa, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do Direito Administrativo, 2ª ed., São Paulo: Método, 2013. Segundo Humberto Ávila, “a medida adotada pela administração pode ser a menos dispendiosa e, apesar disso, ser a menos eficiente.” Na lição do autor, a atuação administrativa é eficiente quando “promove de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos”, motivo pelo qual não basta a utilização dos meios adequados para promover os respectivos fins; mais do que a adequação, a eficiência “exige satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à administração.” ÁVILA, Humberto. “Moralidade, razoabilidade e eficiência”. In: Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 4, out./nov./ dez., 2005, p. 21 e 23-24. Disponível na internet: www.direitodoestado.com.br. Acesso em 01/06/10.
6 No Direito Comparado, a análise do resultado já pode ser encontrada em estudos monográficos recentes, com destaque para duas obras italianas: SORRENTINO, Giancarlo. Diritti e partecipazione nell ’amministrazione di resultato, Napoli: Editoriale Scientifica, 2003; e SPASIANO, Mario R. Funzione amministrativa e legalità di resultado. Torino: Giappichelli, 2003. No Brasil, o estudo do resultado como novo paradigma do Direito Administrativo foi destacado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto na obra: Quatro paradigmas do Direito Administrativo Pós-Moderno, Belo Horizonte: Forum, 2008.
7 Sobre a função regulatória da licitação, vide: SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 86-89; Idem. Direito administrativo contratual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 6, p. 105, 328 e 424; FERRAZ, Luciano. Função regulatória da licitação. A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, v. 37, p. 133-142, 2009; GARCIA, Flávio Amaral. Licitações e contratos administrativos. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 73-75; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos, 3ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 159-162.
8 É oportuno lembrar que a licitação é um processo administrativo instrumental que tem por objetivo a seleção do interessado que celebrará o contrato com a Administração. Por esta razão, o formalismo procedimental, apesar de salutar, não pode ser excessivo, sob pena de desvirtuar a finalidade da ação administrativa e gerar ineficiência na concretização dos valores constitucionais. Marçal Justen Filho, da mesma forma, ressalta a instrumentalidade da licitação em sua obra: Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 74.
9 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. “A boa gestão dos contratos administrativos”. In: BLC, novembro, 2012, p. 1.041-1.061. biental); d) Preocupação com a eficiência econômica na
contratação (ex: fixação de critérios de desempenho para fixação de remuneração do contratado); e) Maior transparência (ex: a divulgação dos atos praticados na rede mundial de computadores), viabilizando o maior controle por parte da sociedade civil.
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