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As atribuições do administrador judicial conforme as alterações da lei 14.112/20

FALÊNCIA

LEI 14.112/20

Paulo Penalva Santos

Paulo Penalva Santos

22/03/2023

A Lei n. 11.101/2005 prevê a nomeação de administrador judicial – órgão criado para auxiliar o Juízo – sendo este essencial para o bom funcionamento da recuperação judicial e da falência.

O presente artigo tem por finalidade analisar as atribuições do administrador judicial, em especial a obrigação de fiscalizar o cumprimento do plano, que sofreu relevante alteração com a edição da Lei n. 14.112/2020.

Alterações da lei 14.112/20

A lei 14.112/2020 alterou a alínea c e acrescentou as alíneas e, f, g e h ao inciso II do art. 22, atribuindo ao administrador judicial, na recuperação judicial as funções de (c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor; (e) fiscalizar o decurso das tratativas e a regularidade das negociações entre devedor e credores; (f) assegurar que devedor e credores não adotem expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais ao regular andamento das negociações; (g)  assegurar que as negociações realizadas entre devedor e credores sejam regidas pelos termos convencionados entre interessados ou, na falta de acordo, pelas regras propostas pelo administrador judicial e homologadas pelo juiz, observado o princípio da boa-fé para a solução construtiva de consensos, que acarretem maior efetividade econômico-financeira e proveito social para os agentes econômicos envolvidos; e (h) apresentar, para juntada aos autos, e publicar no endereço eletrônico específico relatório mensal das atividades do devedor e relatório sobre o plano de recuperação judicial, no prazo de 15 (quinze) dias contado da apresentação do plano, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor, além de informar eventual ocorrência das condutas previstas no art. 64.

Apresentação de relatórios

A lei determina ao administrador judicial a apresentação de relatórios que são essenciais à fiscalização das atividades do devedor, a saber: relatório mensal das atividades do devedor (art.22, II, c), relatório sobre a execução do plano (art. 22, II, e) e relatório sobre o plano (art.22, II, g).

Relatório mensal das atividades do devedor (art. 22, II, c).

O relatório mensal é importante porque o devedor continua na administração da atividade empresária, devendo prestar informações sobre seu exercício. Esse fluxo de informações deve ser apresentado mensalmente para lastrear o relatório preparado pelo administrador judicial.

Essa obrigação de exibir contas demonstrativas mensais imposta ao devedor é de tal ordem relevante que o legislador considera o seu descumprimento causa de destituição dos administradores da sociedade devedora (art. 52, IV e art. 64, V).

Da mesma forma, caso o administrador judicial não elabore, no prazo estabelecido, qualquer dos relatórios, será intimado pessoalmente a fazê-lo no prazo de cinco dias, sob pena de desobediência.

A apresentação do relatório mensal das atividades do devedor já estava prevista na redação original do art. 22, II, c, mas curiosamente a nova alínea h do mesmo art. menciona novamente um relatório mensal das atividades do devedor, e outro relatório sobre o plano de recuperação judicial. É evidente a inutilidade de apresentação de dois relatórios mensais, com o mesmo objetivo. Assim, a regra da alínea h é relevante apenas por introduzir um novo relatório sobre o plano, conforme se verá a seguir.

O Relatório Mensal de Atividades, usualmente denominado RMA, deve contemplar informações sobre as atividades exercidas pelo devedor, baseados em elementos fornecidos pelo devedor, que contêm, dados referentes ao respectivo mês, e que deve ser analisado em conjunto com os relatórios anteriores. Deve ser informado qualquer fato “que seja relevante para o processo, em especial aqueles que possam causar prejuízo aos credores, de que são exemplo o desvio de bens, a confusão patrimonial ou qualquer tipo de crime ou fraude. Da mesma forma, qualquer situação de anormalidade no curso das atividades da recuperanda, nas suas demonstrações contábeis ou mesmo na execução do plano devem ser reportadas, sob pena de restar caracterizada negligência, nos termos do art. 32 da LREF”.1

Na hipótese de companhia aberta, devem constar no relatório os fatos relevantes e comunicados ao mercado, na forma exigida pela Comissão de Valores Mobiliários.

É comum o administrador judicial relacionar o atendimento feito a credores e resumir as suas manifestações mais relevantes nos autos da recuperação judicial, informando os principais recursos nos quais se manifestou.

Compete ainda ao administrador judicial indicar no relatório as obrigações do plano que se venceram no respectivo mês.

Fiscalizar a veracidade das informações do devedor

Em relação às novas atribuições do administrador judicial, o maior desafio certamente será a interpretação da expressão “fiscalizar a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor”, que consta nas alíneas c e h do art. 22, II, com a redação dada pela lei 14.112/2020.

Isso porque, parece evidente que o administrador judicial não tem a função de atestar a veracidade das informações prestadas pelo devedor, pois nem mesmo o auditor independente, responsável pela apresentação de laudo que demonstra a viabilidade econômico-financeira do plano (art. 53) tem essa obrigação. O objetivo deste laudo é avaliar a real capacidade econômico-financeira, sempre baseado nos trabalhos técnicos apresentados pelo devedor, os quais não são necessariamente objeto de análise independente por parte da empresa de auditoria. Além disso, com muita frequência, o auditor trabalha com dados por amostragem, o que torna impossível atestar a veracidade de todas as informações prestadas pelo devedor.

Considerando que a responsabilidade do administrador judicial é subjetiva, Daniel Carnio Costa e Alexandre Correa Nasser de Melo lembram que “somente a intenção de omitir a irregularidade ou a desconformidade das informações prestadas pela devedora ou a negligência/imperícia na sua análise poderão gerar a responsabilização da administração judicial.”2

Relatório sobre a execução do plano (art. 22.II, d).

Cumpridas as obrigações vencidas no prazo de dois anos de supervisão judicial, previstas no art. 61, o juiz decretará o encerramento da recuperação judicial, determinando ao administrador judicial a apresentação de relatório circunstanciado, sobre a execução do plano de recuperação judicial.

Trata-se do relatório final que deve conter “exclusivamente informações acerca do cumprimento do plano de recuperação judicial tais como (i) a forma com que as obrigações foram cumpridas; (ii) as obrigações que, eventualmente, tenham tido seu adimplemento antecipado; (iii) as obrigações que ainda restam ao devedor adimplir”.3

Com a apresentação desse relatório, encerra-se a recuperação judicial e,  consequentemente, a atribuição fiscalizatória do administrador judicial.

Relatório sobre o plano (art.22, II, h).

A Lei n. 14.112/2020 criou nova espécie de relatório, o qual deve ser apresentado no prazo de 15 dias, contado da apresentação do plano proposto pelo devedor. Percebe-se que o legislador antecipou a atividade fiscalizatória, que agora se inicia logo após a apresentação do plano, e não apenas após a concessão da recuperação judicial. Note-se que antes da concessão da recuperação judicial (art. 58) as obrigações previstas no plano são meras propostas submetidas aos credores e, portanto, não são exigíveis, não havendo razão para fiscalizar o seu cumprimento.

Além disso, a utilidade desse novo relatório é questionável, pois é improvável que o administrador tenha condições de analisar o plano no prazo de 15 dias, principalmente em relação à veracidade e a conformidade das informações constantes do plano.

Determina ainda o legislador que o administrador judicial verifique a eventual ocorrência das condutas previstas no art. 64, que cuidam de hipóteses que justificam o afastamento dos administradores do comando da sociedade em recuperação judicial. Esses fatos devem ser apurados com muito cuidado, e provavelmente o administrador judicial não terá tempo hábil de fazê-lo.

Até a realização da assembleia-geral é frequente a apresentação de modificações do plano, caso em que o administrador judicial deverá também apresentar novo relatório.

Relatórios previstos na Recomendação n. 72 do CNJ.

Com a finalidade de padronizar os relatórios a serem apresentados pelo administrador judicial, a Recomendação n. 72 de 19 de agosto de 2020 do Conselho Nacional de Justiça estabelece procedimentos destinados a registrar os fatos mais relevantes ocorridos em cada fase da recuperação judicial, como, por exemplo, o andamento processual, os incidentes processuais e, também, com a sugestão de modelos a serem utilizados nos relatórios previstos na Lei n. 11.101/2005.

A Recomendação prevê a necessidade de o administrador judicial encaminhar “um comunicado aos representantes do devedor, informando de forma detalhada toda a documentação que irá solicitar, mês a mês, para a elaboração dos relatórios mensais de atividade.”4

Fiscalizar as negociações entre devedor e credores.

O art. 22, II, alíneas e e f impõem ao administrador judicial o dever de fiscalizar as tratativas e a regularidade das negociações entre as partes, bem como assegurar que devedor e credores não adotem medidas inúteis, prejudiciais ao bom andamento das negociações. O administrador judicial, como auxiliar do juiz, não pode intervir nas negociações, mas apenas “fiscalizá-las para assegurar que os devedores ou os credores não adotem expedientes que dificultem referida negociação, assim como assegurar que todas as informações imprescindíveis para a negociação e o conhecimento do negócio sejam efetivamente fornecidas, sob pena de destituição dos administradores ou do próprio devedor, com nomeação de um gestor judicial (arts. 64 e 65)”.5

Ainda, a alínea g impõe ao administrador judicial o dever de assegurar que as negociações realizadas entre credores e devedor sejam regidas pelos termos convencionados entre os interessados ou, na falta de acordo, pelas regras propostas pelo administrador judicial.

A dificuldade prática na aplicação dessa norma decorre do fato de que, conforme acima ressaltado, o administrador judicial não representa interesses do devedor nem dos credores, sendo apenas uma pessoa de confiança do juiz.

Pelo fato de ser pessoa de absoluta confiança do juiz decorre o seu atributo mais importante, que é a imparcialidade.6

Como pode propor regras de negociação? O que tem ocorrido são hipóteses em que o administrador judicial sugere ao juiz que determine a instalação de procedimento de mediação, no qual o mediador submeterá ao juiz o procedimento a ser adotado na negociação.

Estimular a mediação e a conciliação.

O Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação n. 58 de 22 de outubro de 2019 já sugeria aos juízes que determinassem a utilização da mediação e da conciliação nas principais fases da recuperação judicial.

A mediação e a conciliação têm sido adotadas em recuperação judicial como instrumento de prevenção e solução extrajudicial de litígios sendo que, em muitos casos, com previsão expressa nos incidentes de verificação de crédito, no auxílio para a negociação do plano de recuperação e muito outros casos na recuperação judicial. A Recomendação veda a atuação do administrador judicial como mediador ou conciliador, cabendo ao juiz nomeá-los.

É comum o plano de recuperação prever proposta de mediação e de conciliação, que podem ser implementadas antes da assembleia-geral de credores. Para dar efetividade a essas formas de solução extrajudicial de litígio, o juiz indica o mediador ou o conciliador, propondo regras para esses procedimentos.

A Lei n. 14.112/2020 trouxe para o texto legal esse mesmo conceito da Resolução n. 58 do Conselho Nacional de Justiça, ao incluir a alínea j no inciso I do art. 22.

O dever do administrador judicial de estimular a conciliação e a mediação é justificável “por ter conhecimento aprofundado dos aspectos fáticos e jurídico processuais do caso, pode identificar com maior facilidade os empecilhos à negociação entre as partes. Desde que sempre com supervisão do juiz, cabe ao administrador judicial incentivar consensos em relação a questões pontuais, para que o processo de falência ou recuperação atinja seus objetivos, com eficiência e celeridade. Para isso, o administrador judicial pode requerer ao juízo a realização de audiências de gestão democrática ou sessões de conciliação”.7

O administrador judicial e o plano apresentado pelos credores

A Lei n. 14.112/2020 prevê a possibilidade de os credores apresentarem um plano alternativo em dois dispositivos: no art. 6º, § 4º-A e no art. 56, §§ 4º ao 8º.

Na primeira hipótese (art. 6º, § 4º-A) decorrido o prazo do stay period, sem que o plano de recuperação apresentado pelo devedor tenha sido deliberado em assembleia-geral, os credores teriam a faculdade de propor um plano alternativo.

A outra previsão está no art. 56, § 4º, o qual dispõe que “rejeitado o plano de recuperação judicial, o administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão de prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores”.

Na prática, a possibilidade de apresentação de plano alternativo pelos credores representa um incentivo para o devedor buscar a melhor solução possível pois, caso contrário, ficará exposto ao risco de ser votado um meio de recuperação elaborado pelos credores.

Em interpretação literal e mais apressada da alínea h do inciso II do art. 22 pode até parecer que a lei estaria se referindo, apenas, ao plano apresentado pelo devedor. Pondere-se, contudo, que na hipótese de o plano ter sido proposto pelos credores, é até mais relevante a atuação do poder fiscalizatório detido pelo administrador judicial, apresentando relatório com informações sobre a veracidade e a conformidade dos dados que embasaram a elaboração do plano.

Conclusão

Por tudo isso, diante das disposições da Lei n. 11.101/2005 e das alterações nela promovidas pela Lei n. 14.112/2020, demonstra-se essencial o papel que o administrador judicial de fiscalizar as atividades do devedor, em especial sobre o cumprimento do plano.8

Fonte: Migalhas


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NOTAS

1 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; e TELLECHEA, Rodrigo, Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei nº 11.101/2005, 3ª ed – rev. atual e ampl. São Paulo: Almedina, 2018, p. 251.

2 COSTA, Daniel Carnio, Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021, Ob. Cit. p. 108

3 Idem p.109.

4 COSTA, Daniel Carnio, Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021, p.106.

5 Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência/Marcelo Barbosa Sacramone. -2ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.. 168.

6 SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; e TELLECHEA, Rodrigo, Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei nº 11.101/2005, 3ª ed – rev. atual e ampl. São Paulo: Almedina, 2018, p. 244.

7 COSTA, Daniel Carnio, Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/Daniel Carnio Costa, Alexandre Correa Nasser de Melo – Curitiba: Juruá, 2021, p. 106.

8 “A boa condução de uma recuperação judicial ou de uma falência decorre em grande medida da atuação do administrador judicial, figura chave nos dois procedimentos. Isso porque o administrador judicial tem papel preponderante no sucesso ou insucesso de uma falência ou recuperação judicial. Um juiz inexperiente na matéria concursal com o auxílio de um administrador judicial competente pode bem conduzir uma recuperação judicial ou uma falência. Mas o juiz mais experimentado nesta área tendo ao seu lado um administrador judicial despreparado, negligente ou mal-intencionado terá grandes dificuldades na condução do processo”. SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; e TELLECHEA, Rodrigo, Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei nº 11.101/2005, 3ª ed – rev. atual e ampl. São Paulo: Almedina, 2018, p. 243.

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