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A arbitragem nos contratos da Administração Pública e a Lei 13.129/2015

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Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

17/06/2015

Morpheus

A Lei 13.129, publicada no DOU do dia 27-05-2015, alterou a Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) para determinar, de forma expressa, que a Administração Pública, direta e indireta, por meio da autoridade competente para realização de acordos e transações, poderá estabelecer convenção de arbitragem de direito (e não por equidade) para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, respeitado o princípio da publicidade (art. 1.º, §§ 1.º e 2.º e art. 2.º, § 3.º, da Lei 9.307/1996).

Além de outras alterações, a referida legislação dispôs que a instituição da arbitragem interrompe a prescrição, desde a data do requerimento de sua instauração (prescrição retroativa), na forma do art. 19, § 2.º, da Lei 9.307/1996, alterado pela Lei 13.129/2015.

Verifica-se, portanto, que o legislador, na linha consagrada na doutrina majoritária e em decisões judiciais, passou a admitir a utilização da arbitragem como método de solução de controvérsias em contratos celebrados pela Administração Pública.[1]

A arbitragem em contratos privados da Administração Pública (ex.: contratos celebrados por empresas estatais, contratos de locação em que a Administração é locatária) sempre contou com maior aceitação na doutrina e na jurisprudência, especialmente em razão da preponderância da aplicação do regime jurídico de direito privado e pela ausência, em regra, das cláusulas exorbitantes, na forma do art. 62, § 3.º, I, da Lei 8.666/1993.

Todavia, mesmo nos contratos administrativos, a arbitragem representa uma solução eficiente para solução de controvérsias contratuais que digam respeito às questões predominantemente patrimoniais ou técnicas (direitos disponíveis).

Tanto é verdade que a arbitragem em contratos administrativos já contava com previsão em diplomas legais específicos (ex.: art. 23-A da Lei 8.987/1995 e art. 11, III, da Lei 11.079/2004).

A nosso ver, a ausência de lei, com a previsão de utilização ampla da arbitragem em todos os contratos administrativos, não era fator impeditivo para sua efetivação, uma vez que o art. 54 da Lei 8.666/1993 determina a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos e das disposições de direito privado aos contratos administrativos.

É inerente ao contrato administrativo a possibilidade de sua extinção antes do advento do termo final, por razões de interesse público, por inadimplemento das partes ou por outras razões previstas em lei, sendo razoável admitir que o poder público, apoiado no princípio da eficiência administrativa e no princípio da boa administração, estabeleça cláusula arbitral para solução eficiente (técnica e célere) das controvérsias contratuais.

O uso da arbitragem, por certo, produziria consequências positivas para as partes contratantes, especialmente por permitir que as disputas contratuais, que envolvem interesses disponíveis, sejam solucionadas por meio de juízos técnicos, oriundos de árbitros escolhidos pelas partes, e em espaço reduzido de tempo.

É oportuno ressaltar, inclusive, a importância da arbitragem nas relações comerciais internacionais que envolvem o Estado. Nessas hipóteses, as disputas contratuais serão resolvidas, eventualmente, por árbitros, com fundamento na lex mercatoria, considerada fonte do denominado “direito administrativo global” (Global Administrative Law).[2] Trata-se de tendência encontrada no atual estágio de evolução do direito, explicada, por exemplo, pelo enfraquecimento da soberania, em virtude do processo de globalização, e pela releitura do princípio da legalidade. A inserção do Estado nacional no cenário internacional depende invariavelmente do respeito dessas condições.

Não obstante a decisão seja tomada por um árbitro, terceiro neutro em relação aos envolvidos na disputa, a arbitragem possui uma base consensual, na medida em que a convenção arbitral é pactuada entre as partes, o que reforça a legitimidade da solução que será apresentada.

Ao utilizar a arbitragem, a Administração Pública renuncia à via jurisdicional e à prerrogativa de rescindir unilateralmente o contrato, o que, a nosso juízo, reforça a tendência de releitura (relativização) das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos.[3]

É possível afirmar que a arbitragem em contratos estatais demonstra a necessidade de releitura de dogmas do Direito Administrativo tradicional, tais como os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público.

Em suma, a arbitragem nos contratos administrativos pode ser justificada pelo princípio da eficiência, com a escolha consensual do expert que decidirá as controvérsias contratuais, diminuindo os custos de transação, conferindo maior celeridade à solução e proximidade das partes com o árbitro.

Evidentemente, a arbitragem, como qualquer outro instituto jurídico, encontra limites fixados no próprio ordenamento jurídico. No caso da arbitragem envolvendo a Administração, a Lei 13.129/2015 estabeleceu, ao menos, três importantes limites: a) a arbitragem se restringe aos direitos patrimoniais disponíveis; b) a arbitragem deve ser de direito, com fundamento no princípio da legalidade, sendo vedada a arbitragem por equidade; e c) a publicidade, salvo situações legais de sigilo, o que relativiza a confidencialidade normalmente encontrada na arbitragem dos contratos privados.

Portanto, a alteração promovida pela Lei 13.129/2015 na Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), com o objetivo de permitir a utilização de arbitragem nos contratos da Administração Pública em geral, encontra respaldo nos novos paradigmas do Direito Administrativo contemporâneo.


[1] Nesse sentido, por exemplo: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos, 4. ed., São Paulo: Método, 2015 – p. 249-250; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; SOUTO, Marcos Juruena Villela. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. RDA, n. 236, p. 215-261, abr.-jun. 2004; TÁCITO, Caio. Arbitragem nos litígios administrativos. RDA, n. 210, p. 111-115, out.-dez. 1997; STJ, 2.ª Turma, REsp 612.439/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 14.09.2006, p. 299 (Informativo de Jurisprudência do STJ n. 266). Nesse caso, a Corte admitiu a arbitragem em contratos celebrados por sociedade de economia mista: “são válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1.º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste”.
[2] De acordo com Benedict Kingsbury, Nico Krisch e Richard B. Stewart, a expressão Global Administrative Law compreende “os mecanismos, princípios, práticas e entendimentos apoiados pela sociedade que promovem ou afetam a responsabilização dos departamentos administrativos globais, assegurando que cumpram standards de transparência, participação, fundamentação das decisões e legalidade, fornecendo revisões eficazes das regras e decisões tomadas” (tradução nossa). Nesse contexto, existem fontes do direito que vão além do Estado, tal como ocorre com a lex mercatoria, baseada em práticas dos atores comerciais em todo o mundo. (KINGSBURY, Benedict; KRISCH, Nico; STEWART, Richard B. The emergence of Global Administrative Law. In: KINGSBURY, Benedict et al (Org.). Law and Contemporany Problems, North Carolina, v. 68, n. 3 e 4, p. 17 e 29, 2005).
[3] Nesse sentido, por exemplo: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos, 4. ed., São Paulo: Método, 2015, – p. 249-250; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O futuro das cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo (Coord.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 581-582 e 586.

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