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O direito ao esquecimento segue lembrado, ao menos na União Europeia
Ingo Wolfgang Sarlet
12/03/2023
Ao passo que, como já discutido em momentos anteriores nesse mesmo espaço, no Brasil, em especial desde a controversa decisão do STF (RE-RG 1010606, relator: ministro Dias Toffoli, j. 11/2/2021), refutando (??) a existência de um direito ao esquecimento na ordem jurídica brasileira, o tema parece estar fadado, ao menos por ora, a desaparecer da agenda do Poder Judiciário, na doutrina a situação é completamente diversa, dada a existência, desde o precedente referido, de um expressivo número de publicações (inclusive no ConJur) sustentando, em maior ou menor medida, justamente o contrário, ou seja, a necessidade do reconhecimento daquele direito.
Sem prejuízo da relevância da discussão travada no Brasil sobre o tema, ou mesmo da eventual possibilidade de uma reversão, ainda que parcial, da orientação adotada pelo STF, a depender do andar da carruagem, o que aqui se pretende, mais uma vez, destacar, é que em outros lugares, seja no que diz respeito a decisões proferidas por tribunais nacionais, em especial pelos Tribunais Superiores e pela Justiça Constitucional, seja relativamente aos julgados sobre o tema provenientes das instâncias judiciárias internacionais, o direito ao esquecimento não saiu de moda. Pelo contrário, embora não necessariamente em grande número, não há ano no qual não se registrem julgamentos sobre a matéria, em boa parte no sentido do reconhecimento do direito.
Direito ao esquecimento e julgamento do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)
Assim, para manter a chama acesa, trazemos à colação um julgamento recentíssimo do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) — Processo C-460/20 —, de 8/12/2022, envolvendo o direito ao apagamento de dados (direito a ser esquecido) consagrado no artigo 17 do Regulamento Geral Europeu de Proteção de Dados, no caso concreto, a obrigação do Google de suprimir um conteúdo inexato.
De acordo com o Comunicado de Imprensa 197/22, de 8/12/22, do TJUE, que aqui será — e tomamos a liberdade de fazê-lo — substancialmente transcrito, (…) “Dois dirigentes de um grupo de sociedades de investimentos pediram à Google que suprimisse dos resultados numa pesquisa efetuada a partir dos seus nomes referências que incluam hiperligações para determinados artigos que apresentam de forma crítica o modelo de investimento do referido grupo. Argumentam que esses artigos contêm alegações inexatas. Além disso, pedem à Google que as suas fotografias, exibidas sob a forma de imagens de pré?visualização (thumbnails), sejam suprimidas da lista de resultados de uma pesquisa de imagens efetuada a partir dos seus nomes. Essa lista exibia apenas imagens de pré?visualização enquanto tais, sem incluir os elementos do contexto da publicação das fotografias na página Internet apresentada. Dito de outro modo, o contexto inicial da publicação das imagens não era indicado nem visível de outro modo no momento da exibição das imagens de pré-visualização” (….).
O Google, por sua vez, “recusou dar seguimento a esses pedidos, remetendo para o contexto profissional em que se inseriam os referidos artigos e fotografias, e alegando que desconhecia se as informações contidas nos artigos são ou não exatas”.
No litígio, instaurado perante o Poder Judiciário da Alemanha, o Bundesgerichtshof (BGH), o Supremo Tribunal de Justiça Federal alemão que, em termos gerais, equivale ao STJ brasileiro, “solicitou ao Tribunal de Justiça a interpretação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, que regula nomeadamente o direito ao apagamento dos dados («direito a ser esquecido»), e da Diretiva relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, à luz da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.
No seu acórdão ora noticiado, o TJUE, com base em decisões anteriores, “recorda que o direito à proteção dos dados pessoais não é um direito absoluto, mas deve ser tido em conta em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade”.
Para o TJUE, “o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados prevê expressamente que o direito ao apagamento dos dados fica excluído quando o tratamento seja necessário ao exercício do direito relativo, nomeadamente, à liberdade de informação”. Todavia, prossegue o Tribunal na sua argumentação, “os direitos da pessoa em causa, à proteção da vida privada e à proteção dos dados pessoais prevalecem, regra geral, sobre o interesse legítimo dos internautas potencialmente interessados em aceder à informação em questão. Este equilíbrio pode, todavia, depender das circunstâncias pertinentes de cada caso, nomeadamente da natureza dessa informação e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse da Direção da Comunicação Unidade Imprensa e Informação, curia.europa.eu público, em dispor da referida informação, o qual pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública”.
Além disso, o TJUE, destaca que “o direito à liberdade de expressão e de informação não pode ser tido em conta quando pelo menos uma parte das informações constantes do conteúdo exibido, que não apresenta uma importância menor, se revela inexata. No que respeita, por um lado, às obrigações que incumbem ao requerente da supressão de referências devido a um conteúdo inexato, o Tribunal de Justiça sublinha que cabe ao requerente provar a inexatidão manifesta das informações ou, pelo menos, de uma parte delas que não tenha importância menor. Todavia, a fim de evitar impor ao requerente um ónus excessivo suscetível de prejudicar o efeito útil do direito à supressão de referências, cabe-lhe unicamente fornecer os elementos de prova que lhe possa razoavelmente ser exigido que procure. Não é, pois, em princípio, obrigado a apresentar, desde a fase pré- contenciosa, uma decisão judicial obtida contra o editor do sítio Internet em causa, ainda que sob a forma de uma decisão proferida num processo de medidas provisórias” (…).
Já no que diz respeito às obrigações e responsabilidades que incumbem ao operador do motor de busca, no caso, o Google, a corte “considera que, na sequência de um pedido de supressão de referências, este último se deve basear em todos os direitos e interesses envolvidos, bem como em todas as circunstâncias do caso concreto, para verificar se um conteúdo pode continuar a ser incluído na lista de resultados das pesquisas efetuadas por intermédio do seu motor de busca. Todavia, o referido operador não pode ser obrigado a exercer um papel ativo na pesquisa de elementos de facto que não sejam fundamentados pelo pedido de supressão de referências, para efeitos da determinação do seu mérito” (…).
Note-se, que de acordo com a argumentação do TJUE, “no caso de o requerente da supressão de referências apresentar elementos de prova pertinentes e suficientes, adequados para fundamentar o seu pedido e demonstrar o caráter manifestamente inexato das informações que figuram no conteúdo apresentado, o operador do motor de busca é obrigado a deferir esse pedido. O mesmo acontece quando apresenta uma decisão judicial que o constata” (…).
Importa destacar, todavia, que para o TJUE, “no caso de o caráter inexato das informações que figuram no conteúdo apresentado não se revelar de modo manifesto à luz dos elementos de prova fornecidos pelo requerente, esse operador não está obrigado, na falta de tal decisão judicial, a deferi-lo. Contudo, nesse caso, o requerente deve poder submeter o assunto à autoridade de controlo ou aos tribunais, para que estes efetuem as verificações necessárias e ordenem a esse responsável a tomada de medidas em conformidade”.
Calha destacar, que na hipótese acima referida, o Tribunal de Justiça “exige que o operador do motor de busca avise os internautas da existência de um processo administrativo ou judicial relativo ao caráter pretensamente inexato de um conteúdo, desde que tenha sido informado desse processo”.
Já no concernente “à exibição de fotografias sob a forma de imagens de pré-visualização (thumbnails), o Tribunal de Justiça sublinha que a exibição, na sequência de uma pesquisa por nome, sob a forma de imagens de pré-visualização, de fotografias da pessoa em causa, é suscetível de constituir uma ingerência particularmente importante nos direitos à proteção da vida privada e dos dados pessoais dessa pessoa”.
Por essa razão, “o Tribunal de Justiça salienta que, quando é apresentado ao operador de um motor de busca um pedido de supressão de referências relativo às fotografias exibidas sob a forma de imagens de pré-visualização, este deve verificar se a exibição dessas fotografias é necessária ao exercício do direito à liberdade de informação dos internautas potencialmente interessados em aceder às mesmas”.
Assume relevo, nessa quadra, que para o TJUE, “a contribuição para um debate de interesse geral constitui um elemento primordial a tomar em consideração na ponderação dos direitos fundamentais concorrentes”, devendo ser levado em conta, “por um lado, quando estão em causa artigos com fotografias que, inseridos no seu contexto original, ilustram as informações fornecidas nesses artigos e as opiniões aí expressas, e, por outro, quando se trata de fotografias exibidas sob a forma de imagens de pré-visualização na lista de resultados de um motor de busca, fora do contexto em que foram publicadas na página Internet de origem”.
No que diz respeito à ponderação tendo por objeto as fotografias em causa no caso julgado, sob a forma de imagens de pré-visualização, “o Tribunal de Justiça conclui que se deve ter em conta o seu valor informativo sem tomar em consideração o contexto da sua publicação na página Internet da qual foram retiradas. No entanto, todos os elementos textuais que acompanhem diretamente a exibição das fotografias nos resultados de pesquisa e que sejam suscetíveis de esclarecer o valor informativo das mesmas devem ser tidos em conta”.
Sobre o reconhecimento de um direito à desindexação
À vista do caso acima apresentado, tal como reproduzido pelo Boletim Informativo do próprio TJUE referido, é possível retomar linha argumentativa que já havíamos explorado noutras ocasiões, designadamente, a de que a despeito do indigitado julgamento do STF, de fevereiro de 2021, o reconhecimento de um direito de apagamento (exclusão), e mesmo retificação de dados — assim como eventualmente o reconhecimento de um direito à desindexação voltado contra os provedores de pesquisa (busca) na Internet, não é, ao fim e ao cabo, de ser refutado, desde que, é claro, respeitados uma série de critérios, devidamente chancelados pela legislação e que, ao fim e ao cabo, estejam em fina sintonia com a ordem constitucional.
A prevalecer o entendimento da inexistência de um direito ao esquecimento na ordem jurídica brasileira, não faz sentido que tal orientação seja compreendida como pura e simplesmente atropelando uma série de conquistas na esfera da proteção dos dados pessoais, cujo marco regulatório — no nosso caso, a LGPD — assegura, na lista (aberta) dos direitos subjetivos do titular dos dados pessoais, o direito à retificação e ao apagamento – inclusive de dados contendo informações verídicas. Da mesma forma, não soa razoável, que permitindo a legislação que se requeira (e obtenha, inclusive pela via judiciária) a exclusão de dados, não se possa dar guarida (reitere-se, em determinadas situações e com base em critérios juridicamente legítimos) a um pleito no sentido da desindexação de determinados links de acesso em face dos operadores de buscas.
De todo modo, sem termos a pretensão de aprofundar o tema, o que esperamos é que a apresentação do novo precedente do TJUE, contribua para manter o debate acesso também no Brasil, e, quem sabe, com isso possa, mais cedo ou mais tarde, levar o STF a repensar, ainda que em parte, o seu atual entendimento sobre a matéria.
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