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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
HISTÓRIA DO DIREITO
REVISTA FORENSE
Orozimbo Nonato e a Hermenêutica Jurídica Contemporânea
Revista Forense
09/01/2023
REVISTA FORENSE – VOLUME 157
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1955
Bimestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 157
CRÔNICA
- Orozimbo Nonato e a Hermenêutica Jurídica Contemporânea, Alípio Silveira
DOUTRINA
- Os partidos políticos nacionais, Afonso Arinos de Melo Franco
- A ação popular constitucional, Paulo Barbosa de Campos Filho
- A ação popular e o poder discricionário da administração, Rafael Bielsa
- Estabelecimento de cláusula de escala móvel nas obrigações em dinheiro. A valorização dos créditos em face do fenômeno inflacionário, Caio Mário da Silva Pereira
- A revogação dos atos administrativos, José Frederico Marques
- O tempo e a tutela dos direitos no processo civil, Torquato Castro
- O poder discricionário da administração – Evolução doutrinária e jurisprudencial, L. Lopes Rodó
PARECERES
- Constituição Rígida – Proposta de Emenda – Trâmites – “Quorum” – Sessão Legislativa Extraordinária, C. A. Lúcio Bittencourt
- Autarquias – Caixa de Mobilização Bancária – Alienação de Bens, A. Gonçalves de Oliveira
- Autarquias – Estabelecimentos de Serviço Público – Fundação da Casa Popular – Requisição de Funcionário Público, Caio Tácito
- Compra e Venda – Inadimplemento Contratual e Exceções de Garantia – Retenção – Execução de Hipoteca, Miguel Reale
- Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução por Morte de Sócio, Lino de Morais Leme
- Sociedade Civil – Teoria dos Órgãos Diretores e de Administração – Mandato – Delegação, Amílcar de Araújo Falcão
Município – Autonomia – Criação e Desmembramento, Lafaiete Pondé
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Conteúdo Jurídico do Preâmbulo Da Constituição, Alcino Pinto Falcão
- O Exercício pelos Estados da Atribuição Constitucional de Autorizar ou Conceder o Aproveitamento Industrial das Quedas D’água, A. Junqueira Aires
- Tratados e Convenções Internacionais sôbre Direito Penal, Roberto Paraíso Rocha
- Das Ações Possessórias no Âmbito do Direito Trabalhista, Pires Chaves
- O Crime e o Direito de Resistência, Valdir de Abreu
- Depoimentos e Testemunhos – Efração da Consciência, W. Vilela de Horbillon
- Reabilitação, Milton Evaristo dos Santos
- Da Continuação da Sociedade Comercial com os Herdeiros do Sócio Falecido, Mário Moacir Pôrto
- Promessa de Venda de Imóvel, Waldemar Loureiro
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: Os métodos modernos contra a lógica formal. A posição de OROZIMBO NONATO. O método histórico-evolutivo. Limites aos métodos modernos. NONATO e a sua interpretação construtiva do art. 101, “a”, da Constituição.
Sobre o autor
Alípio Silveira, professor da Faculdade de Direito de Niterói
CRÔNICA
Orozimbo Nonato e a Hermenêutica Jurídica Contemporânea
Em breve artigo iremos bosquejar as idéias fundamentais do professor e ministro OROZIMBO NONATO, no terreno da hermenêutica jurídica. A sua vasta cultura e seu sadio senso jurídico, a se refletirem em arestos modelares, justificam de sobejo uma rápida excursão em tão atraente e agitado território da esfera jurídica.
Os métodos modernos contra a lógica formal
Em oposição à lógica formal do século XIX, surgiu a valorização político-social na hermenêutica contemporânea, a predominar nos pretórios de hoje.
Na conhecida expressão de FRANÇOIS GÉNY, o método jurídico, de formal e passivo que era ou tendia a ser, tornou-se crítico e ativo.1 Que essa renovação dos métodos hermenêuticos tenha resultado de uma transformação de princípios jurídicos até então dominantes, é coisa já acentuada por GÉNY, e que não se põe mais hoje em dúvida. Os métodos jurídicos estreitos, que tudo pediam à lógica formal, foram um subproduto do Individualismo extremado em conjunção orgânica com o legalismo fetichista revolucionário. Propugnava-se a aplicação puramente mecânica da lei, pelo receio ao arbítrio dos magistrados. A admissão da lógica formal foi o máximo que se permitiram os aplicadores da lei. O entendimento dos textos à luz dos princípios, da Idéia de justiça e de utilidade social, era repelido como perigoso e como invasor do Poder Legislativo. Na expressão de HANS RETCHEL, vogava-se no absolutismo legal, o sistema da onipotência legal, descendente da filosofia política do século XVIII, especialmente daquela ultra-rígida teoria da separação dos poderes forjada por MONTESQUIEU, que concebera o juiz como um ente inanimado. A lei tinha de ser oniciente, de prever a tudo… O juiz, em seus movimentos, ficou aprisionado nas malhas do edito legal de tal modo que nem nos tempos do mais sombrio despotismo reinou tanta desconfiança em relação aos poderes do magistrado. A lei ficou como a única fonte do Direito, aboliu-se o costume, e supunha-se que aquela, tratada apenas pelo método silogístico, bastava para resolver todos os casos possíveis. A função puramente intelectual do juiz ficou rebaixada, e êle se converteu em um autômato que aplicava o geral ao particular e fazia deduções, pouco importando que os resultados de seu trabalho fôssem justos ou injustos.2
O grande jurisconsulto norte-americano ROSCOE POUND também descreve a superação de um semelhante estado de coisas, que não deixou de aparecer muito lògicamente na Inglaterra e nos Estados Unidos, como uma das mais típicas manifestações do espírito (ou da ideologia) liberal-individualista, sob a forma da Analytical jurisprudence.
Escreve êle: “Seria ocioso referirmo-nos, hoje em dia, à idéia da administração da justiça a modo dessas máquinas automáticas: ponham-se os fatos no orifício de entrada, puxe-se uma alavanca, e retire-se a decisão predeterminada. Houve o vão empenho, no século XIX, em todos os sistemas jurídicos, de conformar o procedimento judiciário a esta teoria. Uma natural reação veio exigir uma mudança radical no procedimento judiciário: a substituição daquele sistema pela norma pessoal e subjetiva do juiz, guiado, quando muito, por um conceito geral do bem comum. Mas a teoria mecânica tinha o bem comum em vista. Acreditavam seus fautores que o bem comum consistia em manter as liberdades individuais”.
Em outra passagem, acentua o decano da Universidade de Harvard: “Tempo houve em que alguns ataques foram desfechados contra a técnica tradicional da common law, consistente em encontrar as bases para decidir novas questões induzindo-as dos precedentes judiciários. A concepção jurídica extremamente analítica” (em nossa terminologia, a Escola Analítica corresponde ao positivismo jurídico estatista, que vê a lei positiva como a única fonte do Direito) da separação dos poderes foi responsável pela proposição de que os juízes não tinham poderes de, por meio de extensão analógica dos casos julgados, obter preceitos para novos casos; e também por aquela outra de que devem êles encontrar uma regra aplicável, prèviamente estabelecida por uma lei ou por algum precedente judiciário, e aplicá-la mecânicamente. Caso isso fôsse inteiramente impossível, sustentava-se que o caso deveria aguardar as providências do legislador. O último estertor dêstes ataques à nossa técnica da common law consistiu em um memorial dirigido à Convenção Constitucional de New York, em 1912, por pequeno grupo de advogados”.3
E a vitória, nos Estados Unidos, da sociological jurisprudènce, na qual ROSCOE POUND teve influência decisiva, significa a superação da lógica formal na aplicação da lei e o predomínio da idéia de justiça, da utilidade comum e da realidade social, na interpretação do direito positivo norte-americano,
Entre nós, como veremos adiante com pormenor, a evolução se tem acentuado no mesmo sentido. O professor e ministro FILADELFO AZEVEDO é muito claro, quando afirma em um de seus eruditos votos:
“Mas já tive ocasião de votar no sentido de mostrar como ainda uma vez falha tôda a lógica formal, quando levada a rigor no campo jurídico”.4
O profundo constitucionalista MAURICE HAURIOU assim sintetiza evolução semelhante operada no direito francês a partir da Revolução:
“A própria interpretação contenciosa das leis pelo juiz foi-lhe mesquinhamente “racionada”, e a concepção revolucionária primitiva era que a interpretação das leis duvidosas devia ficar reservada ao próprio legislador por meio do référé legislativo, de tal modo que o juiz não tinha senão de aplicar mecânicamente textos de uma significação certa. De fato, o estado de direito puramente legal reinou durante mais de um século; não foi senão há muito pouco tempo, e em conseqüência de um progresso muito lento, que a jurisprudência judiciária ousa elevar-se acima da interpretação dos textos por considerações tiradas da vontade do legislador. Sem dúvida, o juiz conquistou o poder de interpretar a lei em nome dos princípios superiores do Direito”.
E em outra passagem acentua êle que “foi preciso um século para que o juiz recuperasse seus poderes naturais”.5
OROZIMBO NONATO, em formosa conferência pronunciada em 1930, depois de acentuar que o absolutismo dos direitos individuais cede lugar ao princípio da relatividade dos direitos e de sua vocação social, acrescenta:
“A onipotência da forma legal perde seus fanáticos. Reclama-se para o juiz moderno quase que a função de “legislador de cada caso”, e isso se reclama exatamente para que, em suas mãos, o texto legal se desdobre num sentido moral e social mais amplo do que, em sua angústia expressional, êle contém”.6
A posição de OROZIMBO NONATO
***
Que a atividade do juiz ou intérprete, no desempenho dêsses poderes naturais, tenha caráter criador (NONATO, como vimos, afirma-nos que o juiz tem quase que a função de “legislador de cada caso”), di-lo também o insigne GIORGIO DEL VECCHIO, em passagem de relêvo: “A regra abstrata e rígida não pode ter uma aderência imediata com a complicação e a variedade extrema das relações humanas, sem que haja um trabalho de adaptação, a constituir justamente a tarefa do juiz. Todo jurista bem o sabe: nada há de mecânico nesta adaptação, trata-se de uma nova elaboração, quase uma segunda criação da regra a aplicar”.7
Nosso grande CLÓVIS BEVILÁQUA também disse belamente: “O intérprete é um criador, como o artista. Da pedra ou do bronze do edito, êle extrai a construção e a doutrina, que são novas elaborações da lei, algumas de uma luz tão forte, outras de uma delicadeza tão penetrante, que empolgam a mente como um formoso produto de alta estética”.8
Vejamos mais de perto esta atividade criadora do juiz. Por um lado, a função de legislar deve permanecer distinta da de julgar. Mesmo na solução dos casos omissos, de acôrdo com a fórmula do art. 1° do Cód. Civil suíço, o juiz não age como legislador, mesmo suplante. O legislador, além de só dever obediência à Constituição, edita preceitos obrigatórios para todos os casos: O juiz, mesmo quando expande ao máximo seus poderes naturais, além de não poder decidir contra a lei, só vincula com sua decisão a espécie sub judice. Todavia, ao decidir o caso omisso, poderá criar uma regra para êle. O art. 1º do Cód. Civil suíço estabelece:
“À falta de lei e de costume, o juiz aplicará a regra que estabeleceria se fôsse legislador”.
Êle se inspira nas soluções consagradas pela doutrina e pela jurisprudência.
Como observa o alto magistrado helvético CLAUDE DU PASQUIER, tal fórmula não conduz a resultados sensacionais. Na maior parte dos casos, foi pelo uso da analogia que o Tribunal Federal chegou à solução.9
Nossa Lei de Introd. ao Cód. Civil dispõe que, nos casos omissos, o juiz recorre à analogia, ao costume e aos princípios gerais de Direito. A analogia faculta ao intérprete certa atividade criadora. Em voto vencedor, OROZIMBO NONATO tangencia esta questão, quando afirma: “Se o constituir a analogia fonte de Direito, é de evidência, e está expresso em lei, sua aplicação depende da verificação de extremos, assunto em que se abre larga margem ao trabalho da doutrina” (nossos os grifos).10
Os princípios gerais de Direito, de doutrina tão discutida, exigem, na sua adaptação aos casos concretos, o recurso aos poderes naturais do juiz, em grau ainda maior do que no caso da analogia.
A eqüidade também desempenha várias funções na vida do Direito. Entre estas funções está a de fonte supletiva das lacunas da lei. O Cód. de Proc. Civil, em seu art. 114, recorre a tal função, ao estabelecer:
“Quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a regra que estabeleceria se fôsse legislador”.
OROZIMBO NONATO, em um de seus votos, ao interpretar o sentido dêsse artigo, assim se exprime: “Assim, estará autorizado a decidir por eqüidade na ausência de lei, podendo, ainda, invocar-lhe o adjutório quando a decisão se calcar em princípios gerais”.11
O método histórico-evolutivo
***
Até aí, examinamos a função criadora exercida pelo juiz, em face dos casos omissos. Mas, frente ao próprio texto legal aplicável, haverá também lugar para uma função criadora do juiz ou Intérprete, como sustentam os modernos hermeneutas?
Segundo o método clássico ou tradicional de interpretação, o juiz devia ser uma máquina de aplicar silogismos, absolutamente alheia à valoração da realidade social. A atribuição de poderes criadores ao juiz foi uma pedra de escândalo para a maioria dos exegetas, BLONDEAU à frente, segundo os quais devia o aplicador ater-se à letra da lei, ou, quando muito, encerrar-se na pesquisa lógico-formal da vontade do legislador.
As modernas direções hermenêuticas se afastam dêsse rigorismo silogístico. KÖHLER, eminente representante do método histórico-evolutivo, afirma que a expressão, que traduz o pensamento, nem sempre o expõe em tôda sua extensão e profundeza. Deve-se atender a que, no pensamento humano, existe uma parte sociológica, ao lado da individual. O que pensamos não é sòmente trabalho nosso, é alguma coisa de infinito, por ser o produto da ideação de séculos e milênios, oferecendo uma tal conexão de idéias que o próprio pensador não percebe. Não se tem atendido convenientemente à significação sociológica da lei, e ainda se supõe que, para a formação da lei, apenas atua a vontade do legislador, quando se sabe que não é o indivíduo, mas sim o grupo social, que faz a história. O pensamento contido na lei sòmente em parte se apresenta à consciência do legislador.12
DEL VECCHIO é muito preciso, quando escreve a respeito: “Há que advertir que o significado próprio da norma é, a miúde, superior à intenção dos indivíduos que a formularam. Quando se estabelece uma norma, não cabe prever tôdas as aplicações que a mesma poderá ter. Seria um êrro considerar o significado da norma como algo limitado à intenção dos seus autores. Basta advertir, por exemplo, que os conflitos nascidos das novas invenções (por exemplo, a eletricidade) podem ser e são efetivamente resolvidos segundo os princípios do direito romano”.13
Em outras palavras, o aplicador da lei revela as regras latentes encapsuladas nas regras expressas. Assim como o mineiro arranca o ouro dos veios em que êle permanece oculto e o separa da ganga, da mesma forma o intérprete dá uma precisão luminosa à regra bruta por êle mesmo extraída.
KOHLER, no mesmo trabalho já referido, assim conceitua a interpretação no método histórico-evolutivo: “Interpretar é escolher, dentre as muitas significações que a palavra possa oferecer, a justa e conveniente. Por isso mesmo, a lei admite mais de uma interpretação no decurso do tempo. Supor que há sòmente uma interpretação exata, desde que a lei é publicada até aos seus últimos instantes, é desconhecer o fim da lei, que não é um objeto de conhecimento, mas um instrumento para se alcançarem os fins humanos, para fomentar a cultura, conter os elementos anti-sociais e desenvolver as energias da nação”.
Ora, a tarefa de escolher, dentre os vários sentidos de um texto legal, aquêle que melhor se adapta ao fim da lei, à idéia de justiça e à utilidade comum, tem caráter crítico e ativo, vivificador da letra da lei.
Limites aos métodos modernos
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OROZIMBO NONATO, em sua conferência atrás referida, diz-nos que o texto deve desdobrar-se em amplo sentido moral e social.
Já como julgador, reafirma um postulado essencial dos métodos modernos neste voto:
“A opinião individual do autor de lei não é bastante a lhe fixar o conteúdo. Pode e deve o intérprete, atento à mens legis e não à mens legislatoris, servir-se dos têrmos da lei e levantar a sua construção sem aquêle adminículo”.14
Que NONATO siga também o método histórico-evolutivo, é o que parece deduzir-se das diretivas contidas em outro voto: “O que lhe compete (ao juiz) é interpretar humanamente a lei e eleger, entre os vários sentidos que ela ofereça, o mais conforme ao bem público e à eqüidade”.15
Tal diretriz metodológica coincide, no fundo, com as idéias de KOHLER, o qual, na passagem atrás transcrita, não faz mais do que enumerar as exigências do bem público – a obtenção dos fins humanos, fomentar a cultura, etc. E, ao contato com tais exigências, o texto legal se desdobra num sentido moral e social mais amplo do que aquêle que resultaria apenas das operações da lógica interna e externa.
Ao lado do método histórico-evolutivo, surge o método teleológico, que visa interpretar o texto em função da finalidade da lei.
Neste método, é preciso, também, atender às relações da vida, da qual brotam as exigências econômicas e sociais, procedendo-se à apreciação dos interêsses em causa, à luz dos princípios da justiça e da utilidade comum. Ora, tal apreciação não deixa de exigir um certo poder criador, valorizador ou vivificador, por parte do intérprete.
A Lei de Introd. ao Cód. Civil, em seu art. 5°, adotou os métodos teleológico e histórico-evolutivo, ao preceituar que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Os fins sociais são inequìvocamente da essência do método teleológico. E dentro do conceito amplo das exigências do bem comum, cabem os elementos referidos no método evolutivo de KOHLER, que considera a lei como um instrumento para se alcançarem os fins humanos, para fomentar a cultura, conter os elementos anti-sociais e desenvolver as energias da nação.
Em certo acórdão, assim expende NONATO esta observação ao art. 5°: “Vê-se, no dispositivo, traço do método teleológico de IHERING, inculcando o legislador ao juiz a necessidade de, na adaptação da norma ao fato, atender às imposições do fim e da realidade do Direito. E a invocação do bem comum é indicativo de tendências frenadoras dos abusos do individualismo, ao qual se opõem os imperativos da democracia social”.16
O método teleológico tem sido aplicado freqüentemente por NONATO, que, por exemplo, em outro de seus acórdãos, censura a interpretação farisaica, que leva ao olvido a finalidade mesma da lei.17
NONATO e a sua interpretação construtiva do art. 101, “a”, da Constituição
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O método histórico-evolutivo, acoimado pelos seus adversários de ser uma forma larvada do direito livre, apresenta na realidade duas variantes ou dois tipos contrapostos. Um dêles, o extremado, é aquêle pelo qual o texto legal deve adaptar-se às novas condições sociais, inexistentes ao tempo de sua formação, e para isso o intérprete poderá forçar a letra da lei.
O outro, menos extremado, é aquêle pelo qual a lei segue passivamente as mudanças de conteúdo espontâneamente operadas pelas condições político-sociais que vão surgindo.
Êste segundo tipo, moderado, é admitido mesmo por aquêles que repelem o primeiro, como GÉNY e FERRINI.
Quanto a GÉNY, eis como se exprime em seu clássico livro “Méthode d’Interprétation et Sources” (2ª ed., vol. 1, página 264):
“Sem dúvida, uma vez entrado na corrente da vida social, êste ato de vontade (a lei stricto sensu) sofre, como tôda entidade orgânica e viva, o contato e a influência do meio ambiente. Êle se modifica com êste. À medida que se afasta de sua origem, o texto legal perde sua virtude primeira, degrada-se pouco a pouco pelo uso, e pode chegar, às vêzes, a mudar profundamente de substância. Isto é o resultado de uma lei sociológica inelutável. Mas; não deixando de respeitar o que esta lei pode conter de necessário, e por assim dizer, de fatal, a interpretação que, também ela, é obra de atividade consciente e refletida, não poderia perder de vista a natureza do objeto, sôbre o qual ela trabalha, e a única razão de ser de seu poder. Ela deve, tanto quanto possível, reagir contra as deformações, saídas do movimento social”.
Mais adiante, o professor de Nancy define claramente o tipo de método histórico-evolutivo por êle admitido (pág. 273):
“Todavia, se rejeito, em princípio, a idéia, de que a interpretação da lei deveria variar com o tempo de sua aplicação, eu creio poder fazer-lhe uma concessão, ou antes chego a dar-lhe satisfação, na medida legítima, analisando a fundo a noção pròpriamente jurídica da lei. Esta supõe necessàriamente certas relações sociais, certas circunstâncias econômicas, que aparecem como as próprias condições de sua disposição”.
“Ora estas situações e êstes fatos serão previstos pelo próprio texto, ora surgirão, a título de complemento indispensável, da atmosfera social, que envolvia a lei em seu nascimento, a qual é bem preciso ter em conta, para dar-lhe todo seu alcance. Suponde que estas condições, expressas ou tácitas, da disposição legal, vêm a desaparecer, ou a transformar-se a ponto de perderem tôda sua importância. A prescrição, que lhes era subordinada, modificar-se-á, por isso mesmo, e cessará de impor-se ao intérprete, tal como estava primitivamente formulada”.
Depois de precisar seu pensamento com alguns exemplos de detalhe tirados ao direito privado francês, GÉNY conclui (ob. cit., pág. 275): “Já que a prescrição inicial da lei se encontra condicionada por certos elementos essenciais, pode dizer-se que êstes elementos mesmos lhe limitam necessàriamente o efeito, neste sentido que a regra, tal como foi querida e formulada, se torna inaplicável a um estado de coisas, absolutamente diferente daquele que o legislador tinha em vista. É nesta medida sòmente que as circunstâncias, posteriores à lei, parecer-me-iam, pela própria interpretação desta, poder modificar-lhe a aplicação”.
O profundo CONTARDO FERRINI, no “Manuale delle Pandette” (1900, pág. 34), em idéias semelhantes no fundo às de GÉNY.
Escreve êle: “Os autores de uma disposição legislativa visam prover a determinadas necessidades, com uma ou mais normas, que deverão tomar pôsto no sistema geral do Direito vigente. Nenhuma norma está isolada; deve cada uma adaptar-se dentro do sistema, modificando-se e modificando. Tudo isso excede qualquer previsão humana ordinária; as necessidades da vida são várias, mutáveis, complexas, de modo que raramente pode quem dita a norma ter delas notícia completa. É, pois, impossível prever as várias modificações que o conteúdo da norma, ou do instituto, deve sofrer, para adaptar-se ao sistema, pois, além do mais, deve recordar que, variando as outras partes do sistema, pelo contínuo desenvolvimento do Direito (“humani juris conditio semper in infinitum decurrit et nihil est in ea quod stare perpetuo possit”), é inevitável que mude de reflexo também o conteúdo daquelas normas e daqueles institutos, que, entretanto, não são objeto de variação, diretamente. A disposição de lei, uma vez emitida, é, pois, em certos limites, independente do legislador; desenvolve-se, evolui, amplia-se e restringe-se, por vias próprias e por sua fôrça intrínseca”.
Passemos agora ao método teleológico. Vimos que êle foi consagrado pela nova Lei de Introd. ao Cód. Civil.
O método teleológico tem seus limites, que foram muito bem assinalados pelo professor espanhol JOAQUIM DUALDE, em seu conhecido livro “Una revolución en la lógica del derecho” (pág. 160). Porém, antes de passarmos à sua fixação, é indispensável uma sumária exposição das idéias de BONNECASE, nas quais se baseou DUALDE para fazer-lhes a crítica.
O eminente BONNECASE foi um dos que melhor soube destacar a transcendência do fim social na aplicação da lei. Depois de nos afirmar que devemos rejeitar o princípio de que a lei tem um poder de previsão ilimitado, e também o princípio de que o sentido do texto varia segundo os tempos, acrescenta: “Tôda lei tem um escopo essencialmente limitado e objetivo. Para descobrir êste escopo nós devemos considerar, de um lado, os têrmos literais da lei, e, do outro lado, o fim social em vista quando a lei foi feita”.
“Esta terceira proposição é para mim a proposição fundamental sôbre a qual o sistema francês de interpretação na época atual está baseado, ou, para dizê-lo de outro modo, é esta concepção das relações entre o legislador e o juiz que conquistou o predomínio”.
“Eu disse no princípio que tôda lei tem um escopo essencialmente limitado e objetivo – um escopo determinado pela fórmula empregada e pelo fim social visado”.
“O texto e o fim social são, em conseqüência, os dois fatôres a considerar na interpretação de uma lei. O primeiro elemento é fixo; consiste em uma fórmula. Nós temos uma forma verbal abstrata destinada a dar efeito a um fim social, e como êste fim social é um elemento móvel, o jurista será levado infalìvelmente às várias, diferentes e sucessivas aplicações de que é suscetível. Dêste modo a lei alcança o máximo de flexibilidade, e o intérprete, de seu lado, está certo e não desnaturá-la ou de exceder os justos limites, se cuida de assegurar-se que cada uma de suas soluções corresponde estritamente ao fim social que está oculto sob a fórmula legal” (J. BONNECASE, “The Problem of Legal Interpretation in France”, in “Journal of Comparative Legislation and International Law”, Third Series, 1930, vol. XII, páginas 90 e segs.).
Em outro importante trabalho, “Introduction à l’Etude du Droit”, o eminente civilista, depois de descrever essa concepção hermenêutica nos mesmos têrmos acima, acrescenta-lhe preciosas observações, que vamos transcrever (ob. cit., págs. 195 e segs.):
“A consideração do fim social como alma do texto põe um freio às fantasias do intérprete, pois uma instituição jurídica traduzida por um texto arrasta com ela a realização dum objetivo que sempre se imporá”.
“Contràriamente ao método histórico, o nosso nunca autoriza o jurista a fazer um texto dizer o contrário do que êle primitivamente significava no momento em que saiu das mãos do legislador. Sòmente, para nós; o texto não se reduz, como na doutrina clássica, à intenção do legislador. É êle algo de objetivo: uma fórmula literal se esclarecendo ao contato de seu fim social. Daí, aliás, a possibilidade de uma evolução do direito positivo em certos casos, sob a capa de um texto de lei, desde que entretanto, situemos a determinação de seu fim na época de sua elaboração”.
Passa em seguida BONNECASE a enumerar as conseqüências práticas de sua teoria:
“1º Ao contrário do método histórico, o princípio da separação dos poderes e da soberania do legislador, na medida em que êste se pronunciou, é rigorosamente respeitado”.
“……………………………………………………………………………………………………….
” 3º Ao contrário do método clássico (nº 2, que omitimos por razões de brevidade), o predomínio concedido ao fim social da disposição legislativa sôbre a vontade real e interna que é suposta havê-lo animado, é suscetível de conduzir a uma interpretação quadrando com necessidades novas e sucessivas, sem se colocar em contradição com as origens da lei; a jurisprudência recente sôbre a noção de servidão constitui um exemplo decisivo”.
“4º Quando a interpretação assim concebida não dá resultados, fica aberto o caminho ao juiz, nas condições que serão mais longe fixadas; os entraves inerentes ao princípio da universalidade da lei do método clássico são suprimidos”.
Outro jurisconsulto que destacou com grande proficiência o fim social da lei foi LOUIS JOSSERAND, o qual, em seu “De l’esprit des droits et leur relativité”, escreve na introdução: Nascido dos excessos e dos abusos do ancien régime, o direito revolucionário elaborado sob a influência dominante dos filósofos do século XVIII, tem o cunho de um exasperado individualismo; seu objetivo essencial e libertar o homem de todos os obstáculos políticos, jurídicos, econômicos ou sociais, que a velha França tinha feito recair tão esmagadoramente sôbre êle; e, para chegar a isso, êle lhe reconhece, em seu caráter de indivíduo, direitos preexistentes – os direitos do homem. Esta concepção produziu o absolutismo dos direitos subjetivos, os quais podiam ser exercidos de qualquer modo, mesmo associal ou anti-social. Mas essa concepção era puramente artificial e repousava sôbre um postulado errôneo, fictício: o isolamento do homem na sociedade. Na realidade, o homem, polìticamente considerado, é uma unidade social, que realiza seus direitos, não nos espaços interplanetários, mas em seu próprio meio social. Seu direito é uma prerrogativa social, que deve exercer-se em uma direção social. Com efeito, há várias dezenas de anos, a grande maioria, senão a unanimidade dos civilistas, tomaram partido a favor da relatividade dos direitos e contra a doutrina absolutista, a que, tanto a Escola filosófica do século XVIII e as leis do período revolucionário, como a grande codificação napoleônica tinham dado uma transitória preeminência, ùnicamente explicável grelo desejo de reação violenta contra o passado, mas que vinha chocar-se, se a considerarmos como doutrina permanente, contra a própria essência do Direito e contra sua missão social.
Vejamos agora os pontos capitais da crítica do Prof. DUALDE:
“Os têrmos “elemento fixo” e “elemento móvel” são empregados por BONNECASE em sentido diverso do que têm segundo sua própria teoria. Êle chama elemento fixo à fórmula do texto e elemento móvel ao fim. Pois bem, o fim é o elemento inalterável, já que segundo BONNECASE deve cuidar-se de que cada uma das soluções corresponda rigorosamente ao fim social oculto sob a fórmula legal. Não podia ser de outro modo, porque, se o intérprete pode mudar os fins, que fica da lei? Vão ser respeitados os meios por quem tem o poder de alterar os fins? Escrúpulo absurdo! Para que empregar o instrumento se foi modificada a fabricação?” (“Una revolución en la lógica del derecho”, pág. 160).
Aproveitamos a ocasião para resumir a sua crítica ao método histórico-evolutivo, pugnando pela existência de limites:
“Na crítica do matiz adotado por SALEILLES, KOHLER e outros autores, convêm recordar que é requisito iniludível do evolucionismo histórico a existência de um limite ante o qual se detém a obra do intérprete evolucionista. Se não existisse êste ponto, no qual o intérprete respeita o preceito ou detém a evolução reformadora, deixaria de ter realidade esta teoria. Sua característica é a de adaptar o preceito existente, conservando, portanto, algo de sua substância. A falta desta linha limitante implicaria a liberdade absoluta, a abolição do Poder Legislativo. A lei seria uma proposta que o juiz poderia repelir integralmente” (pág. 160).
“A fórmula enganadora adaptação, desmascarada de sua suavidade, se transforma nesta outra: “antes de aplicar a lei, estudar e resolver se deve aplicar-se, se é justa”. Semelhante atentado à teoria da divisão dos poderes no que ela tem de mais legítimo, tal ação absorvente do poder judicial carece de fundamento, não proporciona nenhuma utilidade e está semeada de perigos” (página 161).
“Os partidários da teoria da evolução histórica supõem, como vimos, que ao ditar-se a lei há harmonia entre ela e o estado social. Mas, já que o intérprete (particular ou juiz) tem o direito de examinar esta concordância em qualquer momento, é evidente que, se o legislador, errou, deve-se poder repelir a lei desde o momento de sua promulgação dentro dos limites em que se move a teoria; quer dizer, que o definitivo direito de sanção, o veto, pertence ao intérprete, na medida em que se lhe outorga a faculdade de transformar a lei com base, em sua dissonância social. Qual é o ponto em que se dá a voz de alto ao intérprete? Aqui a teoria continua com seu ilogismo. Na ordem interna, o único obstáculo que conheço é a inviolabilidade do fim, que foi objeto da crítica. Na ordem externa, o obstáculo está na construção gramatical do preceito, e, certamente, sendo esta elemento verbal tão primitivo e imperfeito, não se compreende como ante tal resistência se detém nada menos do que a tarefa de concordar a lei com a sociedade governada por ela, respeitando o menos, digno de respeito”.
“A lei, ao nascer, teve uma significação; se o intérprete a modifica, o atentado está cometido. Que aquêle novo sentido caiba dentro do teor literal, carece de valor, é circunstância casual, exterioridade de pouca monta, puro farisaísmo. Aproveitar um equívoco gramatical para que um texto legal diga duas coisas distintas permanecendo o mesmo, é arte mágica”.
“A afirmação de que a lei é um ser vivo, e a outra afirmação, equivalente, de que “só há vontade da lei” e não “vontade dos autores da lei”, são inadmissíveis” (pág. 183).
E DUALDE conclui pela rejeição do método histórico-evolutivo. Nós, contudo, aceitamo-lo dentro dos limites sàbiamente traçados, páginas atrás, por GENY e FERRINI.
***
Assim, os métodos modernos têm seus limites, devendo-se afastar certas extravagâncias doutrinárias ou judiciais, como a doutrina do livre direito contra legem e o “fenômeno Magnaud”. O juiz ou intérprete não pode, sob pretexto algum, desprezar os princípios legais. Tal é a communis opinio hoje dominante. HENRI DE PAGE, que adotou e desenvolveu um moderno método de interpretação, é o primeiro a reconhecê-lo: “É permitido ao juiz, sem que possa afastar-se do princípio das leis, aperfeiçoar-lhes a aplicação, sem estirá-las demasiadamente, flexibilizando-as, adaptando-as, em uma palavra, às necessidades sociais”.18
Quanto a OROZIMBO NONATO, no sugestivo discurso de posse no Supremo Tribunal, bem acentuou êle, a par de brilhantes observações sôbre o extenso papel do juiz de hoje, o limite que impede o juiz de abandonar a lei, por amor de sua própria opinião pessoal.19
Posteriormente, ao decidir certa espécie, assim acentua êle os limites do método teleológico: “Mas, o argumento teleológico, com ser dos mais valedios encontra limite no próprio mandamento legislativo e desprevalece, como observa REGELSBERGER, in FERRARA, quando o intuito do legislador não encontrou na lei – que deve ser obedecida – expressão adequada, quando êsse intuito fica, evidentemente, além ou aquém do próprio mandamento do legislador”.20
NONATO tem insistido sôbre os limites do intérprete, e, em um de seus acórdãos, assim discorre: “No combate às leis injustas, mas vigentes, a posição do juiz não é na vanguarda, pois não lhe cabe a função de legislar. O que lhe compete é interpretar humanamente a lei e eleger, entre os vários sentidos que ela ofereça, o mais conforme ao bem público e à eqüidade. Seria subversivo, entretanto, dar-lhe o preceito de declarar sem vigência a lei não-revogada”.21
Em recente voto vencedor, assim se manifesta o emérito magistrado: “A eqüidade, como ideal ético de justiça, deve entrar na formação mesma da lei. Como quer que seja, e, ao parecer, porém, não pode o juiz modificar a lei sob côr de a humanizar e lhe inspirar os insuflos da eqüidade”.22
*
Um dos mais interessantes problemas hermenêuticos de nosso direito positivo surge do confronto entre o art. 103, a, da Constituição federal e o art. 5° da Lei de Introd. ao Cód. Civil.
O primeiro, na letra referida, estabelece o recurso extraordinário para o caso de violação da letra da lei. E o segundo, preconiza os métodos modernos de interpretação, que levam o aplicador a afastar-se mais ou menos, amplamente, da letra da lei.
Ao estabelecer o que se deve entender por violação da letra da lei, no dispositivo constitucional, firma-se NONATO em dois princípios complementares e harmônicos entre si.
O primeiro princípio consiste em admitir que a violação da letra dá lei já ocorre quando o entendimento dado é absurdo. Eis como se manifesta em um dos votos vencedores:
“A violação de lei ocorre sempre através de sua interpretação. O que vale, no caso, é verificar o alcance e extensão da ofensa, através da interpretação. Se um tribunal local adota uma das diversas interpretações razoáveis, que a lei pode oferecer, reforçando-a com argumentos ponderosos, ainda que não pareça exata a outra corrente de opinião, caso não será de recurso extraordinário, pela letra a do inciso constitucional. Se, entretanto, ao interpretar a lei, dá-lhe o juiz sentido absurdo, caso é de recurso extraordinário. A ofensa de letra de lei quer dizer interpretação inaceitável ainda considerada através do simples exame da letra da lei”.23
Em outro acórdão, é igualmente expressivo: “Só de maravilha terá o juiz o ousio de afrontar a lei em sua própria expressão literal, negando-lhe frontalmente aplicação. O recurso extraordinário, com fundamento na letra a, se reduziria a zero se se levar às suas últimas e extremosas conseqüências o princípio de não ser êle cabível quando a lei é aplicada, ainda que errôneamente, por via de interpretação, por mais inexata que esta se mostre” (voto vencedor, na “Rev. dos Tribunais”, vol. 147, páginas 305-306).
Acrescente-se que, além dessa hipótese de violação, que é a mais comum, outra poderá surgir, quando a ofensa se dê apenas por não aplicação de norma evidentemente aplicável. Assim, por exemplo, se, no caso sub judice, o juiz não declarar a nulidade do ato praticado por pessoa reconhecida pelas provas como incapaz, ainda que não formule qualquer interpretação descabida e silencie sôbre artigos do Cód. Civil relativos à matéria, estará êle violando a letra da lei. Tal hipótese foi devidamente considerada por NONATO, em um de seus votos, ao afirmar que a ofensa, “às vêzes, nem sequer se mostra às declaradas, ocultando-se no silêncio da sentença que, entretanto, conclui contra o que a lei dispõe literalmente”.24
O segundo princípio, admitido por NONATO, é aquêle que, permitindo ao intérprete afastar-se da letra para seguir o espírito revelado pela análise hermenêutica, não considera êste afastamento como violação da letra da lei. Eis o trecho essencial dum de seus votos: “É certo que êsse contraste entre a letra e o espírito da lei não significa a possibilidade do exercício frutuoso do recurso quando, fiel ao espírito, aparta-se a decisão da letra da lei. Não. Nesses casos, a sentença, sôbre estar maior de reformas, dá exata aplicação à lei, descativando-se dos grilhos de sua letra para inclinar-se à sua fôrça e poder, para invocar a linguagem do memoradíssimo princípio romano”.25
Êste princípio está fundado na boa hermenêutica sistemática. Com efeito, os mais esclarecidos entre os clássicos, e, com maior razão, os hermeneutas ligados aos métodos modernos, sustentam que, em caso de conflito insolúvel entre a letra e o espírito da lei, êste deve prevalecer sôbre a letra. GÉNY (“Méthode et Sources”, vol. I, pág. 276) e F. LAURENT (“Principes de Droit Civil”, t. I, 1869, págs. 346 e 347), dois dos maiores entre os clássicos, o atestam. Não há muito, entre nós, um grande jurisconsulto, o professor e ministro HAHNEMANN GUIMARÃES, o acentuava nìtidamente:
“Nem sempre a interpretação literal ou gramatical conduz a bons resultados. Pelo contrário, sói acontecer o inverso” (voto, no “Diário da Justiça” de 24 de abril de 1950, pág. 1.255).
A excelente construção jurídica realizada por OROZIMBO NONATO em tôrno do art. 103, a, da Constituição, permite uma perfeita conciliação entre tal dispositivo e os métodos modernos de interpretação, preconizados pelo art. 5º da Lei de Introd. ao Cód. Civil e aplicados com sabedoria pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça.
Alípio Silveira, professor da Faculdade de Direito de Niterói.
____________
Notas:
1 F. GÉNY, “Science et Técnique en Droit Privé Positif”, vol. I, págs. 26-27.
2 H. REICHEL, “La Lei y la Sentencia”, trad. espanhola. Madri, 1921.
3 ROSCOE POUND, Introdução (vertida do inglês) ao livro de ALÍPIO SILVEIRA, “O Fator Político-Social na Interpretação das Leis”, São Paulo, 1946, págs. XXIII e XX-XXI.
4 FILADELFO AZEVEDO, no “Diário da Justiça”, da União de 14 de fevereiro de 1946, apenso ao nº 27, pág. 537.
5 HAURIOU, “Précis de Droit Constitucionnel”, 2ª ed., 1929, págs. 280 e 232.
6 O. NONATO, “Aspectos do Modernismo Jurídico e o Elemento Moral na Culpa Objetiva”, nas “Pandectas Brasileiras”, 8º vol., 1º e 2º semestres de 1930, 1ª parte, pág. 176, 1ª coluna.
7 DEL VECCHIO, “Le Problème des Sources du Droit Positif” relação ao Institut International de Philosophie du Droit et de Sociologie Juridique”, de Paris, seção de outubro de 1933, na coletânea “Justice, Droit, Etat”, Sirey, 1937.
8 “O Direito no Brasil”, estudo inserto em “Linhas e Perfis Jurídicos”, página 54.
9 DU PASQUIER. “Introduction à la Théorie Générale et à la Philosophie du Droit”, 1937.
10 Acórdão de 3 de agôsto de 1943, no “Arquivo Judiciário”, vol. 69, pág. 417.
11 Voto na “REVISTA FORENSE”, vol. 139, pág. 139.
12 KÖHLER, “Lehrbuch des Eurgerlichen Rechts”, I, parágrafos 38-41.
13 DEL VECCHIO, “Filosofia del Derecho”, trad., vol. I. págs. 89 e segs.
14 Voto, no “Diário da Justiça” de 10 de fevereiro de 1945, apenso, pág. 820, 1ª Coluna.
15 Voto em acórdão de 11 de abril de 1946, no “Diário da Justiça” de 1º de novembro de 1945, apenso, pág. 3.677.
16 Voto proferido em acórdão de 3 de julho de 1945, no “Diário da Justiça” de 1º de dezembro de 1946, pág. 4.105.
17 Apelação cível nº 7.565, voto no “Diário da Justiça” da União, de 29 de abril de 1914, apenso, pág. 1.183, 2ª coluna.
18 DE PAGE, “Traité Elémentaire de Droit Civil Belge”, tomo 1º, 1938, pág. 201.
19 “Rev. de Crítica Judiciária”, vol. 33, página 179.
20 Acórdão de 18 de agôsto de 1943, no “Diário da Justiça” de 19 de fevereiro de 1944, página 1.138.
21 Acórdão no “Diário da Justiça” de 19 de janeiro de 1945, apenso, pág. 3.677.
22 No acórdão de 27 de abril de 1951, na “REVISTA FORENSE”, vol. 139, pág. 139.
23 “Diário da Justiça” de 5 de agôsto de 1943, pág. 3.197, 1ª coluna; id., “Diário da Justiça” de 15 de maio de 1943, pág. 2.133; id., “Diário da Justiça” de 15 de maio de 1943, pág. 2.133; id., “Diário da Justiça” de 12 de fevereiro de 1944, página 885; “Rev. dos Tribunais”, vol. 147, pág. 305.
24 Voto, na “Rev. dos Tribunais”, de São Paulo, vol. 147, janeiro de 1944, págs. 305-306.
25 “Diário da Justiça”, da União, de 8 de fevereiro de 1945, pág. 775, 1ª coluna.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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