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Transação Tributária de Créditos Perante a Receita Federal do Brasil: Portaria RFB nº 208/2022 e seus Aspectos Controvertidos
Fabio Pereira da Silva
25/11/2022
Foi publicada no dia 12.08.2022, no Diário Oficial da União, a Portaria RFB nº 208, responsável pela regulamentação da transação de créditos tributários sob administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, permitindo agora que contribuintes transacionem débitos que se encontrem ainda em discussão no âmbito do contencioso administrativo federal.
A transação consiste em mecanismo de extinção do crédito tributário, conforme expressa previsão legal (art. 156, III do Código Tributário Nacional), no qual contribuinte e fisco realizam um ajuste de concessões mútuas, de modo que seja possível o pagamento de débitos tributários pendentes, em condições mais atrativas, tais como descontos sobre multas e juros, parcelamentos e possibilidade de compensação com saldo negativo de IRPJ/CSLL e prejuízo fiscal.
Regulamentação da transação de créditos tributários
Muito embora o instituto da transação esteja previsto no CTN desde 1966, ele somente foi regulamentado quando da promulgação da Lei nº 13.988/2020 (Lei do Contribuinte Legal), na qual o legislador federal traçou os aspectos gerais e limites a serem observados pela União para a celebração de acordos resolutivos de litígios entre a Fazenda Pública e seus devedores. Ademais, válido mencionar que a Lei nº 14.375, de 21 de junho de 2022, inovou a transação tributária, aumentando a possibilidade de descontos e prazos de pagamento, além de permitir a transação de débitos discutidos ainda na fase administrativa.
Assim, oportuno consignar que até a promulgação da Lei nº 14.375/2022 e a edição da Portaria RFB 208/2022, a transação de créditos tributários junto à Receita Federal não era uma possibilidade concreta, sendo necessário que o contribuinte solicitasse a remessa de seus débitos à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para inscrição em dívida ativa, o que, muitas vezes, ocasionava morosidade e burocracias adicionais. Dessa forma, no cenário atual o contribuinte que deseje transacionar débitos federais não precisa mais passar pelos trâmites de inscrição em dívida ativa, podendo solicitar e simular um acordo diretamente com a Receita Federal, ainda que tenha apresentado defesa ou recursos pendentes de resolução perante as delegacias de julgamento ou no próprio CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Modalidades de transação de créditos tributários
Quanto às modalidades de transação, a Portaria 208/2022 elenca três tipos, quais sejam:
- Transação por adesão à proposta da Receita Federal: modalidade na qual a RFB publica edital descrevendo situações específicas de contribuintes que estarão aptos para aderirem à transação com termos pré-estabelecidos, delimitando prazos para pagamento, grau de descontos e todos os demais requisitos que deverão ser obrigatoriamente cumpridos por aqueles que desejaram aderir ao modelo de transação proposto;
- Transação por individual proposta pela Receita Federal: trata-se de modalidade de transação na qual a RFB envia a contribuinte específico uma proposta de transação, levando em consideração as particularidades do devedor.
- Transação individual proposta pelo contribuinte: refere-se à modalidade de transação mais utilizada e conhecida, na qual o próprio contribuinte acessa o sistema da Receita Federal, insere as informações necessárias, escolhe e simula quais débitos deseja transacionar e envia a proposta para a Receita Federal, que procederá com a análise individual do pedido, avaliando critérios como capacidade de pagamento, descontos, prazos para parcelamento e validade de créditos.
No tocante à primeira modalidade citada acima, interessante indicar que a Receita Federal já publicou 2 editais, sendo o primeiro voltado aos créditos tributários constituídos de ofício e considerados irrecuperáveis, e o segundo voltado aos débitos pequeno valor em contencioso fiscal (inferiores a 60 salários-mínimos). O prazo de adesão para ambas as propostas se encerra no dia 30 de novembro de 2022, sendo necessário que o contribuinte interessado e apto à transação formalize seu pedido via Portal e-CAC, seguindo todos os procedimentos indicados nos editais.
Aspectos controvertidos da Portaria RFB 208
Por outro lado, em que pese o salutar avanço institucional adotado pela Receita Federal ao regulamentar a transação tributária, deve-se salientar que a Portaria 208/2022 restringiu demasiadamente o alcance da modalidade de transação individual, ao limitar que poderão propor ou receber tal transação apenas os contribuintes cujos débitos discutidos em contencioso administrativo fiscal sejam superiores ao montante de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), ou se enquadrem em situação específicas contidas no art. 40 da portaria. Vejamos:
Art. 40. Sem prejuízo da possibilidade de adesão à proposta de transação formulada pela RFB, nos termos do respectivo edital, poderão propor ou receber proposta de transação individual:
I – contribuintes que possuam débitos objeto de contencioso administrativo fiscal com valor superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
II – devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial ou em intervenção extrajudicial;
III – autarquias, fundações e empresas públicas federais; e
IV – estados, Distrito Federal e municípios e respectivas entidades de direito público da administração indireta.
1º Poderão propor ou receber proposta de transação individual simplificada os contribuintes que possuam débitos objeto de contencioso administrativo fiscal com valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e inferior ao limite previsto no inciso I do caput.
2º A transação de débitos em contencioso administrativo fiscal cujo valor seja igual ou inferior aos previstos neste artigo será realizada exclusivamente por adesão à proposta da RFB, devendo ser não conhecidos, nesses casos, os pedidos de propostas individuais”
Dessa forma, percebe-se que a Portaria 208/2022 acaba por limitar impropriamente o alcance da transação individual aos contribuintes que possuam débitos inferiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) no âmbito do contencioso administrativo federal, situação esta não prevista na Lei do Contribuinte Legal, resultando, portanto, numa restrição indevida por parte da portaria, visto que extrapola sua função normativa de mero instrumento regulamentador.
Oportuno ressaltar que, ainda que seja possível a propositura de transação individual simplificada para os contribuintes com dívidas entre 1 e 10 milhões de reais, tal modalidade de transação somente será permitida a partir de 01/01/2023, conforme previsto no art. 75, inciso I da própria Portaria 208/2022.
No mais, apesar da restrição ilegal adotada pela portaria, importante mencionar que esta trouxe considerações muito benéficas no que tange a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Conforme previsto nos art. 33 e 34, o contribuinte poderá utilizar créditos de prejuízo fiscal e de base negativa de CSLL em quaisquer das modalidades de transação, observado o limite de 70% do valor da dívida já com eventuais descontos aplicados.
Tal condição se revela bem diferente da oferecida pela PGFN, em sua Portaria nº 6.757/2022, que restringe tal direito de uso de crédito apenas para os casos envolvendo débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Nítido, portanto, o esforço da Receita Federal em ampliar certas condições de adimplemento, até então quase que completamente inacessíveis para grande dos contribuintes.
Por fim, é valido destacar que a Portaria 208/2022 também prevê a possibilidade de utilização de créditos líquidos e certos em desfavor da União, reconhecidos em decisão judicial transitada em julgado, ou precatórios federais, próprios ou de terceiros, para amortizar ou liquidar os débitos transacionados com a Receita Federal.
Conclui-se que a transação tributária acabou por se tornar um método consolidado no tratamento de resolução fiscal brasileiro, sendo cada vez mais adotado pelos contribuintes (que passam a confiar mais nas instituições) e apreciado pelo Fisco (que demonstra uma capacidade maior de diálogo e boa-fé). Segundo dados veiculados no 4º relatório do Observatório de Transações Tributárias (projeto de pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper), até 01.07.2022 foram transacionados com a PGFN surpreendentes R$ 184,3 bilhões em débitos, o que indica que o oferecimento de transações também junto à RFB deverá impulsionar ainda mais o relacionamento participativo e negocial entre contribuintes e Fisco.
Trata-se, portanto, de mais um caminho de regularização fiscal disponível aos contribuintes e um meio de redução de conflitos tributários que, por vezes, prejudicam a continuidade dos negócios das empresas.
Fonte: direitoecontabilidade.com.br
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