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CLÁSSICOS FORENSE

PROCESSO CIVIL

REVISTA FORENSE

Contrato por Correspondência com Firma Estrangeira – Nota Promissória – Requisitos Essenciais

CONTRATO

CONTRATO POR CORRESPONDÊNCIA

NOTA PROMISSÓRIA

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 155

Revista Forense

Revista Forense

16/11/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 155
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • Intervenção Econômica do Estado Modernorevista forense 155

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Conclusão de Atos Internacionais no Brasil, Hildebrando Accioly
  • O Federalismo e a Universidade Regional, Orlando M. Carvalho
  • Inelegibilidade por Convicção Política, Osni Duarte Pereira
  • Embargos do Executado, Martins de Andrade
  • Questão de Fato, Questão de Direito, João de Oliveira Filho
  • Fantasia e Realidade Constitucional, Alcino Pinto Falcão
  • Da Composição da Firma Individual, Justino de Vasconcelos
  • A Indivisibilidade da Herança, Gastão Grossé Saraiva
  • O Novo Consultor Geral da República, A. Gonçalves de Oliveira
  • Desembargador João Maria Furtado, João Maria Furtado

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Afrânio de Carvalho, advogado no Distrito Federal.

PARECERES

Contrato por Correspondência com Firma Estrangeira – Nota Promissória – Requisitos Essenciais

– A capacidade resulta da lei, como corolário da personalidade, e não de um contrato, em que uma das partes aceite uma limitação à sua liberdade de agir, assumindo uma obrigação negativa.

– A indicação do lugar da emissão tem como conseqüência determinar a lei aplicável às questões sôbre a validade das notas promissórias.

PARECER

1. O contrato de fornecimento da 3ª unidade geradora de Paulo Afonso foi celebrado por correspondência, mediante proposta feita nos Estados Unidos pela Westinghouse, aceita no Brasil pela C. H. E. S. F.

2. De acôrdo com a lei brasileira, quando as partes não se acham no mesmo lugar, reputa-se constituída a obrigação no lugar onde residir o proponente (Lei de Introdução ao Cód. Civil brasileiro, dec.-lei nº 4.657, de 1942, art. 9°, § 2º).

3. Assim, neste caso, a obrigação considera-se constituída em New York, nos Estados Unidos, sede da proponente, o que explica e justifica o item G da cláusula XII do contrato, segundo o qual êste será interpretado de acôrdo com a lei do Estado de New York, Estados Unidos.

4. A C. H. E. S. F., como sociedade anônima devidamente constituída e, portanto, dotada de personalidade jurídica, tinha plena capacidade para celebrar o contrato, não obstante haver se obrigado anteriormente, na contrato de empréstimo com a Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, a não contrair, sem conhecimento dêste, nenhuma dívida externa (Laan Agreement BR-25, article VII, section 7, b).

5. A capacidade resulta exclusivamente da lei, como corolário da personalidade, e não de um contrato, em que uma das partes aceite uma limitação à sua liberdade de agir, assumindo uma obrigação negativa, isto é, prometendo abster-se de tal ou qual ato, geralmente para obter uma prestação positiva, como, no caso, foi o empréstimo.

6. Com efeito, o dever de abstenção assumido pela C. H. E. S. F., no contrato de empréstimo, não a tornou incapaz de contrair uma dívida externa sem conhecimento do Banco, mas apenas a sujeitou a reclamação dêste e a outras conseqüências de ordem contratual se o fizesse.

7. Se bem êsse ponto interêsse apenas às relações entre a C. H. E. S. F. e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, convém esclarecer que a primeira deu ao segundo oportuno conhecimento da negociação do contrato de fornecimento da 3ª unidade geradora da usina de Paulo Afonso, em virtude do qual contrairia uma dívida externa, havendo até sido prevista nesse contrato a alternativa de o Banco financiar o fornecimento (article IV, Alternate terme of payment).

8. O preço da 3ª unidade geradora de Paulo Afonso, segundo o contrato, deve ser pago mediante um sinal ou entrada de 1% à vista e o restante em prestações vencíveis em datas sucessivas, correndo juros de uma dessas datas em diante.

9. As prestações são representadas por notas promissórias formando quatro séries, as duas últimas de juros (A, B, C, D) emitidas pela C. H. E. S. F. em favor da Westinghouse e avalizadas pelo Banco do Brasil S.A.

10. Como se vê, as notas promissórias foram emitidas pro solvendo (in order to provide for the payment of the installments), destacando-se do negócio fundamental, que é a compra da 3ª unidade, para tornar o pagamento mais garantido e mais suscetível de ser prontamente realizado pela convenção das notas em dinheiro mediante desconto bancário.

11. A C. H. E. S. F. assinou as notas promissórias preparadas pela Westinghouse com dizeres impressos, entre os quais o da lugar da emissão, a ser seguido pela data, figura no tôpo como sendo New York (New York, N. Y., U. S. A. … 195..).

12. Essa indicação precisa de lugar prevalece para todos os efeitos cambiários, ainda que, na realidade, ali não tenham sido emitidas, isto é, assinadas as notas, dado o caráter formal destas.

13. A indicação do lugar da emissão tem como conseqüência determinar a lei aplicável às questões sôbre a validade das notas promissórias, em virtude da regra do conflito de leis, segundo a qual locus regit actum.

14. Por conseguinte não só o contrato de fornecimento se reputa celebrado em New York, Estados Unidos, como também as notas promissórias se consideram ali emitidas.

15. A lei cambial brasileira, longe de contrariar essa conclusão, a admite plenamente, pois, entre os requisitos essenciais da nota promissória, deixa de incluir o lugar e a data da emissão, presumindo mandato ao portador para inseri-los na nota que não os contiver (lei número 2.044, de 1908, art. 54, § 1º; J. A. SARAIVA, “A Cambial”, § 45; PAULO LACERDA, “A Cambial”, nº 52; MAGARINOS TÔRRES, “Nota Promissória”, número 30).

16. Se, todavia, se entendesse que não poderia prevalecer o lugar de emissão lançado nas notas, porque estas foram efetivamente firmadas no Rio de Janeiro, então teriam elas de ser examinadas em face da lei brasileira, em virtude da mesma regra atrás citada.

17. Aliás, essa regra tem maior alcance na sua versão cambial brasileira, cujo texto, ultrapassando consideràvelmente o da Convenção de Genebra de 1930, reguladora de conflitos de leis em matéria cambial, declara que não só a forma, mas a substância, as efeitos, a forma e os meios de prova da obrigação cambial são regulados pela lei do lugar onde a obrigação fôr firmada (lei nº 2.044, de 1908, art. 47).

Nota promissória

18. A lei cambial brasileira estabelece que a nota promissória é uma promessa de pagamento e deve conter êstes requisitos essenciais, lançados por extenso no contexto:

“I, a denominação de “nota promissória” ou têrmo correspondente, na língua em que fôr emitida;

II, a soma de dinheiro a pagar;

III, o nome da pessoa a quem deve ser paga;

IV, a assinatura do próprio punho do emitente ou do mandatário especial” (lei nº 2.044, de 1908, artigo 54, ns. I a IV).

Requisito da língua

19. Antes de tudo, observe-se que, havendo as notas promissórias sido emitidas em inglês, encontram apoio para isso nos têrmos em que está vazado o primeiro requisito, pois êste prevê que os referidos títulos tragam obrigatoriamente aquela denominação ou outra correspondente, “na língua em que fôr emitida” (cf. MAGARINOS TÔRRES, “Nota Promissória”, Rio de Janeiro, 1947, nº 40; PAULO LACERDA, “A Cambial”, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1928, nº 34).

20. Todavia, o primeiro requisito não estaria devidamente satisfeito nos títulos, visto como a denominação “nota promissória” foi lançada apenas no tôpo ou cabeçalho, quando deveria sê-lo também no contexto, o que, a despeito de já terem sido as notas promissórias assinadas pela C. H. E. S. F. e avalizadas pelo Banco do Brasil, poderia ser corrigido pela Westinghouse mediante um lançamento complementar.

21. Na verdade, o portador pode preencher a nota promissória que sai incompleta das mãos do emitente por falta de um ou mais requisitos essenciais para integrá-la no momento oportuno (MAGARINOS TÔRRES, “Nota Promissória”, números 14 e 15; PAULO LACERDA, “A Cambial”, ns. 26-30; J. A. SARAIVA, “A Cambial”, § 38).

Requisito da menção da soma de dinheiro

22. O segundo requisito está satisfeito pela menção, no contexto, da soma de dinheiro, não só por algarismos, mas também por extenso, em dólares americanos na maioria das notas promissórias e em dólares canadenses nas demais.

Requisito da menção da pessoa a quem devem ser pagas as notas

23. O terceiro requisito, da menção dá pessoa a quem devem ser pagas as notas, também se acha cumprido, pôsto tenham sido designadas duas pessoas, a Westinghouse e o National City Bank of New York, o que a lei brasileira permite, ao dispor que, no caso de pluralidade de tomadores, conjuntos ou disjuntos, aquêle que fôr portador do título considera-se, para efeitos cambiários, credor único da obrigação (lei nº 2.044, de 1908, art. 39, § 1º; cf. MAGARINOS TÔRRES, “Nota Promissória”, nº 58; PAULO LACERDA, “A Cambial”, nº 42, nota 64; J. A. SARAIVA, “A Cambial”, § 31).

Requisito da assinatura de próprio punho

24. Finalmente, o quarto requisito, que é a assinatura de próprio punho do emitente, por igual está preenchido pelo presidente da C. H. E. S. F., que é o seu representante em juízo ou em suas relações com terceiros (estatutos da C. H. E. S. F., art. 20, nº III).

25. Além dos requisitos essenciais, atrás enumerados, as notas promissórias trazem ainda as indicações secundárias das datas da emissão e do vencimento e do lugar do pagamento, cumprindo notar que êste não é o domicílio da C. H. E. S. F., mas o da Westinghouse, o que não as desnatura em letras de câmbio.

26. A essas indicações secundárias juntam-se outras declarações que, não exigidas nem previstas pela lei brasileira, constituem referências meramente explicativas, não-derrogatórias de qualquer efeito cambial, e suscetíveis, portanto, de ser consideradas supérfluas, sem prejuízo da validade das notas.

27. Nessa categoria de declarações supérfluas, porque excedentes do formalismo da lei brasileira, entram as cláusulas à ordem (to the order of), de valor recebido (for value received), de fixidez da soma (without deduction for or on account of any present or future taxes, duties or other charges imposed against this note or the proceeds or holder thereof), de identificação da nota (this note is one of a series numbered…) e de pagamento incondicional (no act or omission to act thereunder, and no provision of this note or of any other note issued persuant to the said Agreement shall alter or impair the obligations of C. H. E. S. F., which are absolute and inconditional, to pay the sum hereof in lawful money of the United States of America at the time and place herein described).

28. Quanto às notas promissórias das últimas séries, que representam juros, nada há a objetar-lhes, porque o que a lei brasileira proíbe é a cláusula de juros inserta nas títulos cambiais, visto como faz depender de cálculo a soma a pagar, que deve ser certa, fixa, imutável.

29. A incorporação de juros em títulos cambiais, ou o preenchimento dêstes exclusivamente com juros calculados de antemão, como ocorre nas notas promissórias das duas últimas séries, são, porém, perfeitamente válidos (MAGARINOS TÔRRES “Nota Promissória”, ns. 6 e 50; PAULO LACERDA, “A Cambial”, nº 414, nota 590; J. M. WHITAKER, “Letra de Câmbio”, 4ª ed., 1950, nota 129; J. A. SARAIVA, “A Cambial”, § 233).

30. Tôdas as notas promissórias, exceto as que foram pagas antes de assinadas, tiveram o aval do Banco do Brasil dado vàlidamente mediante a declaração expressa por aval assinada pelo presidente do Banco na face das mesmas (lei número 2.044, de 1908, art. 56, combinado com o art. 14).

31. Embora os títulos cambiais emitidos no Brasil estejam sujeitos ao sêlo, proporcional ao seu valor (Consolidação do Sêlo, dec. nº 32.392, de 1953, tabela anexa, nº 80), as notas promissórias acima referidas deixaram de levar sêlo, mas a falta estaria justificada no caso, por que a C. H. E. S. F. goza de isenção dêsse impôsto federal (dec.-lei nº 2.281, de 1940, art. 1º; dec.-lei nº 8.031, de 1945, art. 8°).

32. Cumpre advertir, porém, que, ainda quando é devido o sêlo, a sua falta não afeta a validade dos títulos cambiais (MAGARINOS TÔRRES, “Nota Promissória”, nota 4 e nº 34, in fine; J. M. WHITAKER, “Letra de Câmbio”, nº 25, in fine; J. A. SARAIVA, “A Cambial”, § 288).

33. As observações precedentes mostram que, ainda quando as notas promissórias se regulassem pela lei brasileira, a sua validade estaria assegurada por simples lançamento aditivo ao alcance da Westinghouse, pelo que, encerrado êsse estudo, cabe agora passar ao exame da possibilidade de sua liquidação.

34. Os pagamentos dê devedores brasileiros a credores estrangeiros podem efetuar-se atualmente pelo câmbio oficial ou pelo câmbio livre, de acôrdo com as normas que presidem ao contrôle de câmbio exercido pelo govêrno federal (lei número 1.807, de 1953; dec. nº 32.285, de 1953).

35. No caso, os pagamentos das notas promissórias emitidas pela C. H. E. S. F. em favor da Westinghouse, por ter sido o crédito desta considerado de interêsse para a economia brasileira, estão assegurados, no vencimento dos títulos, pela prioridade que lhes foi concedida pelo órgão competente, a Superintendência da Moeda e do Crédito.

Pelo exposto, sou de parecer que:

1º O contrato de fornecimento da 3ª unidade geradora da usina de Paulo Afonso, entre a Westinghouse e a C. H. E. S. F., regula-se pela lei americana, porque se reputa celebrado nos Estados Unidos, onde a proponente tem a sua sede.

2º A C. H. E. S. F., como sociedade devidamente constituída e dotada de personalidade jurídica, tinha capacidade para celebrar o contrato de fornecimento, não obstante a obrigação negativa assumida anteriormente no contrato de empréstimo com o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento de não contrair sem conhecimento dêste nenhuma dívida externa.

3° As notas promissórias emitidas pela C. H. E. S. F. em favor da Westinghouse para pagamento de parte do preço do fornecimento, por indicarem um lugar de emissão nos Estados Unidos, regulam-se também pela lei americana.

4º Se se regulassem pela lei brasileira, a Westinghouse deveria completar com a expressão nota promissória o contexto dessas notas, já assinadas e avalizadas, a fim de torná-las aptas a produzir efeitos cambiários.

5° A inscrição do crédito da Westinghouse, resultante do contrato e das notas promissórias, no Registro Geral de Prioridade Cambial do Brasil, assegura câmbio, dentro das possibilidades, para o pagamento das obrigações no vencimento.

S. M. J.

Rio de Janeiro, 27 de agôsto de 1953. – Afrânio de Carvalho, advogado no Distrito Federal.

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