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Danos morais por violação aos limites éticos no exercício da liberdade de expressão

DANOS MORAIS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

RESPONSABILIDADE CIVIL

STF

STJ

William Paiva Marques Júnior

William Paiva Marques Júnior

01/11/2022

Por força do artigo 186 do Código Civil na modulação dos efeitos da responsabilidade civil são identificados três elementos, a saber: conduta ilícita, dano e nexo de causalidade para a sua tipificação. 

Portanto a responsabilidade de indenização por danos morais, pressupõe a comprovação da efetiva prova de abalo psíquico sofrido pela vítima, causando-lhe dor, humilhação, vexame sofrimento, cuja causa é a violação à condição de dignidade humana, direitos fundamentais e direitos da personalidade. 

Danos morais e violação aos limites no exercício da liberdade de expressão

Quando se trata da imposição de danos morais por violação aos limites éticos no exercício da liberdade de expressão, o que se defende não é só a antijuridicidade da censura do direito de liberdade de expressão, mas também a existência de limites ético-jurídicos das manifestações que devem ser baseadas em fatos verdadeiros e fontes legítimas, ressalvando-se sempre a repressão em relação aos desvios. Isso porque, embora a liberdade deva ser a regra nas relações entre indivíduos iguais perante o ordenamento jurídico, a dignidade da pessoa humana deve servir de limite e garantia mínima contra excessos eventualmente praticados, conforme preconizado por José Carlos Vieira de Andrade2:

“Os indivíduos, no uso do seu direito ao livre desenvolvimento de personalidade devem poder autodeterminar os seus comportamentos e conduzir os seus comportamentos e conduzir o seu projeto de vida, tal como lhes compete em primeira linha harmonizar e ajustar entre si, no uso da liberdade negocial, os seus direitos e interesses. Essa regra tem, contudo, os seus limites. Não pode admitir-se que na vida social privada as pessoas, mesmo em situação de igualdade, possam ser tratadas ou admitirem ser tratadas como se não fossem seres humanos. Tal seria a negação do axioma antropológico que dá fundamento à própria ideia de direitos fundamentais. Por isso, a dignidade humana, enquanto conteúdo essencial absoluto do direito, nunca pode ser afetada- esta é a garantia mínima que se pode retirar da Constituição.”

Aliás, a própria Constituição se incumbe de reprimir, mediante a reparação de danos morais, materiais e à imagem – e a concessão do direito de resposta (artigo 5º, incisos V e X), como forma de coibir os excessos e as violações à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais. 

À luz do exposto, Sergio Cavalieri Filho3, defende que a dignidade é o fundamento e essência dos direitos personalíssimos:

“Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. Os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de cada preceito constitucional relativo aos direitos da pessoa humana.”

Nesse contexto, a liberdade de expressão apresenta limites constitucionais, para que não haja desrespeito à honra e imagem das pessoas e das instituições, considerando ainda que não existem direitos fundamentais ilimitados, levando-se em consideração outros direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, força motriz do Estado Democrático de Direito, base axiológica do Texto Constitucional de 1988.

Tem-se, portanto que o direito fundamental plasmado na liberdade de expressão não pode ser utilizado como salvaguarda para a prática de atividades ilícitas ou para a prática de discursos de ódio, contra a democracia, em face do Estado Democrático de Direito ou contra as instituições e seus agentes no exercício regular de suas funções institucionais.

Ontologicamente, a liberdade de expressão é um valor principiológico disposto na Constituição Federal, mais especificamente em seu artigo 5º, incisos IV (“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”) e IX (“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”), em que se trata da livre manifestação do pensamento e da liberdade de expressão em si na atividade intelectual, artística, científica e comunicativa, devendo haver o sopesamento hermenêutico com o disposto no artigo 5º, inciso V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;” e inciso X: “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;  ”

Jurisprudência

É orientação jurisprudencial firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), que a liberdade de expressão, esta considerada direito fundamental, todavia, precisa ser compatibilizada com outros direitos e deveres estabelecidos na Constituição:

“AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO PERANTE O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CNMP) CONTRA MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS OU MÁCULAS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA NO CASO CONCRETO. DESCABIMENTO DE TRANSAÇÃO POR INSTRUMENTO EXCLUSIVO DA CORREGEDORIA LOCAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO CNMP. MANIFESTAÇÃO EM REDE SOCIAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. INFRAÇÃO DISCIPLINAR CONFIGURADA. SANÇÃO PROPORCIONAL. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. I – A competência correcional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) é concorrente a das corregedorias setoriais, conforme compreensão hermenêutica do art. 130-A, § 2º, III, da Constituição Federal. Precedentes desta Corte. II – Inexistência de qualquer mácula ou ofensa ao devido processo legal no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado em face do requerente. III – Competência exclusiva – para celebrar o Termo de Ajuste de Conduta, previsto no art. 39, XV, da Lei Complementar Estadual (LC) 51 do Estado do Tocantins – do Corregedor-Geral do Ministério Público local, e não do CNMP. IV – Manifestação em rede social incompatível com os deveres funcionais. V – A liberdade de expressão é um direito fundamental que, todavia, precisa ser compatibilizada com outros direitos e deveres estabelecidos na Constituição. VI – Não cabe ao Poder Judiciário atuar como instância recursal, em princípio, das decisões do CNMP, especialmente quando a sanção disciplinar aplicada (advertência) descortina-se proporcional com a situação fática devidamente comprovada nos autos do processo administrativo disciplinar. VII – Pedidos julgados improcedentes.” “(STF- Pet 9412 / DF, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, julgamento: 14/06/2021. Publicação: 06/07/2021). (Grifou-se)

Nesse diapasão, no regime democrático, o direito à liberdade de expressão não confere a ninguém o direito de macular a honra objetiva ou subjetiva de outrem, pessoa natural ou jurídica. Tem-se, portanto, que o princípio da liberdade de expressão é imprescindível para o jogo democrático, porém não pode ser utilizado de modo inconsequente ou irresponsável, sem levar em consideração os demais direitos fundamentais, bem como as consequências daí advindas. Observa-se, desse modo, que se deve considerar a honra e a dignidade humana em face da liberdade de expressão, visto que se trata de ofensa e que este tipo de manifestação vai em sentido oposto aos preceitos consagrados pela ordem jurídico-constitucional de 1988.

Assim, é consolidado o entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme o qual o direito à livre manifestação do pensamento, apesar de merecedor de relevante proteção constitucional, não possui caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais não menos essenciais à concretização da dignidade da pessoa humana, tais como o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. REPORTAGEM EM PROGRAMA TELEVISIVO. “BRASIL-URGENTE”. IMPUTAÇÃO INFUNDADA DA PRÁTICA DE CRIMES DE ESTUPRO E CÁRCERE PRIVADO. VEICULAÇÃO DA IMAGEM DO AUTOR. EMISSÃO DE JUÍZO DE VALOR CONDENATÓRIO. ANTECIPAÇÃO INDEVIDA. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL. DEVER DE INDENIZAR. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESPECIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Recurso especial interposto na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Consoante a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento, apesar de merecedores de relevante proteção constitucional, não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais não menos essenciais à concretização da dignidade da pessoa humana, tais como o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem. 3. No desempenho da nobre função jornalística, o veículo de comunicação não pode descuidar de seu compromisso ético com a veracidade dos fatos narrados e, menos ainda, assumir postura injuriosa ou difamatória com o simples propósito de macular a honra de terceiros. 4. Deixa de constituir exercício regular do dever/direito de informar, passando a configurar típico ato ilícito indenizável, todo o excesso de linguagem praticado por jornalista que, no afã de criar verdadeiro espetáculo sensacionalista, transmita ao público-alvo da suposta reportagem um juízo de prévia e açodada condenação e o estímulo, ainda que de forma indireta, à prática de atos hostis contra aquele que, protegido pela garantia constitucional do princípio da inocência, ainda deve ser tratado como mero investigado. 4. A desconstituição das conclusões a que chegaram tanto o Juízo de primeiro grau quanto o Tribunal local – no tocante ao conteúdo ofensivo e antecipatório de injusto juízo de valor, de reportagem televisiva veiculada em programa policial de alcance nacional, contra a honra e a imagem do autor da demanda e à responsabilidade da emissora ré pelo dever de indenizar os danos morais daquela resultantes – ensejaria incursão no acervo fático-probatório da causa, o que, como consabido, não se coaduna com a via do recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 5. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso. 6. Recurso especial não provido.” (STJ- REsp n. 1.926.012/SP, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgamento: em 22/2/2022, DJe de 15/3/2022.) (Grifou-se)  

Enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de manifestação de pensamento abarca outros que lhes são correlatos, tais como os direitos à crítica e à opinião. Por não possuir caráter absoluto, a liberdade de manifestação de pensamento encontra limitação nos direitos fundamentais, na dignidade da pessoa humana bem como nos direitos da personalidade, notadamente, à imagem e à honra das pessoas sobre as quais se expressa, havendo notórios limites éticos ao seu exercício, sob pena de responsabilização civil. 

Configura-se abuso do direito de manifestação direcionada que atribui predicados negativos atentatórios à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais e aos direitos da personalidade, especialmente a honra e a imagem, extrapolando os limites éticos à crítica, extrapolando limites aceitáveis, sem a observância dos deveres de veracidade, de cuidado e de compromisso com a veracidade dos fatos e o Direito.

Dúvidas não restam, assim, quanto à legitimidade da postulação por danos morais quando extrapolados os limites ético-jurídicos ao exercício da liberdade de expressão, não se admitindo que sirva de salvaguarda de práticas criminosas ou ilícitos civis.

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