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Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição

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CIVIL

CLÁSSICOS FORENSE

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

REVISTA FORENSE

Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição

PATERNIDADE

PATERNIDADE ILEGÍTIMA

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 154

Revista Forense

Revista Forense

05/10/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 154
JULHO-AGOSTO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Regulamentação do Direito de Greve—  Geraldo Montedônio Bezerra de Meneses; Délio Barreto de Albuquerque Maranhão; Lúcio Bittencourt, com restrições; Dario Cardoso; Oscar Saraiva; Anor Butler Maciel; Evaristo de Morais Filho
  • Dispõe sobre a suspensão ou abandono coletivo do trabalho (*Projeto nº 4.350 – 1954**) — Bilac Pinto
  • A interpretação das Leis Fiscais — Georges Morange
  • Necessidade de uma lei de Processo Administrativo — Hélio Beltrão
  • Conceito de Direito Comparado — Rodrigues de Meréje
  • Despedida indireta — Indenizações cabíveis — Henrique Stodieck
  • Brigam o vernáculo e o direito — Jorge Alberto Romeiro
  • 127° aniversário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil — Hésio Fernandes Pinheiro
  • Desembargador Medeiros Júnior

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Paulo Brossard de Sousa Pinto.

PARECERES

Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição

– A ação de investigação de paternidade prescreve em trinta anos, contados da data em que o pretenso filho ilegítimo completou dezesseis anos.

CONSULTA

Manuel, dizendo-se filho de Edmundo, contra a viúva dêste, em 1954, ajuizou uma ação de investigação de paternidade cumulada com a de petição de herança. Ocorre que, nascido em 1906, em 1922 completou 16 anos, donde se vê que sòmente depois de 32 anos de haver atingido a idade de 16 foi que propôs a ação tendente a reconhecer sua pretendida filiação ilegítima.

Pergunta-se: Não está prescrita a ação de investigação de paternidade, ou é ela imprescritível?

PARECER

A questão formulada na consulta não é nova, nem uniforme é sua solução. Ao contrário, antiga é a controvérsia acêrca da prescritibilidade ou imprescritibilidade da ação de filiação ilegítima, e até agora se não conciliaram de todo os sufrágios dos doutores.

ESTÊVÃO DE ALMEIDA (“Manual do Código Civil”, “Direito de Família”, vol. VI, pág. 165), CARVALHO SANTOS (“Código Civil Interpretado”, 3ª ed., 1943, vol. V, págs. 491 e 492) e PONTES DE MIRANDA (“Direito de Família”, 3ª ed., 1947, vol. III, § 225, pág. 98), entre outros juristas eminentes, sustentam a imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade. O Tribunal de Justiça da Bahia (v. “Repertório de Jurisprudência do Código Civil”, Parte Geral, de VERCINGETÓRIX DE CASTRO GARMS, vol. II, pág. 901, nº 2.421), embora com voto vencido, a 1ª Câmara do Tribunal do Rio Grande do Sul (acórdão não publicado) e os ministros HAHNEMANN GUIMARÃES e OROZIMBO NONATO (“Arquivo Judiciário”, vol. 98, pág. 141) pensam do mesmo modo.

No sentido da prescritibilidade, no entanto, somam-se argumentos que repelem, a meu ver, os contrários, projetando-se sôbre a jurisprudência dos tribunais, inclusive do egrégio Supremo Tribunal Federal, expressa em arestos recentes e reiterados.

A assertiva de que as ações de estado ou prejudiciais são imprescritíveis – geralmente feita – não é absoluta.

Demonstrou-o LUÍS FREDERICO SAUERBRONN CARPENTER, em seu clássico tratado acêrca “Da Prescrição” (volume IV, pág. 396, do “Manual do Código Civil”, de PAULO DE LACERDA), enumerando os vários “casos de prescrição de ações prejudiciais, também chamadas ações de estado (art. 178): § 1º, § 3º, § 4º, ns. I e II; § 5º, ns. I, II, III; § 6º, nº XII; § 7º, nº I; § 9º, nº IV” enumeração copiosas vêzes repetida por autores e tribunais.

“As ações prejudiciais, melhor chamadas ações de estado, protegem direitos não-patrimoniais, isto é, protegem o estado das pessoas, ou, mais exatamente, o estado civil das pessoas também chamado estado de família, uma vez que o estado de cidade e o estado de liberdade não necessitam mais de ações, para estarem inteiramente protegidos” (ob. cit., nº 57, págs. 188 e 189).

Incluindo a ação de filiação ilegítima entre as “ações prejudiciais, melhor chamadas ações de estado”, que enumera, CARPENTER conclui: “destas ações, umas têm prescrições especiais de prazo breve, na conformidade do artigo 178 do Código, e outras recaem na regra geral do art. 177 (prescrição trintenária)” (pág. 192).

Depois de analisar os casos de prescrições especiais e de salientar que “em todos êsses casos de ações de estado, a prescrição opera de pleno direito, isto é, o juiz pode pronunciá-la ex officio, independentemente de ser invocada pelas partes”, acrescenta o autor citado: se à paz pública convém que não se resolvam velhas questões sôbre direitos patrimoniais (sejam obrigacionais, sejam reais), muito mais a ela deve importar que não se reacendam litígios sôbre a posse de estado e, em geral, sôbre as questões de estado das pessoas” (ob. cit., pág. 193).

Mais de vinte anos passados desde a publicação da sua notável obra, respondendo a consulta, CARPENTER repetiu a mesma solução: “a ação de investigação de paternidade, no direito brasileiro, é prescritível. O prazo de prescrição é o de trinta anos, porque o art. 178 do Cód. Civil não marcou prazo mais breve” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 139, pág. 452).

Do mesmo parecer é CLÓVIS BEVILÁQUA, que o expressou reiteradas vêzes: “…atendendo-se ao prazo da ação que é de trinta anos, por não lhe ter sido fixado outro mais curto…” (“Código Civil Comentado”, 6ª ed., 1941 vol. II, pág. 340; v. “Soluções Práticas de Direito”, vol. I, pág. 184).

Também em parecer o douto civilista, insistindo embora na opinião de que as ações de estado não estão sujeitas a prescrição, agudamente notou: “mas a “ação de investigação da paternidade não é, puramente, ação de estado. Foi criada, entre nós, pelo Cód. Civil, para o fim especial de coagir certos pais ao cumprimento da obrigação de prover à subsistência daqueles que chamaram à vida. Não é proposta simplesmente para firmar a qualidade de filhos, mas, principalmente, para assegurar, aos filhos naturais, vantagens econômicas decorrentes de seu reconhecimento judicial. E o Cód. Civil acentuou-lhe êsse caráter, eis que facultou propô-la o pretendido filho contra os herdeiros daquele que diz ser seu pai natural.

Prescrição da ação de paternidade ilegítima

“A prescritibilidade desta ação é reconhecida pela consciência jurídica universal, como se vê da legislação dos povos cultos.

“…………………………………………………………

“E’, portanto, de direito comum humano a prescritibilidade da ação de investigação de paternidade.

“Em nosso direito, não havendo prazo estabelecido, especialmente, a prescrição é de trinta anos” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 139, pág. 447).

Também o sábio ministro HERMENEGILDO DE BARROS, notando que o Código silenciou a respeito do prazo prescricional da ação de investigação de paternidade, ensina: “daí se infere que a ação pode ser proposta a todo tempo, enquanto não prescrever, devendo ser ordinário o prazo da prescrição” (“Do Direito das Sucessões”, “Manual do Código Civil” de PAULO DE LACERDA, vol. XVIII, 1929, 2ª tiragem, nº 270, pág. 440).

O exímio civilista desembargador VIEIRA FERREIRA prestigia o mesmo entendimento, ainda que por fundamentos distintos: “relativamente à investigação da paternidade ou maternidade natural, penso que em vista do art. 179 prescreve em trinta anos, não porque seja ação pessoal, pois é antes in rem como prejudicial, mas porque, não sendo também uma ação real pròpriamente dita, se deve tomar o maior prazo estabelecido no art. 177, que é o das ações pessoais. CLÓVIS BEVILÁQUA também a considera prescritível em trinta anos (“Soluções Práticas de Direito”, vol. I, pág. 184)” (“Rev. de Crítica Judiciária”, vol. I, 1925, pág. 673).

Entre os que com mais acuidade discutiram o problema em tela, influindo decisivamente na solução da controvérsia, conta-se ASTOLFO RESENDE. Coube ao reputado jurisconsulto acentuar a diversidade de pressupostos da ação que o filho legítimo tem para provar a sua filiação, da que a lei outorga ao ilegítimo para demandar a sua.

“Não vejo razão para se declararem imprescritíveis as ações de investigação da paternidade natural. O único argumento que encontro em favor dessa imprescritibilidade consiste no caráter de ordem pública atribuído às ações de estado, porque dizem respeito à personalidade civil e à ordem das famílias”, pondera o fundador da “Revista de Jurisprudência Brasileira”.

“Admito o argumento relativamente ao estado de filho legítimo; mas a situação do ilegítimo, não reconhecido, e que procura um pai, é fundamentalmente diferente. A filiação legítima apóia-se sôbre dois princípios fundamentais: 1º, o período da gestação uterina, que varia entre um mínimo de 180 e um máximo de 300 dias, considerando-se, daí, nascido fora do casamento, e, portanto, ilegítimo, o filho nascido antes de decorridos 180 dias da celebração do casamento, ou depois de decorridos 300 dias da dissolução da sociedade conjugal; 2º, o marido é pai do filho concebido pela mulher durante o casamento. A filiação legítima resulta do título – registro do nascimento – acompanhado da posse de estado. Tem, portanto, o filho legítimo um estado resultante de um título indubitável que gera a certeza ou, pelo menos, uma forte presunção de direito, de difícil destruição. Qualquer ação que proponha para provar a sua qualidade de filho legítimo é baseada no casamento, fato certo, provado, indiscutível. É, portanto, naturalmente imprescritível, conforme dispõe o art. 350 do Cód. Civil, segundo o qual a ação de prova da filiação legítima compete ao filho, enquanto viver.

“Mui diferente, porém, é a condição de filho ilegítimo. Êle não possui um estado, resultante de um fato certo, como o casamento, e de um título, o registro do seu nascimento. Não tem de provar apenas a sua filiação, mas, antes de tudo, a origem, a gênese desta, que é sempre duvidosa e incerta, principalmente se não se apóia em documento emanado do pretendido pai.

“O legítimo tem a posse do estado, e, quando contestado, apenas se lhe exige a prova da sua legitimidade. O ilegítimo não tem, nem título, nem posse de estado. O legítimo tem a qualidade; o ilegítimo demanda para adquiri-la.

“Por isso, o estado do primeiro não prescreve; adquirido com o nascimento, permanece o mesmo pelo resto da vida. O ilegítimo não tem estado; tem uma pretensão; para adquiri-lo tem necessidade de mover uma ação, de pedir à Justiça que lhe reconheça, que lhe confira a qualidade de filho.

“Bem se vê” – é ainda ASTOLFO RESENDE quem escreve – “bem se vê quão diferentes são as condições de um e de outro. Do filho legítimo não se exige que prove a sua filiação, e por isso pode dar a prova em qualquer tempo. O ilegítimo tem ação para demandar o reconhecimento da filiação.

“De sorte que a ação, que a lei outorga ao ilegítimo para demandar o reconhecimento da filiação, não pode deixar de perecer pela prescrição, porque não se trata de um direito existente, representado pelo estado, e sim de uma pretensão que se procura converter em direito por fôrça de uma sentença. O que alimenta essa pretensão não tem título nem a posse de estado; esforça-se por adquiri-los.

“As legislações de diversos povos, conhecidos como de alta cultura, consideram prescritível a ação dos filhos ilegítimos para reconhecimento de sua paternidade, impondo mesmo prazo excessivamente curto.

“Assim, na Inglaterra e na Suíça o prazo é de um ano, na França e na Itália de dois, na Bélgica de três e na Holanda de cinco, etc.” (“Rev. de Jurisprudência Brasileira”, vol. 53, págs. 105 e 106).

No mesmo sentido se pronuncia FILADELFO AZEVEDO, jurista que tanto fulgiu no fôro como advogado, na cátedra como professor e no Supremo Tribunal como ministro. O emérito civilista, que a morte colheu em Haia, como juiz da Côrte de Justiça Internacional, invocando lições de CLÓVIS, CARPENTER, MAXIMILIANO e VIEIRA FERREIRA, acentuou que “essa é a doutrina a prevalecer, em face da sistemática do Cód. Civil”, porque, “embora de um modo geral se possa sustentar que as ações de estado são imprescritíveis, segundo o pensamento de FADDA e BENSA, forçoso é convir que a investigação de paternidade deve ser limitada no tempo, por circunstâncias que lhe são peculiares.

“Assim, muitas legislações disciplinam a matéria, estabelecendo prazos curtos de decadência, em atenção às dificuldades de prova e à estabilidade de situações familiares.

“Nosso Código é omisso, a respeito, mas do seu sistema parece resultar o princípio de que as ações de estado não estão excluídas do princípio geral de prescrição trintenária, quando prazo menor não é estabelecido, como nos artigos 178, §§ 3º, 4º, nº I, 6º, nº XII, e 9º, nº VI, 362, etc.

“O art. 179, com caráter de refôrço, é generalizante e só encontra limites nas exceções expressas, como na hipótese do art. 350, em que se assegura a ação de prova da filiação legítima ao filho, enquanto viver” (“Rev. dos Tribunais”, volume 139, págs. 455 e 456).

Nem de outro modo se exprime o ministro CARLOS MAXIMILIANO, expositor tão autorizado do Direito Público quanto do Direito Privado:

“A prescrição pode ser alegada vantajosamente pela defesa em qualquer estado da causa, até mesmo em grau de recurso e em plena execução. Há de ser argüida pela parte; não será pronunciada ex officio, suprindo o juiz a falta do interessado.

“O Cód. Civil não fixou prazo especial para os litígios sôbre investigação de paternidade; logo, é de aplicar o artigo 179; segue-se a regra geral, do artigo 177: por serem ações pessoais, prescrevem em 30 anos.

“Lamentável o esquecimento dos legisladores, que não estabeleceram período menor! Pelo menos, até o filho atingir a idade de 16 anos, é líquido não correr a prescrição; logo, em realidade, durante 46 anos, no mínimo, ficam o pretendido pai e os seus sucessores expostos a um litígio desagradável e algo escandaloso.

“As razões aduzidas em França para se não esperar pela maioridade para dar início à causa, também servem contra a prescrição de 30 anos: 20 anos depois do nascimento se acham disseminadas ou quase perdidas as provas da filiação e sujeitas a êrro as testemunhas mais honradas. Logo, a demora facilita as chantagens e os processos tendenciosos” (“Direito das Sucessões”, 3ª ed:, 1952, volume I, ns. 243 e 244, pág. 308).

Dessa conclusão não dissente o desembargador MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, que, fundado em PUGLIESE, no seu recente e apreciado “Curso de Direito Civil”, leciona magnificamente:

“O que revela o estudo do direito comparado, como bem frisou o ilustre Prof. ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, é a tendência no sentido da prescritibilidade de tais ações. PUGLIESE mantém um ponto de vista apreciável. Para distinguir os direitos prescritíveis dos imprescritíveis, escolheu o critério da disponibilidade, pois está na essência do direito o uso e o não uso, e os iura status não são direitos no sentido técnico (facultates agendi), senão qualidades atribuídas pelas condições objetivas e inflexíveis do fato (duplicidade do lugar do nascimento, condição dos pais). Tais qualidades, acentua PUGLIESE, não podem sofrer nem a ação de tempo, quer para a aquisição quer para a perda, mas, no que se relacionam com os verdadeiros e próprios direitos subjetivos, como os originários à pertinência ou não a uma dada família, a ação do tempo se exercita e produz os seus efeitos. Conclui então o citado autor no sentido de recusar uma classe de direitos a priori imprescritíveis. Há causas de imprescritibilidade tanto na classe dos direitos patrimoniais como na dos iura status. Tudo quanto se pode conceder à corrente contrária”, finaliza, “é que êstes últimos direitos, quando incindíveis da condição de fato e por serem freqüentemente destituídos de valor econômico, fornecem um maior contingente à categoria da imprescritibilidade. PUGLIESE, de acôrdo com o direito positivo italiano então vigente (o Código de 1865), considera prescritível a ação de filiação, nada encontrando de colidente com a natureza da aludida ação. Entre nós, desde que o Cód. Civil não declarou imprescritível a ação de estado civil, inerente à investigação da paternidade, está ela sujeita à prescrição comum, relativa à ação pessoal, isto é, prescreve em 30 anos” (“Curso de Direito Civil, 1953, volume I, nº 271, págs. 395 e 396).

Ao professor ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA deve a literatura jurídica nacional o mais amplo, erudito e completo estudo acêrca da investigação de paternidade.

“Considerada prejudicial ou de estado, a ação de investigação de paternidade ilegítima não visa em si mesma nenhuma condenação, mas sim a declaração por sentença do estado de filho que o autor pleiteia. Daí ser incluída pelos processualistas na categoria das chamadas ações declaratórias, que se destinam apenas a estabelecer uma certeza jurídica, ao contrário das ações de condenação que, além de declararem o direito questionado, conferem ao vencedor a faculdade de pedir a execução forçada em seu favor” (“Investigação de Paternidade”, 2ª ed., 1947, nº 227, pág. 275).

Nem por ser declaratória entretanto, segundo a moderna doutrina processual, a antiga ação prejudicial ou de estado há de ser imprescritível. Retificando opinião incidentemente manifestada na 1ª edição da sua monografia, doutrina o lente citado: “de nossa parte, o estudo mais detido da questão leva-nos a aplicar ao caso o preceito contido na art. 177 do Cód. Civil.

“Na verdade, não há razões sérias para crer que, por não se haver referido especialmente à investigação de paternidade ilegítima, quisesse o legislador brasileiro seguir orientação diferente da adotada na generalidade das nações civilizadas quanto ao princípio de que não é imprescritível aquela ação, estabelecendo-se mesmo prazos mais reduzidos para o seu exercício, como também fêz o nosso Código relativamente a outras ações de natureza semelhante (art. 178, §§ 1º, 3º, 4º, nº I, 5º, ns. I a III 6º, nº XII, e 7º, nº I; e arts. 208 e 362). Se prazo especial não foi fixado, o lógico é julgar a hipótese compreendida na regra geral da prescrição trintenária, em face da disposição ampla do art. 179 que manda regular pelo art. 177 os casos não previstos.

“Sendo a prescrição um instituto indispensável à paz social, impôsto pela necessidade de evitar que as ações judiciais fiquem eternamente na iminência de serem propostas, não seria aconselhável prescindir dêsse elemento de segurança quando se trata de demandas tendentes à modificação do estado das pessoas e que interessam, portanto, de modo fundamental, à ordem pública.

“Há, sem dúvida, exceções, direitos imprescritíveis por serem emanações diretas da personalidade, situações jurídicas protegidas de modo mais amplo, como, por exemplo, o estado de filho legítimo, que o art. 350 do Código especialmente resguarda. A condição do filho ilegítimo, porém, é diferente, como acentuou ASTOLFO RESENDE. Não tem por si, como o filho legítimo, um estado resultante de um título indubitável que gere a certeza, ou, pelo menos, uma forte presunção de direito, difícil de destruir; apenas manifesta uma pretensão, pleiteia, uma qualidade, cujo reconhecimento depende de sentença em processo de prova difícil. Daí não lhe haver a lei estendido a proteção dispensada ao estado de filho legítimo, nos têrmos do citado art. 350.

“A prescrição trintenária porém, nesse caso, sendo a ação privativa do filho, sòmente começará a correr da data em que êste atingir a idade de 16 anos, ex vi do que prescreve o art. 169, nº I, do Cód. Civil” (ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, ob. cit., nº 226, págs. 274 e 275). (A passagem transcrita foi citada pelo ministro LUÍS GALLOTTI, relator do recurso extraordinário nº 19.831, do Estado do Rio de Janeiro, que, conhecido e provido, reformou decisão do Tribunal daquele Estado, que julgara imprescritível a ação de investigação de paternidade.)

Doutrina e Jurisprudência

A lição da doutrina, reproduzida em seus lances principais, se reflete decisivamente na jurisprudência dos tribunais, que a invoca de modo expresso.

E se é certo que a Côrte da Bahia entende ser imprescritível a ação em tela (“Rep. de Jurisprudência do Código Civil”, Parte Geral, cit., vol. II, nº 2.421) e no mesmo sentido orientou-se a 1ª Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul (não publicado), os Tribunais do Rio Grande do Sul (em Câmaras Cíveis Reunidas, “Rev. Jurídica”, vol. II, pág. 105; anteriormente, “Justiça”, vol. 28, pág. 379), do Paraná (“REVISTA FORENSE”, vol. 131, pág. 156), de São Paulo (“REVISTA FORENSE”, vol. 91, pág. 452; Repertório cit., ns. 1.934, 1.935, 1.949), de Mato Grosso (cf. “REVISTA FORENSE”, vol. 144, pág. 108), de Minas Gerais (“REVISTA FORENSE”, vol. 143, pág. 324) e do Distrito Federal (“REVISTA FORENSE”, vol. 92, pág. 433) entendem que a ação de investigação de paternidade é prescritível, e no mesmo sentido é, quanto eu saiba, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O ministro LUÍS GALLOTTI, num aresto recente e unânime (29-12-1952), em que foi dado provimento a um recurso extraordinário interposto de acórdão do Tribunal do Rio de Janeiro, que declarara imprescritível a ação de filiação ilegítima, recurso fundado nas letras a e d do art. 101, III, da Constituição federal, antes de reproduzir o ensinamento do Prof. ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, reportando-se a anterior decisão da côrte excelsa, votava assim:

“Dispõe o Cód. Civil, no art. 177, que as ações pessoais prescrevem ordinàriamente em 30 anos.

“E, depois de fixar no art. 178 os prazos especiais de prescrição, que variam entre 10 dias e cinco anos, acrescenta no art. 179: “os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados, quanto ao prazo, pelo art. 177”.

“Que o Cód. Civil não quis decretar a imprescritibilidade das ações de estado, mostra-o, claramente, como bem assinalou em seu citado voto o eminente ministro EDGAR COSTA, o disposto no art. 178, §§ 3º e 9º, nº VI, onde foram fixados prazos para a ação da pai visando contestar a legitimidade do filho e para a ação do filho natural visando impugnar o reconhecimento. E notou, por outro lado, S. Exª que o art. 350 declara vitalícia a ação para “prova de filiação legítima”, disposição que seria supérflua se imprescritíveis fôssem tôdas as ações de estado” (“Arq. Judiciário”, vol. CVI, pág. 179).

O julgado referido, de 18-10-50, da lavra do ministro EDGAR COSTA, firmado nas conclusões de CLÓVIS, FILADELFO AZEVEDO e CARPENTER, e rejeitando embargos a outro acórdão unânime do Supremo Tribunal, relatado pelo ministro JOSÉ LINHARES, firmou (contra os votos dos ministros HAHNEMANN GUIMARÃES e OROZIMBO NONATO) a prescritibilidade da ação de filiação ilegítima. No voto do relator se lê o seguinte:

“Ainda quando considerada ação de estado a ação de investigação da paternidade ilegítima, – porque a êsse conceito é possível opor-se restrição firmada no fundamento mesmo da ação, que é a ausência do estado de filho, decorrente das presunções dos arts. 338 e 339, – o Cód. Civil não estabeleceu, como regra geral, a sua imprescritibilidade, pois dispôs diversamente nos §§ 3º e 9º, nº VI, ao fixar prazos especiais de prescrição para as ações do pai para contestar a ilegitimidade do filho, e do filho natural para impugnar o reconhecimento, sôbre ter, por outro lado, no artigo 350, declarado vitalícia a ação para prova da filiação legítima, disposição que seria supérflua se imprescritíveis fôssem tôdas as ações de estado.

“Prescritível, portanto, a ação de investigação, da paternidade, e não fixado prazo especial para ela, incide, nos têrmos do art. 179, na regra geral do artigo 177, e, ação pessoal que é, de 30 anos é o prazo da sua prescrição, contado do momento em que atinge o investigando a capacidade legal para agir judicialmente, seja aos 16 anos, de acôrdo com o art. 169, nº I, e, para os nascidos anteriormente ao Cód. Civil, a partir de sua promulgação.

“Bem decidiu, portanto, o acórdão embargado conhecendo do recurso, ante a divergência jurisprudencial ocorrente, e lhe negando provimento para confirmar o acórdão recorrido que decretara a prescrição da ação intentada pelos embargantes, já maiores à data da promulgação do Cód. Civil, e decorridos mais de 30 anos da mesma” (“Arq. Judiciário” vol. 98, págs. 141 e 142; “REVISTA FORENSE”, vol. 138, pág. 115. É de notar-se que a ementa publicada na “REVISTA FORENSE” não condiz com o julgado).

Na assentada dêsse julgamento o ministro AFRÂNIO COSTA declarou que a antiga controvérsia entre os tribunais perdera, a seu ver, muito da sua importância, desde que o Supremo Tribunal, modificando opinião anterior, entendera que a ação de investigação era prescritível, consoante a regra geral do Código relativa à prescrição ordinária.

O acórdão embargado, que tivera como relator o ministro JOSÉ LINHARES, também unânime, arrimado ao parecer de CLÓVIS e FILADELFO, conhecendo do recurso extraordinário ùnicamente com fundamento na letra d do art. 101, III, da Constituição, dada a divergência jurisprudencial, lhe negava provimento para confirmar a decisão recorrida, que fôra do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, confirmando, por sua vez, o despacho saneador que julgara prescrita a ação de filiação ilegítima (“REVISTA FORENSE”, volume 144, pág. 108).

Outrossim, merece ser salientado o fato de, quando o recurso extraordinário incide em aresto que julga prescrita (e prescritível, portanto) a ação ajuizada, tem êle assento apenas na letra d do artigo 101, III, da Constituição, ou seja em virtude de divergência jurisprudencial, enquanto que, quando o recurso extraordinário é interposto contra decisão que julgou imprescritível a ação de filiação ilegítima, encontra fundamento no disposto nas letras a e d do art. 101, III, da Lei Suprema, isto é, violação da letra da lei, além de dissídio jurisprudencial.

Considerações sobre a doutrina

A doutrina exposta é a dominante. A meu ver é a melhor doutrina.

Com efeito a lei não só não estatuiu a imprescritibilidade da ação de filiação ilegítima, o que fêz expressamente a respeito da de prova da filiação legítima, como estabeleceu princípio geral a prescritibilidade de tôdas as ações (art. 179 do Cód. Civil).

Depois, se fôsse certo que as ações de filiação são natural e substancialmente imprescritíveis, imperdoável superfluidade seria a do legislador ao dispor, no art. 350, que “a ação de prova de filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros se êle morrer menor, ou incapaz”. E é lição assente e veneranda que “verba cum effectu sunt accipienda: não se presumem, na lei, palavras inúteis” (MAXIMILIANO, “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 3ª ed., 1941, número 307, pág. 300; BLACK, “On the Construction and Interpretation of Laws”, 1896, nº 39, pág. 83).

Diante dos explícitos têrmos do artigo 350, ORLANDO GOMES e NÉLSON CARNEIRO opinaram de modo singular: o preceito, em lugar de sinalar a imprescritibilidade da ação de prova de filiação legítima, valeria apenas como ‘”regra que estabelece a legitimatio ad causam. Êle sòmente êle (o filho), pode propô-la e, excepcionalmente, seus herdeiros, se morrer menor, ou incapaz” (“Do Reconhecimento dos Filhos Adulterinos”, número 285, pág. 335).

Mas essa exegese, que tem.contra si a lição do direito comparado (Cód. Civil francês, art. 329; italiano, de 1865, art. 178; italiano de 1942, art. 249; português, artigo 111; espanhol, art. 118) trateia e subverte o texto legal.

Imprescritível em relação ao filho é a ação de prova de filiação legítima, que ao filho a lei confere. Se, porém, o filho legítimo morrer menor ou incapaz, aos seus herdeiros passará a ação, mas já sem o caráter de imprescritibilidade, eis que em um ano prescreve (ou caduca) “a ação dos herdeiros do filho para prova da legitimidade da filiação; contado o prazo da data do seu falecimento se houver morrido ainda menor ou incapaz” (art. 178, § 6º, nº XII).

Com efeito, o Código não diz simplesmente que aos herdeiros do filho que morrer menor ou incapaz passará a ação de prova de filiação legítima, como haveria de dizer se apenas significasse o art. 350 uma exceção ao princípio segundo o qual a ação deve ser ajuizada pessoalmente.

O Código assegura ao filho, “enquanto viver”, a ação de prova de filiação legítima, ação que sendo vitalícia é imprescritível.

Não exercendo o filho a faculdade outorgada pela lei, a ação não se transmite aos seus herdeiros.

Morrendo, entretanto, menor ou incapaz, a ação, referida passará aos seus herdeiros. Vitalìciamente, indefinidamente, imprescritìvelmente, tal como ao pai era atribuída? Não, pelo prazo de um ano apenas, pena de decadência (art. 350, combinado com o art. 178, § 6º, nº XII).

Outrossim, dado que a prescrição não corre até os dezesseis anos (Cód. Civil, arts. 169, I, e 5º), e sendo de trinta o prazo prescricional ordinário das ações não reais (arts. 179 e 177), tem-se que até os quarenta e seis anos, no mínimo, pode a pessoa demandar o reconhecimento da sua filiação ilegítima (MAXIMILIANO, “Sucessões”, vol. I, nº 244, pág. 308; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, ob. citada, nº 226, pág. 275; Supremo Tribunal Federal, “Arq. Judiciário”, vol. 98, página 140; “REVISTA FORENSE”, vol. 138, página 115).

Extremamente liberal, impede reconhecer, é a respeito o direito brasileiro, tanto é certo que o prazo aplicável, sobremaneira largo (MAXIMILIANO, “Sucessões”, vol. I, n° 244, pág. 308), contrasta com a notória brevidade dos que outros sistemas jurídicos assinam para a tempestiva propositura da ação de investigação de paternidade (MAXIMILIANO, obra cit., nº 245, págs. 309 e 310).

Impugnar a prescrição da ação em tela importa, fundamentalmente, em investir contra a própria prescrição, cuja utilidade universal e imprescindível necessidade, evidenciadas de modo definitivo, tornam ociosa a discussão dos seus fundamentos.

“La prescription, au point de vue sociale, peut être comparée à la règle de l’autorité de la chose jugée; elle rend des services analogues”, ensina ALBERT TISSIER, a cuja competência foi confiado o 28º vol. do “Tratado” dirigido por BAUDRY-LACANTINERIE; “Il est un moment où il faut que le dernier mot soit dit, où l’incertitude du droit est plus fâcheuse que l’injustice. Tout doit avoir une fin, dit TROPLONG, et l’Etat est intéressé à ce que les droits ne restent pas trop longtemps en suspens” (ob. cit., 4ª ed., 1924, nº 29, pág. 25).

“…la prescription est une institution qui s’impose dans toute législation, et d’une façon générale, par suite de la plus impérieuse necessité; ordinairement conforme à l’équité, elle est toujours commandée par l’intérêt public” (ob. cit., número 32, pág. 29).

“La preserizione delle azioni è una delle istituzioni più importanti e salutari. Qui, più che in parecchie altre materie, i principî del diritto romano hanno consacrato la loro autorità, non solo nei paesi ove vige il diritto comune, ma anche in quelli retti dai codici moderni. Il motivo più generale e più decisivo, che giustifica tale istituto, è il bisogno di fissare i rapporti giuridici incerti, suscettibili di dubbi e di contestazione; mentre funzionano come motivi secondari la presunta estinzione del diritto cui protegge l’azione, la punizione della negligenza e la diminuzione delle liti. Da ultimo essa servead impedire che l’autore, indugiando di troppo a promuovere l’azione, aumenti le difficoltà della difesa, potendo i mezzi di prova venire a mancare senza colpa del convenuto, p. e. per la morte dei testimoni, per la perdita o lo smarrimento dei documenti ecc.” (SERAFINI, nota 3 ao § 106 de “Le Pandette”, de ARNDTS, volume I, 1882, págs. 448 e 449).

“La prescrizione dell’azione è tra i più importanti e benefici istituti giuridici. In essa le disposizioni del diritto romano, piú che in molti alui istituti, si son conservate in pieno vigore, e non solo nei paesi di diritto comune, ma anche colà, dove sono stati promulgati nuovi codici”, é o ensinamento de SAVIGNY, no “Sistema del Diritto Romano Attuale”, trad. de VITTORIO SCIALOJA, 1893, vol. V, § 237, pág. 314.

“El ejercicio de la pretensión está limitado en el tiempo por efecto de la prescripción, la cual satisface el interés público de la seguridad jurídica y del alivio de los tribunales, y el interés individual, protegiéndolo contra pretensiones que se remontan hasta tiempos muy lejanos y que podrían usarse para molestar inicuamente al titular pasivo del derecho. La prescripción se base en la probabilidad, avalorada por la experiencia, de que la pretensión fundada en una causa de nacimiento muy lejano, nunca nació o ya se ha extinguido; y si, a pesar de esto, efectivamente, la pretensión subsiste todavía, el titular debe imputarse a sí mismo el inconveniente de la prescripción, es decir, a la negligencia en la atención de sus derechos”, doutrina VON TUHR (“Derecho Civil”, 1949, § 91, pág. 198 do vol. 1.112 da trad. espanhola).

Com efeito, “a prescritibilidade desta ação é reconhecida pela consciência jurídica universal, como se vê da legislação dos povos cultos”, segundo o juízo de CLÓVIS BEVILÁQUA (“Rev. dos Tribunais”, vol. 139, pág. 447). As legislações, em geral, aduz CARLOS MAXIMILIANO, “limitam bastante o prazo para investigar a paternidade: até um ano após a maioridade do filho, na França, Inglaterra e Venezuela; um ano após o nascimento, na Suíça; quatro anos após a maioridade, na Bélgica; cinco em Holanda e Uruguai; dez, nos casos de sedução, ou rapto, no Chile; até a prole atingir a idade de quinze anos, na Noruega; até a morte do pai, salvo se esta se verifica durante a menoridade do pleiteante, em Honduras; até um ano depois do falecimento do progenitor, em Portugal” (“Sucessões”, vol. I, § 245, págs. 309 e 310).

Com a ação, justificam os autores estrangeiros a brevidade do prazo prescricional a ela conferido, dado o relevante e prevalente interêsse público a ela vinculado. Êsse prazo é, de modo geral, de decadência.

CUNHA GONÇALVES, com sua reconhecida autoridade, depois de salientar que imprescritível é o direito do filho legítimo a vindicar o estado que lhe pertence (Cód. Civil português, art. 111, tal como o art. 350 do nosso Cód. Civil), disserta a respeito da ação assegurada pelo artigo 133 do Código lusitano, reformado pelo decreto nº 2, de 25 de dezembro de 1910: “… em relação ao filho ilegítimo, ou porque julgou o seu direito menos digno de proteção, ou porque reputou suspeita uma pretensão que os pais, fugindo à voz do sangue e às leis da natureza, não quiseram voluntàriamente reconhecer, ou porque as provas da filiação ilegítima e as da sua impugnação podem facilmente desaparecer, ou para que os possíveis réus da ação não fiquem perpètuamente sob a ameaça dum pleito e dos inerentes escândalos, o legislador subordinou esta ação a prazos relativamente mais curtos.

“Com efeito, a ação de investigação de paternidade ou maternidade só pode ser intentada em vida do pretenso pai ou da pretensa mãe, ou dentro do ano posterior à sua morte, como dispõe o art. 37 do citado decreto de 1910, que alterou o art. 133 dêste Código. E’ que o suposto pai ou a suposta mãe têm elementos para cabalmente refutarem as alegações do autor e repelirem um filho que não geraram e que falsas testemunhas quererão atribuir-lhe. Sob êste ponto de vista, a ação de investigação não deveria ser permitida depois da morte dos pais, como não a permitia o citado art. 133, pois os herdeiros dêstes podem não ter meios seguros de defesa, nem sequer informações sôbre a vida íntima do autor da herança e ficarão mais fàcilmente sujeitos aos acasos da demanda. Algumas legislações estrangeiras, por isso, são neste ponto mais rigorosas, concedendo um prazo muito curto” (“Tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil Português”, Coimbra, 1930 vol. II, nº 193, pág. 324).

O direito francês se orienta no mesmo sentido, desde que a lei de 16 de novembro de 1912, dando nova redação ao art. 340 do Cód. NAPOLEÃO, permitiu a ação de investigação de paternidade. Se a ação fôr proposta pela mãe, em nome do filho menor, prescreverá dentro de dois anos, após o parto, podendo, entretanto, êsses dois anos ser contados, no caso de concubinato, da cessação dêste; e, no caso de participação do pretenso pai no sustento e educação do filho, serão os dois anos contados da cessação dessa participação. Para o filho, a ação se extingue dois anos após a maioridade.

PLANIOL, no seu clássico tratado, assim explica e justifica a lei francesa: “… la loi de 16 novembre 1912 a établi pour la recherehe de paternité naturelle une prescription assêz rapide, dont durée et le point de départ varient selon les cas. Le législateur a eu le souci d’éviter le dépérissement des preuves et d’écarter des demandes tardives inspirés par une volonté de chantage” (“Traité Elémentaire de Droit Civil”, edição revista e completada por G. RIPERT, com concurso de JEAN BOULANGER, 1946 vol. I, nº 1.527, pág. 535).

PLANIOL, RIPERT et ROUAST, no grande “Traité Pratique de Droit Civil Français”, obra que FRANÇOIS GENY (“L’évolution contemporaine de la pensée juridique dans la doctrine française”, in “Le Droit Privé Français au millieu du XX Siècle – Etudes offertes à GEORGES RIPERT”, 1950, vol. I, pág. 5) qualifica de magistral e “qui reste aujourd’hui le monument de droit civil français le plus sur, le plus complet et le plus apprécié”, doutrinam: “…L’action en recherche de paternité a été enfermée par le législateur dans des délais assez brefs. Le but avoué de l’institution de ces délais a été de rendre plus sûres les preuves qui seraient produites parce qu’elles seront moins anciennes. On a voulu aussi éviter qu’un homme demeurât indéfiniment sous le coup d’une menace de recherche de paternité, dont on pourrait user contre lui, sous forme de chantage” (ob. cit., 1926, vol. II, pág. 783, nº 925).

Outro civilista notável, JOSSERAND, com sua magna autoridade, justifica s provisão legal de seu país nestes têrmos: “la loi a inclu l’action en recherche de la paternité naturelle dans des délais assez brefs; il est urgent d’en finir rapidement avec un problème irritant et d’éviter un chantage à retardement, d’autant plus redoutable que les preuves deviennent moins sûres à mesure qu’elles s’estompent dans le loitain. En pareille matière, il faut agir vite et à coup sûr” (“Cours de Droit Civil Positif Français”, 2ª ed., 1932, vol. I, número 1.226, pág. 641).

Na mesma idéia insistem COLIN et CAPITANT, assim como JULLIOT DE LA MORANDIÈRE: “La loi du 16 novembre 1912 a inclus dans un délai assez bref l’exercise de l’action qu’elle organise. Elle a considéré qu’il importe de ne pas laisser le prétendu père sous la menace indéfinie d’un procès. D’ailleurs, les législations étrangères avaient tracé la voie à la nôtre en impartissant un délai assez court à la recherche (Suisse et Angleterre: un an; Belgique: trois ans; Holland et Allemagne: trois ans)” (“Traté de Droit Civil, refondue par L. JULLIOT DE LA MORANDIÈRE”, 1953, vol. I, nº 1.002, página 594).

Outrossim, é pacífico na doutrina gaulesa que o prazo de dois anos é de decadência (JOSSERAND, ob. cit., nº 1.227, pág. 642; PLANIOL, ob. cit., nº 1.530, página 536; PLANIOL, RIPERT et ROUAST, ob. cit., nº 929, pág. 786; COLIN et CAPITANT (et LA MORANDIÈRE), ob. cit., número 1.002, pág. 594; AUBRY & RAU, “Droit Civil Français”, edição atualizada por E. BARTIN, 1917 vol. IX, § 569, página 284).

O Cód. Civil suíço, de 1907, dispondo, no art. 307, que

“La mère peut rechercher en justice le père de son enfant naturel. L’enfant a la même action. L’action est intentée contre le père ou ses héritiers”,

no art. 308 prescreve:

“L’action peut être intentée avant ou après la naissance de l’enfant; elle doit l’être, au plus tard, un an après la naissance”.

Como no direito francês, o prazo de um ano é de perempção. VIRGILE et ANDRÉ ROSSEL, em nota ao art. 308 do Código helvético, informam: “le délais de l’art 308 est un délai de péremption, non de prescription”.

ROSSEL et MENTHA, no conceituado “Manuel du Droit Civil Suisse”, 2ª ed., volume I, nº 673, não discrepam: “qu’elle tende à des aliments ou à une déclaration de paternité, le délai est le même; il a un caractère péremptoire, le retard ne serait excusé dans aucune circonstance (sauf cepandant si, par des manoeuvres, le défendeur avait commis un abus de droit en empêchant la demanderesse d’actionner en temps utile), et il ne peut y avoir de prolongation par suite des causes de suspension ou d’interruption énumérées aux art. 134 et 135 C. O. … un are après la naissance, la partie demanderesse est déchue de son action” (ob. cit., págs. 467 e 468).

Na Bélgica, o legislador de 1908 não entendeu que a ação de investigação de paternidade devesse ser imprescritível.

HENRI DE PAGE, no seu grande tratado, acentua que a ação é prescritível, entre outras razões, porque “des recherches faites longtemps après la mort de l’auteur pourraient entrainer des troubles graves dans les familles, notamment à raison de l’incertitude des preuves. Ajoutons qu’à raison de la vocation successorale des enfants naturels, une filiation constatée après un très longtemps entrainerait la revision de toutes les successions ouvertes depuis la naissance de l’enfant, et créerait ainsi dans les familles légitimes un état de choses intolérable.

Le délai pour agir est extremement court. L’enfant doit intenter son action au plus tard dans les cinq ans qui suivent sa majorité (art. 341 b). Ce délai est exceptionnellement prolongé s’il y a possession d’état. Dans ce cas, l’enfant peut agir jusqu’à l’expiration de l’année qui suit le décès du père ou de la mère prétendus (même article). Les héretiers n’ont aucun délai, puisqu’ils ne peuvent que suivre une action déjà intentée.

Les délais prévus par l’article 341 b sont délais préfix. Leur expiration entraine déchéance du droit d’agir. Cette déchéance es d’ordre public, et doit être soulevée d’office par le tribunal” (“Traité Elémentaire de Droit Civil Belge”, 2ª edição, 1948, nº 1.169, págs. 1.167 e 1.168).

O direito inglês é igualmente rigoroso. ARTHUR CURTI assim expõe: “le demande doit être introduite par la mère devant le juge du district dans lequel elle réside, soit au cours de la grossesse soit dans l’année qui suit le retour du père, lorsque celui-ci était à l’étranger” (“Manuel de Droit Civil et Commercial Anglais”, vol. I, pág. 100).

Também a Rússia, antes da reforma de 8 de julho de 1944, que aboliu a investigação de paternidade (“Il recherche de la paternité est donc interdite sans aucune restriction, de même qu’une réclamation d’aliments pour l’entretien d’un enfant naturel”), o Código outorgava à mãe, dentro de um ano após o parto, ação de investigação de paternidade (“Traité de Droit Comparé”, de ARMINJON, NOLDE & WOLFF, vol. III, 1952, nº 980).

Abandonando o silêncio do antigo diploma, o moderno Código italiano de 1942 se assemelha, a respeito, ao direito legislado dos demais povos cultos: Seu art. 271 estabelece:

“L’azione por ottenere che sia dichiarata giudizialmente la paternità naturale può essere promossa dal figlio entre i due anni dal raggiungimento della maggiore età o, nel caso indicato dal secondo comma dell’art. 252, dalla data dello scioglimento del matrimonio per effetto della morte del coniuge, se lo scioglimento avviene successivamente al raggiungimento della maggiore età. Se egli muore prima di tale termine, l’azione può essere promossa dai discendenti legittimi di lui. Nei casi preveduti dal n. 2 dell’articolo 269 l’azione può essere promossa anche dopo la scadenza dei termine indicato nel comma precedente, entro i due anni dal giorno in cui è passata in giudicato la sentenza o è stato scoperto il documento contenente la dichiarazione di paternità. L’azione già promossa dal figlio, se egli muore, non può essere proseguita che dai suoi discendenti legittimi”.

Também entre nós, porque não se ligou à ação de filiação ilegítima o necessário atributo de imprescritibilidade, foi proposto o estabelecimento de um prazo prescricional breve, na sessão legislativa de 1928, projeto que teve seu andamento truncado em virtude da alteração da ordem constitucional em 1930 (projeto do deputado HENRIQUE DODSWORTH, substitutivos dos deputados EDUARDO GIRÃO, JOÃO SANTOS e SÉRGIO LORETO, in “Rev. de Jurisprudência Brasileira”, vol. XV, págs. 13 a 32).

Ação de investigação de paternidade e sua imprescritibilidade

Do exposto se verifica a sem-razão dos que estabelecem a necessária correlação entre a ação de investigação de paternidade e sua imprescritibilidade. O direito comparado repele essa conclusão.

Outrossim, já foi acentuado, sendo regra geral a da prescritibilidade das ações, mercê da amplíssima provisão do artigo 179 do Cód. Civil, sòmente havendo expressa disposição em contrário ter-se-á a ação por imprescritível.

A respeito da ação de prova de filiação legítima, por exemplo, a exceção é expressa: “a ação de prova de filiação legítima compete ao filho, enquanto viver…” (art. 350).

Essa ação é imprescritível, porque assim a fêz a lei (CLÓVIS, “Código Civil Comentado”, vol. II, pág. 316), à semelhança, aliás, do direito estrangeiro (Código francês, art. 329; italiano de 1865, art. 178; italiano de 1942, art. 249; Código português, art. 111).

A abonar a lição de PUGLIESE, adotada por M. M. DE SERPA LOPES, segundo a qual “há causas de imprescritibilidade, tanto na classe dos direitos patrimoniais como na dos iura status”, tem-se que a ação de divisão é igualmente imprescritível, mercê de exceção aberta pela lei: “a todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum”, dispõe o art. 629 do Cód. Civil (Código alemão, arts. 749 e 758; italiano de 1865, art. 681; italiano de 1942, art. 1.111; suíço, art. 650).

Destarte, se é certo que, no sistema jurídico brasileiro, o princípio geral é o da prescritibilidade das ações; se é certo que as ações ditas de estado não são necessàriamente imprescritíveis; se é certo que, inexistindo norma especial, a prescrição é de trinta anos, em se tratando de ações não reais: forçoso é concluir que a ação de investigação de paternidade prescreve em trinta anos, contados da data em que o pretenso filho ilegítimo completou dezesseis anos, dado que antes dessa idade não corre prescrição alguma.

Chego à conclusão supra fundado na lei, esclarecido pela lição dos doutores, arrimado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, com amparo no direito comparado.

Se, nos têrmos da consulta, Manuel completou 16 anos em 1922, quando, em 1954, ajuizou contra herdeiros de Edmundo uma ação de investigação de paternidade já a deixara prescrever, e inútil, por extempestivo, é o seu apêlo ao poder jurisdicional do Estado.

E’ o meu parecer, que sujeito à censura dos doutos.

Pôrto Alegre, 20 de abril de 1954. – Paulo Brossard de Sousa Pinto.

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