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CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
TRABALHO
O direito de greve
Revista Forense
23/09/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 154
JULHO-AGOSTO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 153
CRÔNICA
DOUTRINA
- A regulamentação do direito de greve – Carlos Medeiros Silva
- O direito de greve – Seabra Fagundes
- Aspectos constitucionais da greve – Paulo Carneiro Maia
- A greve nos serviços públicos – Moacir Lôbo da Costa
- A greve e seus efeitos no contrato de trabalho – Ildélio Martins
- A greve na Itália e no Brasil – Valdomiro Lôbo da Costa
PARECERES
- Direito de Greve – Regulamentação do Preceito Constitucional – Atividades Privadas – Serviços Públicos, Oscar Saraiva e Alfredo Baltasar da Silveira
- Greve – Tentativa e Instigação – Servidor Público – Insubordinação Grave em Serviço, Carlos Medeiros Silva
- Nacionalidade Brasileira – Opção, Luís Antônio de Andrade
- Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição, Paulo Brossard de Sousa Pinto
- Concessão de Loteria – Incompetência dos Municípios e do Distrito Federal, Ivair Nogueira Itagiba
- Funcionário Público – Diplomata – Promoção – Função Legislativa e Função Administrativa – Atos Vinculados – Poder Regulamentar, Amílcar de Araújo Falcão
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A Regulamentação do Direito de Greve— Geraldo Montedônio Bezerra de Meneses; Délio Barreto de Albuquerque Maranhão; Lúcio Bittencourt, com restrições; Dario Cardoso; Oscar Saraiva; Anor Butler Maciel; Evaristo de Morais Filho
- Dispõe sobre a suspensão ou abandono coletivo do trabalho (*Projeto nº 4.350 – 1954**) — Bilac Pinto
- A interpretação das Leis Fiscais — Georges Morange
- Necessidade de uma lei de Processo Administrativo — Hélio Beltrão
- Conceito de Direito Comparado — Rodrigues de Meréje
- Despedida indireta — Indenizações cabíveis — Henrique Stodieck
- Brigam o vernáculo e o direito — Jorge Alberto Romeiro
- 127° aniversário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil — Hésio Fernandes Pinheiro
- Desembargador Medeiros Júnior
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: A greve na sociedade capitalista. Proibição da greve. Art. 158 da Constituição. Regulamentação do preceito constitucional. Funcionários públicos. Greve com objetivos políticos. Serviços públicos concedidos. Greve e Justiça do Trabalho. As diversas causas da greve. Conclusão.
Sobre o autor
Seabra Fagundes, Advogado no Distrito Federal
DOUTRINA
O direito de greve
A greve na sociedade capitalista
* A greve é um fenômeno peculiar à sociedade capitalista, mas em verdade próprio de tôdas as comunidades, em que uma fôrça poderosa, sem o contraste anormal de outra fôrça, dite e imponha as oportunidades e condições de trabalho.
De que não é fenômeno estritamente peculiar à sociedade capitalista, temos exemplo nas greves suscitadas na Alemanha Ocidental, atualmente sob regime soviético. Mais de uma vez populações operárias da Alemanha Oriental se têm levantado contra as excessivas violências do Estado no comando do trabalho. E é sabido que nos países de organização socialista, em que, portanto, o capital é representado pelo Estado, se não há greve contra o abuso egoísta do lucro em detrimento das possibilidades condignas de trabalho, ela existe contra a prepotência com que se impõe condições de trabalho, seja quanto às jornadas de trabalho, seja quanto à escolha da tarefa a executar, porque a organização policial dêsse Estado é demasiado violenta e não admite a possibilidade de manifestações de tal natureza.
A greve, tendo um fundo geralmente de origem em reivindicações econômicas, pode nascer de outras considerações: políticas, de solidariedade, de ordem moral, etc.
Há o exemplo quase diuturno, nos últimos tempos, da Itália, em que a greve a meúdo é deflagrada com objetivo de demonstrações políticas, greve de horas, às vêzes, apenas para demonstrar a fôrça sindical.
Como fenômeno peculiar à vida na sociedade capitalista e, pois, pelo seu sentido econômico, foi que a incluíram os Estados americanos na Ata de Chapultepec.
A greve nos interessa a nós exatamente como um fenômeno peculiar ao Estado capitalista, porque o nosso é dêsse tipo, e o problema a nós nos interessa em relação a êle.
Os Estados americanos, reunidos em Chapultepec, no México, preconizaram, entre as três condições que incluíram no direito social dos diversos países americanos, a greve, como um direito do operário. O direito de greve passou a ser, então, um dos direitos fundamentais do homem, segundo a concepção panamericana dos direitos do homem.
Até então se lhe opunham muitas reservas, e a Constituição brasileira de 1937 chegou a proscrevê-lo declarando-o (ao lado do lock-out), recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital (artigo 139). Posição que se refletiu na legislação ordinária pela imposição de sanções: Para os empregados: suspensão do emprêgo até seis meses ou dispensa do mesmo, perda de cargo de representação profissional ou suspensão de dois a cinco anos da capacidade de serem eleitos para cargo de representação profissional. Para as associações profissionais responsáveis: cancelamento do registro e multa. Para os administradores, quando o ato de instigação fôsse dêles e não da assembléia, perda do cargo (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 724). Haveria ainda sanções penais (Consolidação, art. 725, § 1º) e a expulsão para o trabalhador estrangeiro (Consolidação, art. 725, § 2º).
Entendeu-se, porém, de tal modo relevante a consagração do direito de greve como um direito do trabalhador e a recomendação da Ata de Chapultepec que, apesar de vedada a greve por texto constitucional e não ratificados os princípios ali consubstanciados por uma lei reformatória da Carta Política, o presidente da República, com um simples decreto-lei – o de nº 9.070, de 15 de março, de 1946 – regulou a suspensão e o abandono coletivo do trabalho, vedando-os nas atividades fundamentais, mas deixando-os livres para as que classificou de acessórias.
Ora, êsse decreto-lei, ao meu ver, na desconsideração da norma constitucional, parece traduzir, subconscientemente, a fôrça inelutável do direito de greve como reivindicação do trabalhador em nosso tempo. Entendeu-se que era tão importante consagrar o direito de greve, que havia possivelmente tal sentimento constrangedor em tôrno da sua supressão, que o presidente da República, inadvertidamente, salvo engano meu (inconstitucionalidade não houve, porque não havia o preceito constitucional), tendo que esbarrar evidentemente num dispositivo da Constituição ainda vigente naquele tempo, que era em 1937, que proibia a greve, no entanto baixou um decreto-lei regulando o exercício do direito de greve. A greve se estava processando e o decreto-lei foi expedido antes para a coibir do que até mesmo para a permitir. Isso demonstra a fôrça inelutável de certos fenômenos contra os quais a lei não pode resistir.
A Constituição brasileira proibia a greve.
A Ata de Chapultepec recomendou aos Estados americanos consagrassem o direito de greve em suas leis sociais. O govêrno brasileiro de então – foi em 1946, quando o presidente DUTRA tinha o poder de baixar decretos-leis, por isso que detinha também o Poder Legislativo – ao invés de dizer que as greves são proibidas, porque havia sanções contra elas, e, portanto, deveriam ser reprimidas, preferiu baixar um decreto-lei contra a Constituição, que proibia a greve.
Estabeleceu-se, então, nesse decreto-lei quais seriam as atividades acessórias em que seria possível a greve e quais as atividades em que não o seria – as atividades fundamentais. Faço estas considerações porque me parecem significar muito como expressão da fôrça inelutável de certos fenômenos sociais.
A greve é um fenômeno social de outros tempos, mas também da nossa época, que se apresenta com enorme impetuosidade e considerável solidez moral. Evidentemente, há restrições a se fazer. A greve é o instrumento único de que se pode socorrer o trabalhador na sociedade em que é considerado hipo-suficiente para uma competição com o detentor do capital. E se exerce de tal modo que tudo se abandona e ela se realiza ao arredio da lei constitucional. Tanto assim que, naquela ocasião, um decreto-lei passou a permitir a greve.
A Constituição vigente incorpora o direito de greve aos direitos públicos subjetivos Constitucionais. No art. 158 diz:
“E’ reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.
Já não cabe, pois, discutir a sua legitimidade ou o seu relêvo, senão aceitá-lo e tirar do texto constitucional, harmonizando-o com a natureza do instituto e o espírito da Carta Política, as conseqüências a que se presta.
O princípio, a regra, a afirmação básica é o reconhecimento de um direito à cessação do trabalho. E, assim sendo, é preciso entender a ressalva – “cujo exercício a lei regulará”, – de sorte a que não exclua do instituto, irremediàvelmente, o exercício do direito de greve. Mas é mister considerar também que onde se fala em direito, se fala, por igual, de submissão a regras, ou melhor, à ordem jurídica.
O direito nunca é abstrato no seu exercício, pois impõe a atuação do titular na sociedade, devendo guardar respeito aos titulares de outros direitos e a condições e circunstâncias de interêsse geral não compatíveis com o ilimitado querer de um indivíduo.
Aí está, por conseguinte, um cânone capaz de, na sua generalidade, ensejar limitações ao direito de greve.
Por outro lado, há uma razão suprema a comandar a aplicação das leis, notadamente as de direito público, que é o bem comum onde o exercício de um direito seja tal que acarrete conflito flagrante e grave com o bem público, – há de haver restrições ao seu titular que permitam conciliar o bem de um com o de todos ou, se indispensável, sacrificar aquêle a êste. E’ outro princípio que abre um caminho às limitações ao direito de greve.
Finalmente, a Constituição mesma instituiu uma Justiça do Trabalho, com o objetivo de dirimir, jurisdicionalmente, os conflitos coletivos (como os individuais) entre empregados e empregadores, inclusive regulando normas e condições de trabalho (art. 123). Havendo um órgão estatal para a dirimação dos conflitos entre empregados e empregadores, não parece simples admitir possam os interessados, sem mais nem menos, ignorá-lo e solver pela ação própria – justiça pelas próprias mãos, que o direito tanto regateia – as suas pretensões.
Comentando a Constituição italiana, onde se instituiu, como na nossa, o direito de greve, mas condicionado à regulamentação pela lei, AMORTH pondera que na concentração do poder jurisdicional do Estado, da capacidade de dirimir os conflitos, representa o direito de greve uma exceção ao monopólio jurisdicional para a dirimação dos conflitos, no plano individual pela Justiça comum, e no plano das relações do trabalho pela Justiça do Trabalho; o direito de greve tem de ser interpretado restritivamente.
Há, portanto, que se aceitar possíveis restrições ao exercício do direito de greve, não sòmente por se lhe impor forma conveniente, como também por se declararem as atividades que o comportam e o repelem.
AMORTH observa que o direito de greve se exercita no âmbito das leis que o regulam, segundo a Constituição, pelo que são de se evitar, através da lei, as greves desvirtuadas, inclusive as políticas, só se admitindo a greve reivindicatória de direitos ou de pretensões injustamente desconhecidas.
Do ponto de vista formal, isto é, do processo de manifestação do direito de greve, que é uma das formas de regulá-lo, tenho a impressão de que algumas providências poderiam e deveriam constar na legislação. Não pude verificar se apareciam no projeto trazido ao nosso conhecimento pelo Dr. CARLOS MEDEIROS SILVA, porque não tenho o original. Mas me parece que entre os requisitos formais limitativos do direito de greve ou disciplinadores dêsse direito, estaria o voto secreto e majoritário do sindicato ou dos empregados da emprêsa em que se tivesse de determinar a greve.
O voto secreto é muito importante porque torna sérias certas manifestações de opinião; e o voto majoritário, tendo-se em consideração a maioria absoluta dentro do operariado do sindicato ou da fábrica, é também relevante, porque evita a greve deflagrada pela pressão da minoria. E isso não constitui nada de constrangedor, porque é apenas chamar a atenção daqueles que querem um pronunciamento dessa ordem, que o tomem de maneira lisa e sem que se possa suspeitar de interferências pelo menos formalmente corruptoras. Outro requisito seria a fiscalização dêsse processo pelo Ministério do Trabalho, pela Justiça do Trabalho ou pelas Procuradorias do Trabalho; também o aviso, talvez, do deliberado ao empregador ou ao Ministério do Trabalho, com intervalo razoável, o que abriria ensejo a debates e à conciliação.
Funcionários públicos
Substancialmente – e êste me parece o ponto mais importante – tenho para mim que a lei poderá e deverá evidentemente excluir de partida a greve dos funcionários públicos.
Primeiro: porque, sendo a greve, como dizia, um fenômeno peculiar à sociedade capitalista e decorrente do desnível que o mecanismo dessa sociedade cria entre a fôrça do trabalho e o poder que retém o capital, parece que quando o detentor do poder, quando o empregador é o Estado, não há lugar para reivindicações no plano em que elas se situam quando o empregador é pessoa privada. O Estado, não tendo o fito de lucro, não tem contra si as suspeitas de egoísmo e de desconhecimento do interêsse do trabalhador, que, tem o empregador privado.
Segundo: a Constituição, quando trata do direito de greve, o situa no capítulo referente à ordem econômica e social; e quando trata dos funcionários públicos, o faz em outro capítulo. A Constituição, ao regular os direitos dos funcionários, não cogita do direito de greve, exatamente porque o direito de greve tem a natureza a que me reportei. Supõe que o trabalhador, contra o Estado, nunca terá que usar dêsse remédio violento que lhe é outorgado contra o empregador privado.
A legitimidade da vedação da lei à greve dos funcionários públicos é transparente, até mesmo do ponto de vista da interpretação literal dos textos.
Pelas mesmas razões por que aquêle que trabalha para o Estado na relação de funcionário não pode fazer a greve contra êle, aquêle que trabalha para o Estado em serviço industrial também não tem as razões de ordem econômica e moral que justificariam o direito de greve, teòricamente. E isso porque é empregado de entidade que não trabalha com o fim de lucro e que, portanto, não atribui ao seu trabalhador condição menos conveniente. Não lha dá pela exploração da mão de obra em favor do capital e, sim, por má gestão do serviço público, cujos meios de correção são outros e relativamente férteis.
Não aludi à continuidade do serviço público como condição de entendimento para o exercício do direito de greve. Apenas, reportando-me aos serviços públicos concedidos, pareceu-me que convinha a referência a êsses serviços industriais, para dizer o meu pensamento em relação a êles. Entendo que a greve não seria possível no caso. Meu pensamento decorre da circunstância de que o empregador, na hipótese, não utiliza o capital com o fito de lucro. O empregado estava diante do Estado. Estamos colocando o problema sob o ponto de vista teórico.
A greve política não foi a greve que a Constituição pretendeu outorgar ao empregado como um direito. A greve que a Constituição tem em vista e que a Ata de Chapultepec recomendou se consignasse como direito do trabalhador, é a greve de fundo econômico, que atende ao fenômeno da desigualdade, próprio do nosso tempo. A greve política é a subversão, é o direito de subversão, outorgado a quem quer que seja, agrupando-se a outras pessoas.
A reivindicação está adstrita ao contrato de trabalho. A greve política é a que vemos na Itália. No Brasil não poderia ser permitida. Não há nada de mais insólito, porque seria intervir na máquina do Estado pela vontade de uma minoria. Neste caso, a greve é puramente política, porque, em têrmos gerais, não tem o objetivo, de combater determinadas medidas. As greves ùltimamente deflagradas na Itália o foram contra atos do Parlamento que aprovaram a escolha de gabinetes ministeriais.
A greve política não está absolutamente autorizada pela nossa Constituição, nem estêve no propósito dos países que se reuniram no México, naquela oportunidade.
Sem dúvida alguma, em serviços industriais do Estado, haverá greves justas, como as haverá justas, também, nos serviços públicos concedidos.. O problema não é saber se a greve é justa do ponto de vista moral. Não pretendo trazer contribuição substancial. Apenas sou obrigado a dizer qual o meu objetivo. Cogita-se de examinar se, constitucionalmente, há possibilidade de proibi-la, sem ferir a Constituição, atendendo-se ao interêsse público e à conveniência de disciplinar, dentro de moldes estritos, embora respeitado o direito de greve, êsse direito constitucional.
Citarei até outro exemplo. Pretendeu-se admitir que os empregados do Estado de Minas Gerais – viação férrea – se declarassem em greve porque o Estado lhes negava o pagamento pontual dos salários, obrigação elementar do empregador, no caso o Estado. Então, no Rio Grande do Norte, onde o funcionalismo ficou com nove meses de atraso em seu pagamento, teria o direito de fazer a greve, porque ela seria justa. Por êste argumento, justificar-se-ia também a greve do funcionário público.
Parece-me que êste argumento não basta. Mostra apenas que o Estado não se encontra à altura da sua missão, ou fica abaixo da missão que lhe é cometida, porque se equipara ao empregador relapso em seus pagamentos. De qualquer forma, êsses fatos não demonstram que, partindo-se de casos excepcionais, se deve incluir na lei a prerrogativa da greve nos serviços públicos, porque ensejaria greves justas como essa, mas também greves de duvidosa justiça.
Tenho a impressão de que, sem que a lei autorize greve em casos como êsses, ela far-se-á e poderá exercer-se dentro da plasticidade que o mecanismo político oferece à situação. Nesse caso, a greve não seria possível. O govêrno convencer-se-ia do seu êrro.
Uma das faculdades do administrador é exatamente abster-se à execução da lei. E’ perigoso dizê-lo no Brasil, porque constitui uma faculdade de uso muitíssimo imprudente. Mas o administrador, inclusive, administra bem quando, às vezes, se abstrai de aplicar a lei e assume a responsabilidade da não aplicação, porque há casos em que essa aplicação é mais contrária ao interêsse do Estado do que a própria aplicação. O certo, porém, é que nem todos os administradores o fazem na justa medida. Muitas vêzes o administrador age melhor sem aplicar a lei do que aplicando-a. A aplicação se apresenta como iníqua, como no caso da greve da Rêde Mineira de Viação. Havendo interpretação que se prestava a tê-la como proibida, no entanto o que o govêrno mineiro fêz foi pagar aos empregados, o que era o objetivo da greve.
Os serviços industriais são outra coisa que não os serviços públicos pròpriamente ditos. Nos serviços públicos se tem como essencial que êles se dignem como tais. E assim deve ser porque são essenciais à vida da coletividade. E o Estado os chama a si exatamente para assegurar sua continuidade e execução satisfatória.
Ora, a natureza dêsses serviços é incompatível com a greve. Pelo mesmo motivo de que o Estado aí é o empresário, ela não será possível. De modo que o argumento da continuidade vem mais, como dissemos, para o campo dos serviços públicos concedidos, que ao meu, ver é o mais importante, porque são, então, emprêsas particulares no exercício de atividade lucrativa, gerindo determinado serviço público.
Passo, portanto, para êsse campo do serviço público concedido. Embora executado indiretamente, êle continua como serviço do Estado. Apenas por uma conveniência de ordem prática, o Estado o delega a emprêsa particular. Na verdade, é serviço do Estado e não perde por isso seu caráter de essencial e necessariamente contínuo. E êste caráter torna incompatível a prestação do serviço com a sua suspensão por ato coletivo dos trabalhadores.
O problema, aí, é extremamente controvertido. A muitos se afigura que, uma vez a emprêsa particular ou o empregador particular assumindo a gestão do serviço, o eixo das relações se desloca para o plano do empregador pessoa privada e empregado também pessoa privada, impondo ou pondo as reivindicações na dependência da greve, ou pelo menos autorizando a greve para torná-las efetivas.
Uma das autoridades mais valiosas no nosso Direito, no particular, o Prof. ORLANDO GOMES, entende que a greve no serviço público concedido não pode ser vedada pela legislação que vier a disciplinar o art. 158 da Constituição. Não penso assim. Acho que, havendo, como há, uma hierarquia de valores, e sendo o serviço público concedido e do mesmo modo diretamente executado, essencial por sua natureza, autorizar a greve nesse serviço é superpor o interêsse menor ao interêsse maior e em condições às vêzes as mais dramáticas.
Admitamos, por exemplo, que o serviço de águas de uma cidade entre em greve. É uma calamidade. O mesmo ocorrerá com a greve no serviço de transportes urbanos, de energia elétrica, em virtude da qual se paralisam centenas de atividades essenciais. O serviço de abastecimento d’água parece o mais fundamental de qualquer coletividade. Não é possível pretender-se superpor o interêsse de uma comunidade menor, por mais importante que seja, ao de uma comunidade maior, como a população de uma cidade. Houve no Estado do Rio Grande do Norte uma greve do serviço de águas em 1934 ou 1935. A situação extremamente dramática só se atenuou porque os grevistas resolveram conceder pequeno horário por dia para que não cessasse de todo o abastecimento. Era o mínimo de trabalho. Se assim não fôsse, a greve teria sido uma calamidade.
Greve e Justiça do Trabalho
No ponto que passo a abordar, não me coloco bem ao lado do Dr. CARLOS MEDEIROS, senão do Prof. TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI. Entendo que a existência da Justiça do Trabalho não deve ser impedimento, em princípio, à suscitação da greve, porque a greve foi posta na Constituição como direito do trabalho. Haverá, antes, uma opção. O trabalhador opta, no caso em que a greve é permitida pela regulamentação, entre recorrer à Justiça do Trabalho e à greve. Se o trabalhador vai à Justiça, ajuíza o dissídio, renuncia ao direito à greve. E com mais razão acho que, uma vez proferida a sentença pela Justiça do Trabalho, por mais contrária que possa ser às pretensões dos empregados que ajuizaram o dissídio coletivo, será impossível deflagrar a greve contra essa decisão, porque, então, a greve será a subversão das subversões.
Não me impressiono tanto com a natureza da coisa julgada na Justiça trabalhista, mas com a subversão contra as autoridades do Estado que decidiram através do órgão próprio. A Justiça assim decidiu porque lhe foi pedido que decidisse. Não cabe rebeldia contra essa decisão. Ou se admite que a decisão da Justiça do Trabalho, satisfatória ou não, veda a greve, ou então a Justiça do Trabalho não tem significação no conjunto das coisas para dirimir os dissídios coletivos.
O problema da coisa julgada não me impressiona muito, porque a Justiça do Trabalho, em suas sentenças, tem feitio peculiar. A solução dos dissídios pode ser estendida a outras categorias de empregados, a grupos afins, o que já vem demonstrar a distinção entre a sentença do direito comum e a sentença do direito do trabalho. Por outro lado, a sentença torna-se uma norma, em vez de ser apenas uma solução. A coisa julgada equipara-se à lei, mas, ao mesmo tempo, comporta revisões e modificações pela superveniência de circunstâncias. Enfim, êste não é o ponto essencial.
A greve política, a que me reportei, incidentemente, pode ser vedada pela lei, como qualquer outra greve, inclusive a de solidariedade, a deflagrada por motivos emocionais, entre outras que não sejam de fundo econômico. Isto não quer dizer que não haja greve desta natureza justa do ponto de vista moral. A greve de solidariedade é muitas vêzes justíssima. Um operário sofre tal violência que se impõe à solidariedade de seus companheiros. Da mesma forma a greve emocional, que poderia assumir o aspecto de greve de solidariedade, em face de situação delicadíssima. São tôdas greves perfeitamente defensáveis sob o ponto de vista moral, mas não me parece que sejam aquelas que a Constituição pretendeu admitir. O legislador poderia, porque não está adstrito à greve de natureza econômica, ir mais longe. Poderia mesmo criar o direito de greve se a Constituição não o instituísse.
Acho difícil que certas greves tenham o aspecto econômico. O assassínio do operário pelo patrão, na fábrica, pode determinar uma greve de solidariedade, que, entretanto, não será uma greve econômica. Não me parece fácil dizer se a greve, nesse caso, é legítima, porque então legitimaremos a subversão. Se formos por êsse caminho, teremos que resolver o assunto mediante exemplos.
A lei suporá que a greve legítima é a greve econômica, pela disciplina que ela der ao direito de greve. Porque admitirmos o direito de greve como repulsa, por exemplo, à violência física ou moral do patrão, termos que, pelo menos, imaginar outros processos de reação coletiva. Tanto um grupo como outro teria direito à reação coletiva. A reação coletiva seria reconhecida como um direito. E isso não é reconhecido por nenhuma lei penal. Teríamos que criar inúmeras formas de reação coletiva.
A lei terá que dizer que a greve se destinará a reivindicar condições de trabalho, ou que o objetivo da greve seria êste. Talvez haja expressão mais feliz. Mas é êste o meu pensamento. Tudo que não fôsse reivindicar condições de trabalho, escaparia ao âmbito da greve.
Muitos fatos, como o homicídio, podem ser moralmente justificados. Mas a lei não enumera êsses casos. Ela configura, por exemplo, a legítima defesa. E há muitos outros casos de homicídio legítimo.
O Prof. APARÍCIO MENDEZ pronunciou-se sôbre o direito de greve em face da Constituição uruguaia. Entende que deve ser vedado em se tratando de serviços públicos impróprios, que são os serviços que o Estado regulamenta, mas não exerce nem concede. Digamos – o serviço de táxis. O govêrno o regulamenta, mas deixa que terceiros o exerçam. Não o concede nem o exerce. Acha que aí também se deve proibir o exercício da greve. Parece que até aí não seria possível chegar, porque então seria suprimir a greve em quase todos os campos, porquanto os serviços regulamentados são muitos. Nesses campos parece que a solução é o Estado intervir, mas transitòriamente, isto é, para vencer a conjuntura. O Estado muitas vêzes não está aparelhado, ou, se está, não tem eficiência na sua intervenção, ou não intervém, como aconteceu aqui recentemente, no caso da greve dos ônibus. O Estado pode intervir. Não só a lei que regula o direito de greve poderá prever a intervenção em certos casos, como a própria lei atual que instituiu a COFAP prevê a intervenção para assegurar a continuidade do serviço público quando se torne necessário. Um dos casos seria êste. O que o Estado fará aí, em vez de proibir a greve, será intervir. O Estado, em vez de proibir a greve, intervirá, mediante processos laterais, como prestando o serviço com os meios de que dispuser, ou, a exemplo do que se fêz nos Estados Unidos, convocando o pessoal grevista a servir sob a gestão do Estado. Tenho dúvidas sôbre se isso seria possível. Mas, na verdade, o Estado não frustraria por inteiro o direito de greve assim procedendo, porque deixaria o empregador à margem da direção da sua emprêsa. O empregador permaneceria com o interêsse de recuperar essa direção e se veria premido pela greve a se compor com seus empregados.
O problema de definir o que seja serviço público e serviço público concedido é gravíssimo.
O serviço de táxis pode ser exercido por quem quer que seja, ao passo que o serviço de ônibus só pode ser exercido por prestadores, em número certo, com zonas e itinerários determinados, desenvolvimento devidamente previsto, tarifas estabelecidas, etc.
Terminaria por dizer que, no estado de sítio, a greve poderia ser vedada por inteiro, porque o estado de sítio assume o aspecto de comoção intestina grave, com o caráter de guerra civil, ou melhor, quando o estado de sítio existe devido a essas circunstâncias de comoção intestina grave ou de guerra civil ou guerra externa, o ato que declara o estado de sítio, declara quais as garantias constitucionais em vigor. Excluindo o direito de greve do meio dessas garantias, a greve estará vedada.
__________________
Notas:
* N. da R.: Observações feitas perante os membros do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, em março de 1954.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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