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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
DIREITO COMPARADO
REVISTA FORENSE
A greve nos serviços públicos
Revista Forense
27/09/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 154
JULHO-AGOSTO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 153
CRÔNICA
DOUTRINA
- A regulamentação do direito de greve – Carlos Medeiros Silva
- O direito de greve – Seabra Fagundes
- Aspectos constitucionais da greve – Paulo Carneiro Maia
- A greve nos serviços públicos – Moacir Lôbo da Costa
- A greve e seus efeitos no contrato de trabalho – Ildélio Martins
- A greve na Itália e no Brasil – Valdomiro Lôbo da Costa
PARECERES
- Direito de Greve – Regulamentação do Preceito Constitucional – Atividades Privadas – Serviços Públicos, Oscar Saraiva e Alfredo Baltasar da Silveira
- Greve – Tentativa e Instigação – Servidor Público – Insubordinação Grave em Serviço, Carlos Medeiros Silva
- Nacionalidade Brasileira – Opção, Luís Antônio de Andrade
- Ação de Investigação de Paternidade Ilegítima – Prescrição, Paulo Brossard de Sousa Pinto
- Concessão de Loteria – Incompetência dos Municípios e do Distrito Federal, Ivair Nogueira Itagiba
- Funcionário Público – Diplomata – Promoção – Função Legislativa e Função Administrativa – Atos Vinculados – Poder Regulamentar, Amílcar de Araújo Falcão
NOTAS E COMENTÁRIOS
- A Regulamentação do Direito de Greve— Geraldo Montedônio Bezerra de Meneses; Délio Barreto de Albuquerque Maranhão; Lúcio Bittencourt, com restrições; Dario Cardoso; Oscar Saraiva; Anor Butler Maciel; Evaristo de Morais Filho
- Dispõe sobre a suspensão ou abandono coletivo do trabalho (*Projeto nº 4.350 – 1954**) — Bilac Pinto
- A interpretação das Leis Fiscais — Georges Morange
- Necessidade de uma lei de Processo Administrativo — Hélio Beltrão
- Conceito de Direito Comparado — Rodrigues de Meréje
- Despedida indireta — Indenizações cabíveis — Henrique Stodieck
- Brigam o vernáculo e o direito — Jorge Alberto Romeiro
- 127° aniversário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil — Hésio Fernandes Pinheiro
- Desembargador Medeiros Júnior
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: O art. 158 da Constituição. Reação democrática e socialista. Conteúdo do direito de greve. A guerra e a greve. Solução jurisdicional dos conflitos coletivos de trabalho. Regulamentação por lei ordinária do texto constitucional. Greves com objetivos políticos. A greve nos serviços públicos. Legislação comparada. Restrições geralmente admitidas. A posição dos funcionários públicos perante o Estado. Vedação da greve. Empregados de emprêsas concessionárias de serviços públicos. A jurisprudência dos tribunais. A defesa do interêsse público. Conclusão.
Sobre o autor
Moacir Lôbo da Costa, Advogado em São Paulo
DOUTRINA
A greve nos serviços públicos
O art. 158 da Constituição
1. O art. 158 da Constituição federal de 1946 dispõe:
“E reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”.
Êsse dispositivo, como é sabido, foi inspirado na recomendação constante da alínea g do nº 1 do item XVIII da Declaração dos princípios sociais da América, da Ata de Chapultepec, lavrada por ocasião da Conferência Interamericana sôbre os problemas da guerra e da paz, que se reuniu no México, em fevereiro de 1945, e da qual o Brasil participou.1
A recomendação é a seguinte: “Las Naciones americanas reiteran la necesidad de retificar los princípios consagrados en las diversas Conferencias Internacionales del Trabajo y expresar su deseo de que esas normas del Derecho Social, inspiradas en elevadas razones de humanidad y justicia, sean incorporadas a la legislación de todas las Naciones del Continente. Recomendan: 1º Considerar de interés publico internacional la expedición en todas las Repúblicas americanas, de una legislación federal que proteja a la población trabajadora e consigne garantias y derechos en escala no inferior a la señalada en las convenciones y recomendaciones de la Organización Internacional del Trabajo cuando menos sobre los siguientes puntos: … g) Reconocimiento del derecho de asociación de los trabajadores, del contrato coletivo y del derecho de huelga”.2
Mas, como já foi pôsto em relêvo pelo Prof. CESARINO JÚNIOR, essa recomendação expressava o desejo das Nações participantes da Conferência de que aquêles preceitos do direito social fôssem incorporados à legislação de tôdas as Repúblicas americanas;3 contudo, e como é óbvio, dessa recomendação não decorreu para as Nações signatárias da Ata a dever de erigi-los em garantia constitucional.
Não se fêz, na Ata, qualquer alusão à forma da incorporação daqueles preceitos à legislação das Nações do Continente; o que se recomendou foi a expedição de uma legislação social para proteger a classe trabalhadora e que consigne as garantias e direitos assinalados nas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, ao menos quanto ao reconhecimento do direito de associação, o contrato coletivo e o direito de greve. Para estar de acôrdo com a recomendação, bastava o acolhimento dêsses preceitos em lei ordinária.
No que diz respeito ao direito de greve, sua consagração como postulado constitucional foi demasia injustificada. Tanto assim que os norte-americanos, que foram, sabidamente, os inspiradores e promotores da Conferência, não se deram ao trabalho de promover a votação de uma emenda para incorporar o direito de greve ao texto de sua Constituição.
É que, mestres em direito publico e zelando pela intangibilidade dos princípios contidos em sua Magna Carta, os juristas norte-americanos compreenderam que o reconhecimento do direito de greve era matéria de legislação ordinária e não uma declaração de princípios que devesse figurar no corpo da Constituição. E assim é, com efeito.
Pela instabilidade de seu conteúdo econômico-social, e, principalmente, pelo revestimento político que, hoje em dia, compromete e desvirtua a finalidade da greve como meio de reivindicação de interêsses dos trabalhadores, o reconhecimento do direito de greve devia ter sido deixado à lei ordinária.
A sua inscrição no quadro das garantias constitucionais veio criar o problema, de dificílima solução, da regulamentação do exercício dêsse direito que, por não ser absoluto e pelos perigos que acarreta o seu uso a degenerar em abuso, deve ficar subordinado à estrita observância das normas regulamentares.
Sôbre êsse relevante aspecto do problema, o ilustre Prof. ORLANDO COMES teceu algumas lúcidas e ponderadas observações, que pedimos vênia para transcrever: “En efecto, puédese aceptar la huelga como hecho lícito, y negarse la propiedad de su reconocimiento, como derecho constitucional. La resistencia a su constitucionalización puede apoyarse en ponderables argumentos del más variado orden. Así es que, la huelga jamás puede ser admitida como derecho absoluto, porque todo derecho es necesariamente relativo y ninguna ley puede galvanizar el abuso, principalmente en una facultad que está sujeta, por su propia naturaleza, a excesos y desviaciones, de tal modo posibles o probables, que se torna extremadamente difícil determinar el punto exacto donde cesa el uso y comienza el abuso. Además de eso, el ejercicio del derecho es de tal modo inseparable de su substancia, que su concepción abstracta es casi imposible. El reconocimiento puro y simple del derecho de huelga en una Constitución impediría, para algunos, toda y cualquier reglamentación. Pero, una Constitución no puede reglamentarlo. Ni asímismo trazarle límites generales, dentro de los cuales deba ser ejercido. Ahora bien, si el reconocimiento de su existencia como derecho obliga a la immediata reglamentación, claro es que no debe ser hecho en el texto constitucional.
Es cierto, que la propia Constitución, como ocurre entre nosotros, puede deferir la reglamentación a la ley ordinaria. Pero, ni asi la cuestión estaría solucionada, por cuanto la reglamentación del ejercicio del derecho de huelga, reconocido por la Constitución, importa su limitación o restricción, ineludiblemente. De esta manera toda restricción ha de ser considerada como inconstitucional, porque la ley ordinaria no puede restringir lo que la Constitución no limitó. Una ley que prohibiese la huelga de los empleados en los servicios públicos, o en algunos de éstos, como lo hace el decreto-ley 9070, sería inconstitucional, por eso que, distinguiendo donde la Constitución no distingue, se estaría privando a una categoría de trabajadores de un derecho constitucionalmente asegurado a todos. Entretanto, esa prohibición podría estar insertada en una ley ordinaria como una de las tantas limitaciones dictadas por el interés social, si ésta no estuviese subordinada a la ley constitucional rígida.
És indudable, pues, que si la constitucionalización de la huelga presenta la ventaja insubstituible de impedir que ese derecho fluctue al vaivén de las conveniencias momentáneas, que podrían determinar hasta su supresión, por otro lado, ofrece inconvenientes, dentro de los cuales por su mayor relevancia, merece destacarse la dificultad que importa su reglamentación”.4
Não é outra a opinião do Prof. SAMPAIO DÓRIA.
Assentando que o direito de greve nem chega, pròpriamente, a ser um princípio de garantia constitucional, como a liberdade de pensamento, o direito de reunião, a providência do habeas corpus, mas, que se trata de um direito que lembra a legítima defesa, acrescentou: “Não teria, porém, justificativa inserir, na Constituição, como princípio constitucional, a legítima defesa, matéria de lei ordinária, pôsto implícita em princípios constitucionais. Da mesma forma o direito de greve”.5
A constitucionalização do direito de greve acarretou, também, o gravíssimo inconveniente de ordem técnico-jurídica de proclamar o reconhecimento de um direito, cuja existência, como tal, ainda não está pacìficamente admitida na doutrina, em face das autorizadas opiniões de DUGUIT, CARNELUTTI, RIVERO, DE FERRARI e outros, que, baseados em argumentos de pêso, negam que o recurso à greve, mesmo quando permitido, possa constituir, verdadeiramente, um direito da classe operária. Voltaremos a examinar êsse ponto, em outro passo da dissertação.
Reação democrática socialista
2. Na verdade, o que determinou a inclusão do direito de greve entre as garantias constitucionais foi a reação da antítese democrática à tese fascista, que o Prof. ORLANDO GOMES apreendeu com rara acuidade6 e o Prof. CESARINO JÚNIOR descreveu como aplicação da lei pendular da história.7
Com a vitória das armas aliadas, saímos do ambiente confinado das limitações ditatoriais para o campo oxigenado das liberdades democráticas. E, no afã de restaurar os direitos que a ditadura espezinhara, recompondo o quadro das garantias constitucionais, a greve, que a Carta outorgada em 1937 condenara como recurso ante-social, passou a figurar; como um direito, na Constituição de 46.
“Cerrado el capítulo de la dictadura”, – escreveu o Prof. ORLANDO GOMES, “después de la derrota internacional del fascismo, el impulso para la democratización del país marcó ese movimiento con el sello dialéctico. Toda afirmación del régimen dictatorial en que se transparentase la marca de su origen fascista o pro-fascista fué categòricamente rechazada, porque toda antíteses a las instituciones típicas del régimen político-social eliminado fué considerada, como es natural, en esos momentos, como afirmación democrática. La incorporación, en la Constitución vigente, del precepto que reconoce a la huelga como derecho es, en última instancia, una reacción dialéctica contra la disposición de la Carta del 37, que la reputaba un recurso antisocial”.8
Ao que informa o abalizado MARCO TULLIO ZANZUCCHI,9 a declaração do direito de greve feita no art. 40 da Constituição da República Italiana, de 1947, foi, também, fruto do desejo de fazer e dizer alguma coisa diferente e contrária ao que, bem ou mal, era dito ou feito no regime deposto.
Antítese democrática à tese fascista da Carta del Lavoro, que condenava a greve. Todavia, não faltaria, à verdade o observador que dissesse andar nessa reação democrática muito das tendências socializantes que se têm feito sentir na evolução do direito contemporâneo.
A antítese terá sido mais socialista que pròpriamente democrática, como é fácil de apurar dos debates travados nas Assembléias Constituintes do Brasil, da Itália e da França, onde o fenômeno ocorreu igualmente.10
O govêrno de Vichy, de molde tipicamente fascista, proibira a greve, através da Charte du Travail; a Constituição democrática de 1946, votada após a libertação, consigna no Preâmbulo, destinado “a reafirmar solenemente os direitos e as liberdades do homem e do cidadão consagrados pela Declaração dos Direitos de 1789”, que o direito de greve se exerce no quadro das leis que o regulamentem.
A constitucionalização da greve, cujo exercício regular o direito francês, anterior à ocupação, permitia como ato lícito e que, durante esta, fôra proibido pela legislação ditada de acôrdo com o figurino hitlerista, decorreu, também, do movimento dialético assinalado por ORLANDO GOMES.
Conteúdo do direito de greve
3. Mas, existe, verdadeiramente, um direito de greve? A greve nada mais é que um fato social coletivo, ou seja, a paralisação coletiva e concertada do trabalho, pelos trabalhadores, como meio de reivindicação de interêsses, através da coação exercida sôbre o empregador, o público ou o próprio Estado.
A greve decorre, sempre, de um conflito de interêsses. Todavia, os interêsses que podem levar os trabalhadores à greve são os mais variados e se agrupam nas seguintes categorias, geralmente adotadas pelos tratadistas: interêsses profissionais, econômicos e políticos.
Manifestado o conflito de interêsses entre os trabalhadores, coletivamente, e o empregador ou o Estado, a greve é a arma de que lançam mão para forçar a parte contrária a ceder e resolver o conflito no sentido da satisfação dos interêsses pleiteados.
É, assim, uma via de fato, que se caracteriza pelo exercício arbitrário das próprias razões, a fim de conseguir pela fôrça o que se não pôde obter por outros meios.
Vista, por êste aspecto, a greve revela íntima semelhança com a guerra, o que tem sido pôsto em relêvo por vários escritores.11
A guerra é a ultima ratio das nações para o prevalecimento de seus interêsses, habitualmente encobertos sob o rótulo de direitos, em que a vitória contempla ao mais forte e não ao mais justo.
Na solução dos conflitos internacionais pela guerra, o direito é substituído pela violência e a razão pelas armas. Vence quem dispuser de armas mais poderosas e não quem tiver mais razão.
É um contra-senso falar-se em direito de guerra, eis que a característica desse flagelo dos povos é, precisamente, a sua antijuridicidade.
Se a guerra é a violação do direito pela fôrça, a negação brutal da ordem jurídica, carece de sentido e de conteúdo a expressão direito de guerra, que importaria o reconhecimento de um direito para negar e destruir o próprio direito.
A guerra é um mal inelutável, no estádio de civilização e de cultura jurídica em que vivemos, como consectário do primado da soberania absoluta das nações.
Na falta de uma autoridade internacional com poderes para decidir os conflitos entre as nações e fôrça suficiente para impor o respeito e cumprimento de suas decisões, a guerra persistirá como recurso extremo para a solução dos conflitos, quando as negociações e os tratados tenham se tornado insuficientes.
A guerra, então, poderá ser lícita e justa. O que distingue a guerra justa é o fim a que se visa obter, embora por meio da violência. Se êsse fim coincide com o que seria o resultado de um julgamento, caso existisse um poder judicante para decidir o conflito, a guerra será justa e o seu emprêgo lícito.
Mesmo assim, não se poderá conceituá-la como um direito, porque, embora lícito, será, sempre, um fato antijurídico, contrário ao direito; e o ordenamento jurídico não se compadece com a existência de direito contra direito.
Ora, o grande objetivo do direito internacional contemporâneo é a criação de um poder judiciário supranacional capaz de resolver os litígios entre as nações, tornando coercitivamente obrigatório o cumprimento do julgado pelos litigantes.
Um tribunal com jurisdição sôbre tôdas as nações civilizadas e competência para conhecer e decidir os conflitos que, geralmente, conduzem à guerra, dotados dos necessários poderes para impor o cumprimento de suas decisões, até pela fôrça, se necessário.
Enquanto êsse ideal não se tornar uma realidade, debalde lutarão os juristas e os moralistas por banir o espectro da guerra do seio das nações – cedant arma togae. Assim, também, a greve.
A greve é um ato de legítima defesa coletiva, ou grupal, como a guerra é uma legítima defesa nacional.
É óbvio que nos referimos à guerra justa, de que trata o art. 4º da Constituição federal.
A guerra, como a greve e a legítima defesa pessoal, são resquícios do costume bárbaro de fazer justiça pelas próprias mãos. Vias de fato, que o ordenamento jurídico tolera e justifica, para suprir as deficiências do Estado em matéria de justiça e segurança pessoal.
“Quando a segurança policial falha, o indivíduo, atacado, defende-se por si mesmo. Mas, se a polícia acode, com eficiência e a tempo, já ninguém pode fazer justiça por suas próprias mãos”.12
O mesmo é de se dizer do fato social da greve.
“Sempre que o Estado, por incúria, ou aliança com o capitalismo, não assegure nos contratos de trabalho condições de igualdade entre o empregado e o empregador, no exercício por ambos da liberdade de contrato, o forte explora o fraco. Como há de êste reivindicar o que é legìtimamente seu, quando o Estado falhe, indiferente ou conivente, senão recorrendo às greves? A greve é, então, como a legítima defesa, um princípio de direito, para suprir as deficiências do Estado, em matéria de contrato de trabalho”.13
A greve, como recurso violento para solução dos conflitos de interêsse entre o capital e o trabalho, impõe ao estado de direito a busca de um meio jurídico capaz de substituí-la com eficiência.
Tal como para a guerra, a solução ideal consistirá na criação de um órgão jurisdicional destinado a decidir os conflitos coletivos do trabalho, da mesma forma como os tribunais decidem, normalmente, as várias questões e controvérsias jurídicas e econômicas que surgem quotidianamente no comércio entre os homens, uma vez que o ideal de suprimir as causas do conflito é simplesmente utópico.
Propugnando pela solução jurisdicional, escreveu MÁRIO DEVEALI, antigo professor na Universidade de Roma:
“No nos ocultamos las dificultades que presenta la constitución de un órgano de esta clase, que debe gozar suficiente independencia frente al Poder Ejecutivo e interpretar al mismo tiempo las aspiraciones sociales y las posibilidades economicas de cada país y en cada momento. Pero, aun admitiendo que las decisiones de ese órgano no sean perfectas, no cabe duda de que ellas estarán más cerca del ideal de justicia que las soluciones a que podría ilegarse mediante la huelga o el cierre, o sea, mediante una lucha en que prevalece, no el derecho o la justicia, sino la fuerza y únicamente la fuerza.
Donde existe un órgano de esta naturaleza, no puede ya hablarse de derecho de huelga. Los confictos colectivos del trabajo – a la par de todos los otros conflictos – deberán ser decididos por el órgano investido de la jurisdicción correspondiente. La declaración de la huelga tendría pues el mismo alcance que el hecha de hacerce justicia por si mismo: hecho que es condenado, tanto por el derecho privado como por las leyes penales de todos dos países civilizados.
El problema de la huelga puede pues presentarse sólo en los países en los cuales no existe todavía un órgano encargado de decidir los conflictos coletivos. En tales casos, no puede prohibirse la huelga, tal como no puede negarse el derecho de hacerse justicia por la propia mano en los países o en los momentos en que no existe o no funciona la organización judicial del Estado”.14
A circunstância do ordenamento jurídico permitir o recurso à greve, e inscrevê-la como garantia legal e, mesmo, constitucional, não importa, necessàriamente, o seu reconhecimento como direito.
A Constituição federal prevê, também, como ultima ratio, o recurso à guerra, se não couber ou se malograr o recurso ao arbitramento ou aos meios pacíficos de solução do conflito, regulados por órgão internacional de segurança (art. 4º), sem que essa declaração envolva o reconhecimento ou constitucionalização do direito de guerra.
A greve não é um direito porque, ainda quando autorizada legalmente, não perde a sua característica antijurídica de via de fato.
É preciso atentar para o exato significado da expressão antijurídica, a fim de se evitar malentendidos. Antijurídico não quer dizer ilícito nem ilegal, mas, contrário à ordem jurídica.
O homicídio é sempre um ato antijurídico, muito embora o homicida, que age em legítima defesa ou em estado de necessidade, esteja ao abrigo de qualquer penalidade e o seu ato não seja considerado crime pelo Cód Penal. Ninguém poderá pretender que, dessa forma, o Cód. Penal tenha reconhecido o direito de matar…
É o que se dá com a greve, justa pela sua finalidade e lícita por se amoldar às prescrições da lei, será sempre um meio de se fazer justiça pelas próprias mãos, de conseguir pela coação e pela violência o que se não pôde obter por convenção.
Já que o direito é o instrumento da paz na sociedade dos homens como na das nações, no sentido de buscar soluções jurídicas para os conflitos, a greve e a guerra, como soluções de fôrça, importam a negação do direito.
Direito de greve e direito de guerra, escreveu CARNELUTTI, têm o mesmo valor, e essa fórmula contém uma contraditio in adiecto,15 ou, como disse A. GALLART FOLCH, “constitui verdadeiramente o direito do antijurídico”.16
Afinal, em última análise, em que consistiria o direito de greve?
No direito de interromper a prestação do trabalho, isto é, no direito de não trabalhar. Mas, se o trabalhador está vinculado por um contrato de trabalho, como reconhecer-lhe um direito ao não cumprimento do contrato? E, depois, se “o trabalho é obrigação social” (Constituição, art. 145, parág. único), como conciliar essa obrigação com o direito de a descumprir?17
Existindo um órgão jurisdicional competente para dirimir os conflitos coletivos do trabalho (Constituição, arts. 94, V, e 123), o reconhecimento do direito de greve não implica uma restrição à competência daquele órgão do Poder Judiciário, exatamente sôbre o conflito de maior relevância e gravidade, na esfera trabalhista, e para cuja solução tal órgão devia ter sido, precìpuamente, criado, segundo a boa doutrina?18
A greve, como não se pode negar, acarreta, sempre, lesão de direitos, individuais ou coletivos. Tornando-a um direito, a Constituição, incoerentemente excluiu da apreciação do Poder Judiciário as lesões de direitos que ocasionar – qui jure suo utitur, neminem laedit – contrariando a norma do art. 141, § 4º.
Estas são, em resumo, as objeções levantadas contra o reconhecimento de um direito de greve, que, segundo A. GALLART FOLCH, “constitui um verdadeiro paradoxo jurídico”.19
Aqueles juristas açodados no proclamar o reconhecimento do direito de greve, aconselhamos a leitura das páginas em que DUGUIT,20 CARNELUTTI21 e DE FERRARI22 demonstraram, desenganadamente, a inexistência dêsse pseudodireito.
É bem de ver que a negação do direito não impede o reconhecimento da greve como fato lícito, pois, já dizia PAULO, “nom omne quod licet honestum est”.
Como ficou acentuado, a contrario sensu, a inexistência de crime, no homicídio praticado em legítima defesa, não induz o reconhecimento do direito de matar.
História da greve
A história da greve, como fato social coletivo, nos revela as sucessivas mudanças de tratamento que lhe tem sido dispensado pelo ordenamento legal, as etapas que percorreu, desde sua situação como delito, passando pela aceitação do seu exercício como ato lícito, até a declaração constitucional do seu reconhecimento como um direito. E, aqui, fazemos nossas estas expressivas considerações de FRANCISCO DE FERRAM, eminente professor da Universidade de Montevidéu: “El reconocimiento de la huelga como derecho, fué, seguramente, un error similar ai que se cometió declarándola delito. Habría bastado la simple derogación de la legislación represiva ya que la huelga ni era un derecho como se pretendia ni, teniendo en cuenta su naturaleza, podría ser considerada un delito. En un momento en que se empieza a haver justicia al trabajador fué puramente declamatorio decir que la huelga era un derecho.
Seguramente, la inestabilidad de este instituto, las dudas que siempre ha suscitado, las vacilaciones de la legislación y de la doctrina, se deben en gran parte a las dificultades que creó tal declaración”.23
Dúvidas e vacilações que CARNELUTTI expôs com mestria no ensaio sugestivo título “Diritto o delitto di sciopero?”24
Com efeito, a greve não é nem um direito individual do trabalhador, nem um direito gremial ou coletivo dos trabalhadores como classe, mas, também, não é um delito; é, apenas, um fato social coletivo, que o ordenamento jurídico reconhece, o exercício, pelos trabalhadores, de uma faculdade, que a lei deve regular.
É preciso, porém, não confundir direito com faculdade, nem esta com a forma lícita de seu exercício. Não se pode dizer que o modo de exercer um direito, ou, mais concretamente, o exercício de um direito, seja, por sua vez, um direito.
Quando se produz o exercício concertado do direito de não trabalhar, se chama, indevidamente, a êsse fato direito de greve, porém, a greve, como se vê, não é um direito, senão o modo de exercê-lo.
Na exata conceituação de COUTURE25 e ALCALÁ ZAMORA Y CASTILLO,26 a greve é, em si mesma, um fenômeno de autotutela.
“A confusão”, escreve DE FERRARI, “entre a faculdade e a forma de exercê-la explica por que êste suposto direito de greve, ao revés do ocorrido com os demais direitos, tenha sido, sucessivamente, negado e reconhecido como direito e como delito”. Assim, “admitir ou suprimir em têrmos gerais a greve como um fato, pode em certas circunstâncias corresponder a uma necessidade momentânea, porém, admitir ou suprimir em têrmos gerais o direito de greve, carece jurìdicamente de sentido em todos os casos”.27
Ao finalizar esta primeira parte da dissertação, podemos concluir que a declaração de reconhecimento do direito de greve, feita no art. 158 da Constituição, é mais declamatória que jurídica e resulta da confusão entre direito e o exercício lícito da greve.
Regulação do exercício do Direito de greve
6. A Constituição delegou ao legislador ordinário a delicada tarefa de regular o exercício do direito de greve. De onde as duas conclusões lógicas e autorizadas que se há de tirar do texto: primeira, que o dispositivo não é autoaplicável – self acting, da técnica constitucional norte-americana; segunda, que o direito consagrado, à maneira de princípio constitucional, não é absoluto, mas subordinado às regras que a lei editar para o seu exercício.
No Brasil, assim como na Itália e na França, os constituintes partidários da extrema esquerda desenvolveram todos os seus esforços para que o reconhecimento do direito de greve constasse de uma fórmula ampla e independente de regulamentação, assim: “é reconhecido o direito de greve”, “tout court”.
Venceu o bom-senso, aqui e lá. O exercício do direito de greve será regula do por lei.28
Dessa forma ficou conjurado o perigo representado pelas greves políticas, desencadeadas com o objetivo único de enfraquecer as instituições e facilitar a derrubada do regime democrático para a instauração da ditadura do proletariado; porque, como é de esperar, o legislador deverá ter a necessária cautela de prescrever medidas adequadas para impedir as greves políticas e só permitir, dentro do âmbito legal, as greves pacíficas, de fundo estritamente econômico ou profissional.
Em se tratando de greve é preciso ter presente que êsse movimento constitui, na verdade, uma arma temível do proletariado na luta de classes.
A greve geral, de caráter político, converteu-se num verdadeiro mito, para os socialistas revolucionários, a partir de SOREL,29 que a preconizava como o meio fecundo de regenerar a humanidade moderna e ousou escrever que “o mito da greve geral desempenhará, no mundo moderno, o mesmo papel que, no mundo antigo, o mito da divindade de Jesus Cristo”.30
Como lembra A. GALLART FOLCH, “por influencias de origen muy diverso, pero preponderantemente marxista, arraiga en el pensamiento obrero, cada vez más fuertemente, te fe en el mito de la huelga general y, por consiguiente, se va forjando una justificación de ta huelga por si misma, es decir, no tanto por la finalidad imediata a lograr, sino como médio de educación proletaria para la lucha de clases que fortalece la disciplina proletaria, ahonda la oposición espiritual entre patronos y trabajadores, y mantiene a éstos en un estado perenne de movilización. El último estadio de esta evolución ideológica, será el que la huelga se convierta en una “gimnasia revolucionaria”; es decir, que su finalidad y su oportunidad no se determinarán en función de aspiraciones de orden económico y profisional y de la probabilidad de obtener un êxito en este terreno, sino en función de los planos revolucionarios próximos o remotos y de la conveniencia de mantener “en forma”, para la lucha social, a importantes sectores obreros”.31
Merece transcrita, também, a observação de MARIO DE LA CUEVA: “Pero la huelga persigue también una finalidad mediata y es, según declaró la tercera reunión de la Internacional y aceptó el sindicalismo francés, acostumbrar a los trabajadores a lucha de clases y a la idea de que una huelga general es el cambio para transformar al régimen capitalista. El derecho del trabajo de nuestros dias es un derecho politico y polémico y los obreros le miran como un derecho de transición”.32
Diante dessa finalidade assinalada à greve, pela ideologia marxista, a lei não poderá permitir greves de fundo político, sob pena de propiciar meios para a destruição do próprio Estado.
O reconhecimento da mais ampla liberdade de greve, como salientou o deputado MERLIN, na Constituinte italiana, seria o harakiri do Estado.33
Regulamentação por lei ordinária do texto constitucional
7. A elaboração da lei que deverá regular o exercício do direito de greve requer do legislador cuidado todo especial, exatamente pelos inconvenientes que decorrem do seu reconhecimento como direito constitucional, tornando quase impraticável aquela tarefa, conforme assinalamos de início. E a prova está em que, até hoje, passados seis anos de vigência da Constituição, ainda se não cumpriu o preceito da regulamentação.
“De qualquier manera” – escreveu o Prof. CESARINO JÚNIOR – “es cierto que dificilmente conseguirán los legisladores brasileños, constrenidos por la disposición constitucional que asegura el derecho de huelga, salir del impase representado por su coexistencia con la justicia del trabajo”.34
Em idêntico impasse encontram-se, também, ao que parece, os legisladores italianos e franceses. Lá, como aqui, sobrelevam as dificuldades à elaboração das leis que devem regular o exercício do direito de greve, no sentido de conciliá-lo com os superioras interêsses da coletividade. Porque, em verdade, a regulamentação do exercício dêsse direito (impropriamente chamado) há de ter por balizas o bem comum; pois, não é de se admitir que os interêsses de uma classe, em caso de conflito, possam se sobrepor aos interêsses da coletividade.
8. Como disse o Prof. CESARINO JÚNIOR,35 nem os mais fervorosos partidários do direito de greve podem negar a licitude de sua limitação, uma vez que, no estado atual da evolução jurídica, não há mais direitos absolutos, e o exercício de qualquer dêles é suscetível de abuso, o que cumpre evitar. E, na regulamentação do exercício dêsse direito, devemos, segundo a opinião dêsse mestre,36 “estabelecer as restrições já consagradas no direito comparado e cuja adoção, portanto, não pode ser recusada com boa-fé”.
Uma das primeiras e mais sérias restrições ao exercício do direito de greve que deparamos no direito comparado é, sem dúvida, a que diz respeito aos serviços públicos. Como tal devem ser entendidos todos os que se destinam a satisfazer as necessidades ou interêsses gerais, quer os executados diretamente pelo Estado, quer os concedidos a emprêsas privadas.
O serviço público concedido conserva êsse caráter;37 embora prestado por agente privado, o serviço é sempre público, por sua natureza e finalidade, bem como por estar sob a direta e imediata fiscalização do Estado concedente.
A doutrina assinala, como princípio dominante nos serviços públicos, a continuidade de sua prestação, e, como dever precípuo do Estado, em razão de sua própria existência, assegurar-lhes pleno funcionamento.
Daí a exclamação de JÈZE: “greve e serviço público são noções antinômicas”.38
Na verdade, por fôrça da coação exercida sôbre o empregador através da greve, os trabalhadores visam à obtenção de vantagem ou interêsses que não lograram conquistar por outros meios. A paralisação do trabalho será, então, uma arma na luta entre os obreiros e os capitalistas. E êstes cederão, ou não, conforme seus interêsses e na medida dos prejuízos que a greve lhes acarretar.
Nos serviços públicos a coação pela greve se exerce sôbre o próprio Estado, como responsável direto pela sua execução e pela garantia das condições de seu funcionamento (quando concedidos), mas, os prejuízos maiores recaem sôbre a coletividade; o grande prejudicado é sempre o povo, que se vê privado dos meios para satisfação normal das necessidades gerais. Os interêsses dos trabalhadores em greve chocam-se com os interêsses da coletividade e, por isso, devem ceder, porque “os interêsses individuais não podem prevalecer contra os interêsses sociais”.39
“Quelque respectables que soient les intérêts particuliers des agents en grève, ils ne peuvent pas l’emporter sue l’intérêt général vital que représente le service public. Le regime du service public repose sur la suprématie de l’intérêt général”.40
Além de que, por outro lado, a greve nos serviços públicos, como coação da vontade particular dos trabalhadores sôbre a vontade geral da nação, manifestada através dos órgãos da administração estatal, é irreconciliável como o regime democrático, no qual a vontade popular, elevada à condição de Poder Legislativo, dispõe de um órgão autorizado para traçar normas legais à atividade do Estado, que é o Parlamento.41
A greve nos serviços públicos importará, sempre, a supressão momentânea daquele órgão da soberania nacional. Os trabalhadores ditam ao Estado, diretamente, as condições de exercício das funções ou dos serviços a seu cargo, o que é, simplesmente, anárquico.
A esta altura, vem a pêlo lembrar a distinção que H. BERTHELEMY pretendeu estabelecer entre funcionários de autoridade e funcionários de gestão; aquêles, como depositários de uma parcela de autoridade pública, investidos do jus imperium, e êstes, como simples servidores, praticando, em proveito do Estado, atos estranhos ao poder de mando, atos que, em sua materialidade, se assemelham aos dos empregados e operários da indústria e do comércio. Como conseqüência da distinção, o reconhecimento da licitude da greve para os funcionários de gestão e a absoluta proibição do seu exercício pelos funcionários de autoridade.42
Aderindo a essa teoria, RAFAEL BIELSA sufragou-a, inclusive quanto às conseqüências atinentes ao exercício da greve, que declarou lícita para uns e ilícita para os outros.43
Todavia., a distinção introduzida por BERTHÉLEMY é especiosa e inconsistente. O que a melhor doutrina administrativa consagra é a distinção entre ato de autoridade e ato de gestão; daí não decorre, porém, necessàriamente, a distinção entre funcionários de autoridade, os que praticam atos de autoridade, e funcionários de gestão, os que praticam atos de gestão, porque, como foi lembrado com grande precisão por ESMEIN, tanto os funcionários de autoridade praticam, seguidamente, atos de gestão, quanto os funcionários de gestão praticam atos de autoridade.44
Sobretudo – acrescenta o eminente constitucionalista – o que condena peremptòriamente a teoria, é que a ordem administrativamente dada ao funcionário público, qualquer que seja o objeto ao qual êle se aplique, ato de poder público ou de gestão, é sempre dada em nome do Estado. É, sempre, em direito, a vontade nacional que manda, e manda, sempre, no interêsse público, pois que, mesmo quando se trate de um ato de gestão, êle é praticado no interêsse de todos.45
Essa distinção não prevaleceu, na doutrina francesa, diante das sérias e irrespondíveis objeções apresentadas por publicistas de grande autoridade, como o supracitado ESMEIN, HAURIOU,46 DUGUIT,47 GASTON JÈZE48 e outros.
A doutrina sustentada pelos tratadistas franceses de direito público, de maior renome, é formalmente contrária à greve nos serviços públicos, em geral, quer quando executados diretamente pelo Estado, quer quando realizados por intermédio de concessionários.
Vale a pena registrar, aqui, a seguinte observação: R. BIELSA, acompanhando integralmente a distinção preconizada por BERTHÉLEMY, levou-a, coerentemente, às suas últimas conseqüências, admitindo como lícita a greve dos empregados de estradas de ferro, ainda quando pertencentes e administradas pelo Estado, por se tratar de funcionários de gestão; entretanto, o criador da teoria, nesse particular, é de opinião que, mesmo praticando, apenas, atos de gestão, em razão da importância do serviço público que as estradas de ferro são encarregadas de executar, há lugar para modificar-se o direito comum, muito liberal; aplicado aos agentes das ferrovias. “Le droit de grève ne devrait pas être laissé aux employés et agents des chemins de fer!”49
A greve nos serviços públicos
9. A interdição da greve nos serviços públicos prestados pelo Estado, ou por concessionários, é ditada pela necessidade imperiosa de salvaguardar os superiores interêsses da comunidade.
Se o Estado existe, para assegurar o bem comum, não se compreende como possa êle reconhecer como lícito o exercício de uma atividade que, para conquistar o bem de alguns, fere e sacrifica o bem de todos.
É princípio cardeal de direito público que o Cód. Social de MALINAS, inspirado na filosofia cristã, consubstanciou nos seguintes enunciados:
“Art. 99. O interêsse geral é o primeiro critério que permite apreciar a legitimidade ou ilegitimidade de tôda suspensão combinada do trabalho. A êste critério deve juntar-se o respeito da justiça e da caridade.
Art. 100. Êste interêsse geral está mais imediatamente em questão, quando se trata das funções instituídas diretamente para o bem do país; e por emprêsas mesmo privadas que provêm às necessidades comuns de primeira necessidade. Certas funções são mesmo de tal maneira indispensáveis à sociedade, que mal se compreende uma hipótese que tornasse a greve legítima”.50
Legislação comparada
O exame, mesmo perfunctório, do direito comparado, revelará que êsse princípio foi acolhido na legislação de um grande número de nações civilizadas.
Em alguns países, a interdição da greve nos serviços públicos consta de dispositivo constitucional expressos assim: Colômbia (Constituição, de 5-8-1886, art. 18), Costa Rica (Constituição, de 7-12-1871, art. 56), Equador (Constituição, de 31-12-1946, arte 185, letra i), Panamá (Constituição, de 1-3-1946, art. 68), Paraguai (Constituição, de 10-7-1940, artigo 17) e Venezuela (Constituição, de 1947, arte 63, nº 10).
Em outros, como por exemplo os Estados Unidos, a Argentina e o Chile, cujas Constituições são omissas a respeito da greve, o seu exercício é vedado nos serviços públicos pela legislação ordinária. Nos Estados Unidos, a chamada lei Taft-Hartley, de 23-6-1947, proíbe a greve dos funcionários públicos e investe o presidente da República de poderes especiais para intervir nos conflitos do trabalho, ocorridos nas emprêsas cuja atividade interesse à segurança ou à saúde da nação, podendo vedar a greve – iminente ou declarada – até um período de 80 dias, a fim de se chegar a uma composição do dissídio, ou provocar o pronunciamento do Tribunal Distrital, para emitir uma ordem que interdite a greve considerada prejudicial aos interêsses da coletividade, nos têrmos do art. 208.51
Na Argentina, o dec.-lei nº 536, de 15-1-1945, proíbe a greve dos funcionários públicos, bem como dos empregados das emprêsas semi-oficiais ou particulares encarregadas de serviços públicos – art. 34.
Êsse decreto-lei, promulgado por um govêrno de fato no exercício da faculdade legislativa, foi declarado inconstitucional pela Côrte Suprema, em acórdão de 22 de março de 1946. Posteriormente, a Côrte Suprema mudou de orientação, e por acórdão unânime de 1 de outubro de 1947 considerou-o eficaz e vigente até ser revogado por outro ato legislativo. Acórdãos posteriores da Côrte confirmaram êsse entendimento.52
No Chile, ao que informa o Prof. F. WALKER LINARES, estão proibidos de declarar-se em greve ou suspender seus trabalhos os funcionários, empregados ou operários fiscais, municipais, de órgãos do Estado, das emprêsas de administração autônoma, de instituições semi-fiscais, os empregados e operários de emprêsas ou de instituições particulares que tenham a seu cargo serviços de utilidade pública; esta proibição foi imposta em forma mais atenuada pela lei penal nº 6.026, de 12 de fevereiro de 1937, sôbre segurança interior do Estado, modificada substancialmente, aumentando-se as penas, pela lei nº 8.987, de 3 de setembro de 1948.53
“El concepto de huelpa” – escreve o Prof. GUILLERMO VARAS, da Universidade Católica do Chile – “es incompatible con la noción juridica del servido público, el que, debiendo satisfacer una necesidad pública de manera regular y continua, no puede detenerse sin producir incalculables perjuicios a la sociedad, como ocurriria con los servicios de alumbrado, agua potable, transporte, comunicaciones postales, telegraficas y telefonicas”, etc.54
Na Bélgica, a Constituição não cogita da greve; entretanto, os conflitos do trabalho em emprêsas de atividades essenciais ao pais ficam subordinados ao ordenamento legal previsto na lei de 19 de agôsto de 1948, relativa às prestações de interêsse público em tempo de paz. Dispõe essa lei que as comissões paritárias deverão determinar e delimitar, para as emprêsas de sua competência, as medidas, prestações ou serviços a assegurar-se em caso de greve, com o fim de fazer frente a certas necessidades vitais, de efetuar certos trabalhos urgentes na maquinaria ou de executar certas tarefas exigidas por fôrça maior. Segundo os têrmos da lei, não é o govêrno, são as comissões paritárias, compostas por representantes das organizações patronais e operárias, quem determinarão as medidas a serem tomadas para evitar que uma greve ponha em perigo a segurança e a conservação da maquinaria ou o aproveitamento do país. Esta nova fórmula, que foi estudada e proposta pelas grandes organizações sindicais e aceita pelas organizações patronais, salvaguarda plenamente o direito de greve. As decisões tomadas pelas comissões paritárias poderão ser tornadas obrigatórias por decretos reais; assim, ninguém poderá, daí por diante, subtrair-se às medidas de interêsse público tomadas pelas comissões paritárias.55
“Ce qui ne saurait, en aucune façon, être admis c’est le “droit” pour les fonctionnaires de se mettre en grève”, ensina o Prof. MAURICE VAUTHIER da Universidade de Bruxelas. “Et, à cet égard, il n’y a pas lieu de distinguer entre les “fonctionnaires d’autorité” et les “agents de gestion” (par exemple, les ouvriers travaillant pour un service public)”.56
Em outros países, como: Bolívia (Constituição, de 28-10-1938, art. 126), Cuba (Constituição, de 5-7-1940, art. 71), França (Constituição, de 27-10-1946, Preâmbulo, alínea 7ª), Guatemala (Constituição, de 13-3-1945, art. 58, n° 9), Itália (Constituição, de 27-12-1947, art. 40), México (Constituição, de 5-2-1917, artigo 123, XVII), Uruguai (Constituição, de 18-5-1934, art. 56, alínea 2ª), o direito de greve é reconhecido expressamente na Constituição, que delegou, entretanto, à lei ordinária a atribuição de regulamentar o seu exercício.
Vejamos, ràpidamente, o enquadramento legal do exercício dêsse direito nas relações de serviço público.
No México, a Constituição de 1917 assegura o direito de greve nos serviços públicos, subordinado, apenas, ao aviso prévio, com 10 dias de antecedência, à Junta de Conciliação e Arbitramento, da data marcada para a suspensão do trabalho (art. 123, nº XVIII). E o Cód. Federal do Trabalho, de 1931, nos arts. 265 e 266, reproduz a exigência do aviso prévio e enumera os serviços considerados públicos para aquêle efeito.
Referindo-se à legislação daquele país, J. JESUS CASTORENA formulou uma crítica fundada e certa; salientando que, caracterizando-se o direito do trabalho pelo seu aspecto coletivo, “no puede ni debe lesionar o tratar de lesionar a las coletividades o sociedades más amplias; un sindicato que es una coletividad dentro de la coletividad Estado, no debe tener mayor preeminencia que la que se concede a los intereses de los indivíduos que integrara esta segunda coletividad”. E conclui: “Reconocer, pues, el derecho de huelga era los servicios públicos, es destruir, era beneficio de una coletividad menor, el régimen juridico de una coletividad mayor”.57
Na Guatemala, cuja Constituição de 1945 prevê, no inc. 9 do art. 58, a regulamentação do direito de greve, o Cód. do Trabalho, promulgado em 1947, enumera, no art. 243, os serviços públicos em que a greve é considerada ilegal.
No Uruguai, o texto da Constituição de 1934, art. 56, alínea 2ª, dispõe:
“A greve é declarada direito sindical; o exercício e o alcance dêste direito serão regulamentados sôbre a base dêste princípio”.
Escrevendo sôbre os “Efeitos jurídicos da greve”, o ilustre Dr. APARICIO MENDEZ informou: “Em síntese, o direito de greve não existe entre nós (Uruguai) para os funcionários públicos, cujo amplíssimo conceito fixa o art. 2º da lei de 6 de fevereiro de 1925; tampouco existe para os empregados e operários dos serviços concedidos (serviços públicos no sentido técnico); e, finalmente, tampouco para os que exercem serviços submetidos a um regime legal e regulamentar de intensa intervenção do poder público (serviços públicos impróprios) e satisfazem uma necessidade ou atividade pública insubstituíveis”.58
Para o eminente Prof. SALVAGNO CAMPOS, da Universidade de Montevidéu, sendo a greve um direito gremial, o seu exercício não pode ser permitido quando acarretar riscos ou prejuízos para os superiores interêsses da comunidade, de que o grêmio sindical é parte.59
Apesar do mandamento constitucional, a lei regulamentadora, de caráter geral, não foi, ainda, elaborada. Todavia, atendendo à imperiosa necessidade de salvaguardar o funcionamento normal e continuado dos serviços públicos, o Congresso uruguaio votou a lei nº 10.913, de 25 de junho de 1947, cujo art. 6º declara ilícita tôda interrupção de um serviço público imputável ao concessionário ou aos empregados ou operários.
Na Câmara dos Deputados o projeto dessa lei foi discutido intensamente, suscitando-se o problema do alcance do artigo 56 da Constituição com referência à greve nos serviços públicos. Ao que informa o Prof. E. COUTURE, o parecer da maioria da Comissão de Legislação Social focalizou concretamente o problema: “El derecho consagrado en el ultimo inciso del articulo 56 de la Constitución es absolutamente ilimitado o excluye la huelga era los servidos públicos ? El legislador puede declarar ilicita la huelga era el campo de los servicios públicos, a pesar de la mencionada disposición constitucional?”
“El Estado no es otra cosa que el gestor o el coordinador de los servicios públicos. Si estos desaparecieran, el Estado perdería la máxima función que la atribuye la doctrina moderna. Quien quiere el fin, quiere los medios. Si el cumplimiento del servicio público es de la esencia del Estado, es indudable que la mencionada disposición constitucional del articulo 56 no puede referirse al servicio público, desde que, desaparecida su regularidad y continuidad, lo cierto es que desapareceria la propia organización del Estado”. – Invocando o sentido hierarquizante que teria a expressão “direito gremial” o parecer conclui afirmando: “Bajo nuestro régimen constitucional, pues, y atendiendo a la jerarquización de los derechos, no puede negarse que la ley puede declarar ilícita la huelga en los servicios públicos, puesto que el primer deber del Estado, sin perjuicio de velar por los derechos individuales y gremiales, es velar por su propia existencia. Sin ésta, ya no puede hablarse ni de derechos individuales ni de derechos gremiales. No tiene sentido”.60
O deputado Dr. FUSCO sustentou que se deve buscar, entre tôdas as disposições Constitucionais, a devida correspondência e harmonia. E entre uma interpretação lógica de um artigo e outra absurda, deve-se preferir aquela. Tôda Constituição supõe a regularidade e continuidade dos serviços públicos e a delimitação dos direitos. Seria absurdo crer que o único direito ilimitado é êste que pode afetar a regularidade dos serviços públicos.61
Assim, esclarece o Prof. COUTURE: “Del contenido y de los antecedentes de la ley, surge claramente el proposito de mantener la declaración de ilicitud de la huelga en los servicios públicos, pero convirtiendo el ilícito penal en un ilícito civil”. Todavia, a seu ver: “Las consideraciones sobre la necesidad de asegurar la normalidad y continuidad de los servicios públicos esgrimidas al aprobar la ley, serán más de orden político que jurídico; o mejor dicho, valdrian como critica, pero no como interpretación de la norma constitucional”.62
O certo é que essa lei está em vigor e sua constitucionalidade não sofreu reparos da jurisprudência do Supremo Tribunal.
O art. 40 da Constituição italiana, de 27 de dezembro de 1947, dispõe:
“Il diritto di scopero si esercita nell’ambito delle leggi che lo regolano”.
O Parlamento não votou, até agora, as leis que devem regular o exercício dêsse direito.
Pela estudo dos antecedentes do dispositivo constitucional, através das discussões travadas na Assembléia Constituinte, verifica-se que prevaleceu, afinal, o ponto de vista sustentado pela primeira subcomissão da Assembléia, no sentido de não se tratar de um direito irrestrito, mas sujeito às limitações a selem traçadas pela lei ordinária, especialmente quanto ao procedimento de proclamação da greve, à tentativa de conciliação e à manutenção dos serviços absolutamente essenciais à vida coletiva.
A terceira subcomissão, ao contrário, entendia que a Constituição não devia tratar da matéria. O projeto levado a plenário adotou a fórmula mais aberrante, proclamando o princípio sem nenhuma limitação (graças à influência dos deputados da esquerda). Na votação final, porém, introduziu-se um corretivo, no texto definitivo, no sentido de limitar o exercício dêsse direito ao âmbito das leis ordinárias que se destinarem a regulá-lo.63
Assim escreveu o Prof. FERRUCIO PERGOI.ESI: “Limitazione potranno cosi essere poste nel triplice senso indicato dalla prima sottocommissione”.64
Segundo o Prof. BALLADORE PALLIERE: “La determinazione dei limiti entro cui è esercitabile il diritto di sciopero è rilasciata completamente all’arbitrio della legge, alla quale spetterà di decidere se lo sciopero sia ammesso solo per fini economici o anche per fini politici, se possa essere vietato in certi periodi critici della nazione, se debba essere ammesso per tutti i lavoratori o se sia escluso per quelli che prestano certi servizi, e via dicendo”.65
“Grave è ancora il problema dello sciopero per i servizi pubblici e per coloro che collaborano alle funzioni essenziali dello Stato – assinala o Prof. EMILIO CROSA – “Ma qui, la controversia non è più limitata a datori e prestatori d’opera, non è più un conflito che riguardi il solo rapporto di lavoro, ma è controversia in cui interviene la collettività con le sue assolute esigenze di conservazione e di protezione. E, pertanto, lo Stato che questa esigenza riassume e di questi doveri risponde pua intervenire con provvedimenti che tutelino i diritti essenziali delle diverse parti”.66
Ao que se vê, é ponto firmado na doutrina italiana, por alguns dos mais autorizados constitucionalistas, que a lei ordinária a ser votada para delimitar o âmbito do exercício do direito de greve, em consonância com o preceito constitucional, poderá restringir o exercício dêsse direito no que tange à manutenção dos serviços essenciais à vida coletiva.
A Constituição da IV República Francesa, de 27 de outubro de 1946, declara no Preâmbulo:
“Le droit de grève s’exerce dans le cadre des lois qui le réglementent”.
Mesmo não constando, pròpriamente, de um dispositivo do corpo da Constituição, mas do Preâmbulo, em que se inseriu, de forma declamatória, “a declaração dos direitos de 1789” ao lado “dos princípios políticos, econômicos e sociais, particularmente necessários ao nosso tempo”, o reconhecimento da natureza jurídico-constitucional dessa declaração tem sido admitido por publicistas de prol, como M PRÈLOT,67 JULIEN LAFERRIÈRE,68 GEORGES VEDEL,69 MAURICE DUVERGER70 e G. BURDEAU.71
‘Na França, tal como na Itália, no Uruguai e no Brasil, ainda está por cumprir o mandamento constitucional de regular o exercício do direito de greve, por via da competente norma legal.
Como contribuição ao estudo da elaboração dessa lei, vieram a público, recentemente, duas valiosas monografias que desbarataram, a nosso ver, tôdas as dificuldades surgidas na regulamentação do exercício da greve.72
No que diz respeito à greve nos serviços públicos, escreve JULIEN DURAND: “La grève des ouvriers, employés et agents des services publics, dont la continuité est indispensable à la vie de la nation, a des conséquences d’une telle gravité qu’elle nécessite des mesures spéciales. Il n’est pas admissible que, pour obtenir des satisfactions, si justifieés soint-elles, ces agents privent leurs concitoyens de ce qui leur est nécessaire pour vivre et travailler”.73
A seu ver, o direito de greve não deve ser reconhecido para os funcionários e para os agentes dos serviços públicos cuja continuidade é indispensável à vida da nação, como, aliás, consta de um dos artigos do texto da “Proposição” que redigiu para servir de base à discussão da futura lei regulamentadora:74
“L’interdiction législative de la grève dans les services publics et dans certains industries nationalisées est-elle compatible avec la reconnaissance constitutionelle du droit de grève? indaga J. DE HULSTER na sua substanciosa monografia, e responde: “L’étude des travaux parlementaires ne laisse aucun doute, d’interdictian est constitutionnellement possible”.75
Assim: “Lorsque le legislateur pourra ou voudra réglementer le droit de grève, l’interdiction de la grève dans les services publics apparait donc comme la mesure premiére et essentielle à adopter. Il n’innovera en rien puisqu’il ne fera que confirmei la solution traditionelle fondée sur des raison qui n’ont pas cesse d’exister”.76
Com efeito, como foi lembrado pelo Prof. MARCEL WALINE: “Le Conseil d’Etat semble considerei qu’il existe au-dessus de toutes les lois écrites, même constitutionnelles, un príncipe supérieur de droit coutumier selon lequel la continuité du fonctionnement des services publics essentiels à la vie national doit être assurée à tout prix”.77
Principio que HAURIOU chamou de”legítima defesa do Estado”.
Restrições geralmente admitidas
10. É possível, a esta altura da dissertação, formular-se a indagação: a lei ordinária, a ser votada pelo Congresso, para regular o exercício do direito de greve, poderá restringir e mesmo vedar o exercício da greve nos serviços públicos?
Convém deixar esclarecida, desde logo, a situação peculiar dos funcionários públicos e servidores do Estado, pròpriamente ditos. Quanto a êstes, a opinião dominante é no sentido de reconhecer que não lhes assiste, em qualquer hipótese, o direito ao exercício da greve.
Os funcionários públicos não se encontram diante do Estado na mesma posição de um empregado frente ao empregador. Há que atentar na natureza Jurídica da relação que os vincula, substancialmente distinta, como o proclama o direito administrativo. Sujeitos, como se acham, a um estatuto próprio, em que estão perfeitamente definidos seus direitos e deveres, prestam serviços de tal natureza que a paralisação do trabalho não pode deixar de ser considerada um ato revolucionário, como assinalou BERTHÉLEMY, porquanto representa uma pressão sôbre o próprio Poder Legislativo.
Assim doutrinou o Prof. ORLANDO GOMES: “A incompatibilidade entre o exercício da função pública e o exercício do direito de greve é manifesta. O fenômeno grevista é próprio das relações entre trabalhadores e patrões.
“Entre nós, a extensão do direito de greve aos funcionários públicos seria inconstitucional. A Constituição outorgou-o exclusivamente aos trabalhadores, aos sujeitos de um contrato de trabalho. E o que se depreende da mesma ubicação do preceito constitucional que o instituiu. Encontra-se, com efeito, no capítulo em que se traçam as normas básicas da legislação do trabalho, que só alcança aos empregados, certo como é que nenhuma delas se aplica aos funcionários públicos.
“Em outro capítulo da Constituição, a situação dêstes está definida, também, em têrmos gerais, sem que haja a mais leve alusão ao direito de greve”.78
Depois de enumerar os pressupostos que justificam a admissibilidade da grave pacífica nas relações contratuais de trabalho, escreveu A. NOGUEIRA DE SÁ: “Ora, êsses pressupostos não existem, em absoluto, na relação de emprêgo público e muito menos, ainda, nos países, como o nosso, em cuja Constituição o instituto figura, não no elenco da declaração de direitos, que é a parte substancialmente política, porém, na que compreende, apenas, a matéria econômica e social, portanto a que é estranha à relação de emprêgo público”.79
TEMÍSTOCLES B. CAVALCANTI entende, também, que as limitações ao direito de greve são legítimas “em relação aos funcionários públicos ou empregados do Estado subordinados a um regime legal muito peculiar!”80
O assunto não comporta mais qualquer dúvida. O eminente jurista CARLOS MEDEIROS SILVA, consultor geral da República, em brilhante e erudito parecer, que teve a mais ampla divulgação, publicado em quase tôdas as revistas jurídicas do pais, e transcrito nos “Anais da Câmara dos Deputados”, demonstrou de maneira cabal, com argumentos irrespondíveis, que os funcionários públicos e servidores do Estado não têm o direito de fazer greve.81
A posição dos funcionários públicos perante o Estado
Todavia, com relação aos empregados das emprêsas concessionárias de serviço público, pelo fato de estarem vinculados a um contrato de trabalho de natureza privada, entendem, alguns autores, não ser permitido à lei regulamentadora, em face da Constituição, restringir ou vedar o exercício da greve.
O Prof. ORLANDO GOMES, depois de se referir às duas correntes antagônicas, que, no terreno doutrinário, disputam sôbre se a greve deve ser proibida ou permitida nos serviços públicos prestados por concessionários, enuncia uma terceira posição a que se filia:
“Una tercera corriente, que repele el radicalismo de las dos extremas, se acerca a la ultima por cuanto admite la huelga en tales servicios, mas se aproxima a la primera al reconocer los graves inconvenientes del ejercicio de este derecho en la esfera de los servicios públicos. Sostienen sus adeptos la necesidad de imponer limitaciones especiales que dificulten su ejercicio o aseguren al público, que siempre es la victima”, como acentua UNSAIR, “mayor tranquilidad, como serian la imposición de formalidades más severas y plazos más dilatados.
Parece que ésta es la posición más acertada, porque, siendo conciliatória, atiende a las razones más poderosas de las corrientes radicales.
En vista de nuestro precepto constitucional, la prohibición seria imposible, porque la ley ordinaria no puede prohibir lo que la Constitución permite: Es asi francamente inconstitucional, el precepto del decreto 9070 que distingue entre actividades fundamentales y accessorias para prohibir en aquellas la huelga. Mas, está fuera de duda que la ley puede distinguir-las con el objeto, dictado, por el bien común, de establecer mayores restricciones para las huelgas en los servicios publicos”.82
A êsse respeito, o ilustre mestre baiano se coloca na esteira do grande doutrinador do trabalhismo britânico, HAROLD LASKI.
Examinando a opinião de DUGUIT, segundo a qual os serviços públicos de vital importância, o transporte ou a eletricidade, por exemplo, só têm verdadeiro sentido quando são contínuos, e, por isso, permitir sua interrupção equivaleria a destruir a lei mesma de sua existência, pondera aquêle notável publicista inglês: “Estou tão disposto como qualquer um em convir em que uma interrupção de um serviço público de vital importância não é desejável e que tôda medida que contribua para reduzir ao mínimo essa possibilidade deve ser tomada. Porém, não creio que a denegação do direito de greve obtenha êste resultado, nem tampouco que aquelas considerações possam aplicar-se a tôdas as classes de serviço público”. E acrescenta, afinal, externando sua opinião: “Por conseguinte, a missão do Estado não é a de proibir, senão a de achar, o melhor processo que faça da greve o último e não o primeiro expediente, em caso de conflito”.83
Para PONTES DE MIRANDA, “o direito de greve existe na Constituição, não o podem restringir os legisladores, nem os outros poderes públicos. O que a lei pode fazer é regular-lhe o exercício: Como separar-se o direito e o exercício do direito de greve? Aplicando a lei penal comum”.84
Ora, pela aplicação da lei penal comum, o exercício do direito de greve está proibido nos serviços públicos de interêsse coletivo – Cód. Penal, art. 201 – “o que se quer garantir é a continuidade, indispensável ao curso normal da vida civil, de serviços (dependentes, ou não, de concessão do govêrno) correspondentes às necessidades primárias do povo”, esclarece o ministro NÉLSON HUNGRIA em seus comentários a êsse artigo do Código Penal.85
Nem se pretenda que essa norma do direito penal comum esteja implicitamente revogada pela declaração constitucional do reconhecimento do direito de greve.
A argüição, conquanto descabida, foi levada à barra do Supremo Tribunal Federal, que, por acórdão unânime, demonstrou a inconsistência daquele entendimento.
São do voto do eminente OROZIMBO NONATO estas considerações: “Sr: presidente, a norma constitucional que anuncia uma faculdade, ou declara um direito em têrmos peremptórios e generalíssimos é, em geral, self-acting, é auto-executável; não pode, assim, sofrer encurtamentos por via da lei ordinária. Assim, se a Constituição anunciasse, apenas, o direito de greve de modo peremptório, eu veria, data venia, incompatibilidade entre os novos preceitos liberais da Constituição e as antigas leis penais, que repudiaram o exercício da greve, em certos casos, em certas particularidades. Dá-se, porém, que o constituinte, como realçou, há pouco, o eminente Sr. ministro EDGAR COSTA, sentindo o alcance e gravidade do problema, não o acentuou nestes têrmos e declarou, desde logo, que o exercício dêsse direito é limitável, competindo ao legislador ordinário descer ao casuísmo das hipóteses. Logo, o dispositivo constitucional, não por sua índole, mas pelo mandamento do constituinte, fica dependendo de uma regulamentação. As leis anteriores subsistem até que o legislador ordinário tome as providências necessárias, as quais, porém, não poderão atingir o essencial do princípio da liberdade.
“No caso, não há incompatibilidade entre o texto da lei federal e a Constituição, pois o princípio não está em vigor, atualmente, dependendo, por expressa vontade do constituinte, de regulamentação”.86
Guarda e intérprete supremo da Constituição, a palavra do pretório excelso não admite contradita em matéria de interpretação dos textos da Lei Magna.
Aliás, o assunto é pacífico na jurisprudência dos tribunais, notadamente do Tribunal de Justiça de São Paulo,87 onde, por várias vêzes, tem sido debatido.
O pronunciamento reiterado do Poder Judiciário, sem uma única discrepância, autoriza a conclusão de que, pela aplicação da lei penal comum, o exercício da greve resulta proibido nos serviços públicos.
É o comentário de PONTES DE MIRANDA completado e ilustrado pela jurisprudência.
12. Não nos parece que assista razão aos escritores que negam a possibilidade da lei ordinária proibir o exercício da greve nos serviços públicos essenciais à coletividade.
“Por muy respectable y justificado que sea el derecho de huelga, es de todas maneras el de un grupo social, cuyo ejercicio, quebranta, en ocasiones, intereses fundamentales de toda la coletividad. Claro es que en estos casos los intereses colectivos deben primar sobre los de grupo o clase, por más importantes que sean los ultimos, y, por consiguiente, la huelga no puede justificarse, ni permitirse.
De este princípio há surgido la necesidad de restringir legislativamente el derecho que nos ocupa, de prohibirlo en las actividades cuya suspensión afecte hondamente la vida de la sociedad, desde el punto de vista de su salud o de las bases esenciales de su economia”, escreveu o ilustre CAMPOS SERRANO.88
Com efeito, a observância dêsse princípio pela legislação dos povos cultos é um índice seguro da sua relevância e da sua validade jurídica.
“Una de las limitaciones más generalizadas del derecho de huelga” – informa o eminente jurista BERNARDINO LEON Y LEON, ministro da Côrte Suprema do Peru – “es la que se refiere a los servidos de pública utilidad.
El Estado, generalmente, neutral en una contienda de intereses que unicamente afecta a las partes, no puede ni debe permanecer indiferente en presencia de un conflicto que perturba la vida nacional. Las legislaciones que se han ocupado de las huelgas, rara vez omiten una distinción tare necesaria”.89
Como tivemos oportunidade de verificar, no ligeiro apanhado que fizemos do direito comparado, com exceção do México, não encontramos outro pais cuja legislação permitisse como lícito o exercício da greve nos serviços públicos.
Destarte, se, na regulamentação do exercício da greve, o legislador nacional deverá acompanhar a lição do direito comparado, como lembrou o Prof. CESARINO JÚNIOR, é bem de ver, então, que a greve não deverá ser permitida nos serviços públicos; a lição a êsse respeito é eloqüente!
Mas, antes e acima de tôdas as injunções de doutrinas e de princípios, o legislador deverá ter as vistas voltadas para o bem comum.
Vedação da greve
13. Ao editar a norma regulamentadora, o legislador brasileiro deverá ter presente o argumento incisivo, – que o deputado uruguaio, Dr. FUSCO, exprimiu com rara felicidade – deve-se buscar entre todas as disposições constitucionais a devida correspondência e harmonia; tôda a Constituição supõe a regularidade e continuidade dos serviços públicos e a delimitação dos direitos; seria absurdo crer que o único direito ilimitado é êste que pode afetar a regularidade dos serviços públicos.90
O argumento nos parece da maior procedência, por se ajustar, precisamente, ao cânone fundamental da hermenêutica dos dispositivos constitucionais, segundo a lição do nosso egrégio CARLOS MAXIMILIANO:
“Não procede exegese incompatível com o espírito do estatuto, nem com a índole do regime; não se interpreta o texto de modo que se tornem indefensáveis a pátria e as instituições, ou se impossibilite a defesa da ordem, da sociedade, da moral, da saúde pública; não é lícito inferir que a linguagem geral de um artigo faculte n que outro veda especialmente.
“Não se interpretam as leis por palavras ou frases isoladas, e, sim, confrontando os vários dispositivos e procuram do conciliá-los”.91
No capítulo “Da ordem econômica e social”, onde se encontra o art. 158, que expressa o reconhecimento do direito de greve, encontram-se, também, os arts. 146 e 147, com os seguintes enunciados:
“Art. 146. A União poderá, mediante, lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base, o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.
Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos”.
Decorre dêsses dois dispositivos que a Constituição, no terreno da ordem econômica e social, colocou o interêsse público e o bem-estar social em primeira plana, com supremacia sôbre os direitos e interêsses individuais ou de grupos. Para que se justifique a intervenção, exige-se que o interêsse público esteja em causa.
Escreve TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI: “Por mais imprecisa e arbitrária que possa parecer essa terminologia, ela exprime qualquer coisa de superior ao interêsse individual, exigindo da parte do poder público a apreciação de certas peculiaridades, nem sempre possível de definir na lei. E será então o próprio govêrno o juiz dêsse interêsse público, que envolve também a apreciação da conveniência ou oportunidade do ato.
“Nem seria lícito admitir-se uma restrição tão profunda, a preceitos constitucionais básicos, fundamentais, que não tivesse a sua causa no interêsse coletivo, para atender à necessidade premente de grande número de indivíduos. Sòmente a soma dêsses interêsses poderá justificar a intervenção quando esta contrarie a liberdade de iniciativa e os direitos fundamentais consagrados na Constituição”.92
Não vemos por que, então, nesse mesmo terreno econômico e social, esteja vedado à lei ordinária proibir o exercício da greve nos serviços públicos concedidos, sob o fundamento de contrariar direito fundamental consagrado na Constituição. Por êsse entendimento o intérprete estaria quebrando a harmonia entre os princípios e estabelecendo uma dualidade de diretrizes incompatível com o espírito que anima todo aquêle capítulo da Constituição.93
Na defesa do interêsse público e para assegurar o bem-estar social, a lei poderá impor restrições ao direito de propriedade, à livre iniciativa econômica, poderá intervir no mercado, poderá promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos, só não poderá intervir nas relações do trabalho e proibir a greve nos serviços públicos! Por que?!
Acaso a interdição da greve nos serviços públicos não terá por objetivo supremo a salvaguarda dos interêsses coletivos, não será uma medida destinada a atender à necessidade premente de grande número de indivíduos, para usar a linguagem de TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI?!
Haverá, porventura, alguma dúvida quanto aos prejuízos e sacrifícios que a greve nos serviços públicos acarreta para a coletividade?! Ou o exercício da greve, que não chega verdadeiramente a constituir um direito dos trabalhadores, merece maior acatamento e resguardo que o direito de propriedade?!
Parece-nos que a orientação política, econômica e social, seguida pela Constituição, a êsse respeito, foi no sentido de delegar ao legislador ordinário a competência para estabelecer as restrições que se fizerem necessárias para atender ao bem comum.
É o ensinamento do eminente CARLOS MAXIMILIANO:
“Na Constituinte brasileira de 1946 tentaram tornar irrestrito o direito de greve; o plenário rejeitou as emendas oferecidas em tal sentido. Segundo o texto vitorioso, a prerrogativa existe; porém se faculta ao legislador ordinário traçar-lhes as extremas, condicioná-la, enfim.
“Pode-se, por exemplo, excluí-la de atividades necessárias ao bem comum, assim como exigir que se esgotem, primeiro, os remédios administrativos e judiciários”.94
Assim, também, se manifesta o egrégio EDUARDO ESPÍNOLA: “A greve pacífica, salvo em casos especiais de interêsse público, é admitida, em geral, como uma das legítimas reações do proletariado”.95
O ilustre TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI coloca-se num ponto de vista que, data venia, reputamos incoerente e contraditório. A pergunta se será constitucional a proibição de greve a certos serviços considerados de utilidade pública, responde: “Não nos parecem constitucionais as limitações, salvo em relação aos funcionários públicos ou empregados do Estado subordinados a um regime legal muito peculiar”.96
Aos funcionários públicos não se admite o direito de greve, como vimos, pela simples ubicação daquele dispositivo no capítulo “Da ordem econômica e social”, cujos preceitos não lhes dizem respeito.
Entretanto, linhas adiante, o festejado publicista escreveu: “Já nos referimos, de passagem, à greve dos serviços públicos, sustentando que o regime legal da função pública não justifica o uso dêsse processo como arma de reivindicação.
“É a jurisprudência pacífica dos tribunais franceses, da lei e da doutrina ali predominante.
“A verdade é que não se pode negar ao Estado, por meio de medidas legislativas adequadas, manter a regularidade dos serviços públicos, e evitar os excessos conseqüentes à intromissão de elementos estranhos entre os legítimos grevistas”.97
Perguntamos, então, se, acaso, os serviços de utilidade pública executados por emprêsas privadas, em regime de concessão, perdem o caráter de serviços públicos para desmerecerem de idêntica proteção do Estado quanto à manutenção da regularidade de sua prestação?!
E a resposta nos é dada pelo mesmo comentarista, em outra passagem de sua notável obra, quando declara: “O concessionário nunca se emancipa da tutela do Estado, porque êste mantém a sua responsabilidade perante o público, sendo o fiador da regularidade do serviço, do preço razoável das suas tarifas, da modicidade dos lucros da emprêsa”.98
Ora, se o Estado é o fiador da regularidade do serviço público concedido, não vemos como se lhe nossa negar o direito, mais que o direito à obrigação, de garantir a regularidade dêsses serviços por meio de medidas legislativas adequadas, idênticas às que adotar para a manutenção dos serviços que êle próprio executa.
Ilegitimidade do exercício da greve nos serviços públicos
14. A declaração da ilegitimidade do exercício da greve nos serviços públicos, de modo geral, obedecerá, também, à tradição do pensamento jurídico dominante no país.
Já em 1912, em conferência proferida no Instituto dos Advogados, no Rio de Janeiro, o eminente jurista AUGUSTO VIVEIROS DE CASTRO, examinando o problema da greve e suas limitações, acentuava que: “É inútil, portanto, investigar se na execução de um determinado serviço o Estado age como entidade pública ou como mera entidade jurídica, gestor de negócios; os empregados nesse serviço, sejam ou não detentores de alguma parcela do poder público, trabalham pelo interêsse coletivo que sempre prima sôbre o individual, e não podem interromper a sua cooperação, provocando a cessação do trabalho, sem quebrar os laços que os prendem ao Estado”. “Não pode conceder o exercício de um direito que prejudicaria os interêsses vitais e gerais da sociedade”. E prossegue: “De acôrdo com LOUIS ROLLAND, penso que também não gozam da direito de fazer greve os empregados de um concessionário.
“Expedindo o ato de concessão, o govêrno organiza um serviço público de uma maneira particular, fazendo apêlo, em condições especiais, ao concurso ou à colaboração de uma companhia ou de um indivíduo que se torna concessionário.
“O contrato de trabalho do pessoal dos serviços públicos concedidos é dominado pelo ato criador da concessão, e, da mesma forma, a situação jurídica do pessoal é dominada pela idéia de que o serviço público concedido deve funcionar normalmente sem atrasos nem paradas, e como os governantes e administradores o organizaram no ato da concessão.
“Se o agente de um serviço concedido não é um funcionário público, porque são contratuais as relações que o ligam ao concessionário, êle difere de um operário ordinário sob dois pontos de vista: 1º, está sujeito à obrigação jurídica de cooperar sem interrupção para o serviço concedido; 2º, não pode discutir as regras relativas à organização do serviço inseridas no ato da concessão, nem as modificações que o legislador ou o administrador julgar convenientes”.99
Nessas poucas linhas, o acatado mestre de direito administrativo expôs com precisão o fundamento principal da interdição da greve nos serviços concedidos: a idéia dominante no ato criador da concessão e, conseqüentemente, no contrato de trabalho do pessoal, que o serviço público concedido deve funcionar normalmente, continuadamente, sem atrasos nem interrupções.
Dêsse princípio fundamental decorre como conseqüência inelutável a inadmissibilidade do lock-out para o concessionário e da greve para o pessoal.100 Pouco importa o caráter privado das relações contratuais de trabalho que ligam o agente ao concessionário do serviço; o que predomina é a natureza pública, de interêsse coletivo, do serviço para cuja execução o agente se contratou. Êsse ponto é pacífico e tradicional no direito administrativo brasileiro. Não conhecemos um autor de monta que o conteste.
CONCLUSÃO
Assim, admitir como lícito o exercício da greve nos serviços públicos concedidos, será uma subversão de princípios, de índole revolucionária e caráter antijurídico, em manifesta desconformidade com o espírito público que preside aos preceitos constitucionais relativos à ordem econômica e social do país.
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Notas:
1 CESARINO JÚNIOR, “A greve no Brasil, do ponto de vista jurídico”, in “Direito”, 1946, vol. XXXVII, pág. 55; CESARINO JÚNIOR, “El derecho de huelga en el Brasil”; in “La Huelga” Santa Fé. 1951, tomo II, págs. 90 e segs., nº 8; ORLANDO GOMES, “Consideraciones sobre el derecho de huelga en el Brasil”, in “La Huelga”, Santa Fé, 1951, tomo II, pág. 120; ARNALDO SUSSEKIND, “La Huelga en el derecho brasileño”, in “La Huelga”, Santa Fé, 1951, tomo II, pág. 163; PEDRO CALMON, “Curso de direito constitucional brasileiro”, 2ª ed., 1951, pág. 326; JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira de 1946”, Rio, 1947, vol. 3º, pág. 217.
2 In “Revista Peruana de Derecho Internacional”, Lima, janeiro-março de 1945, págs. 110-111.
3 CESARINO JÚNIOR, “El derecho de huelga en el Brasil”, in “La Huelga”, Santa Fé, 1951, tomo II, pág. 92.
4 ORLANDO GOMES, “Consideraciones sobre el derecho de huelga en el Brasil”, in “La Huelga”, Santa Fé, 1961, tomo II, pág. 123.
5 A. DE SAMPAIO DÓRIA, “Pelo bem de todos”, São Paulo, 1948, págs. 101-102.
6 ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 118.
7 CESARINO JÚNIOR, op. cit., pág. 78.
8 ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 118.
9 M. TULLIO ZANZUCCHI, “Istituzione di Diritto Pubblico, secondo la nuova Costituzione”, Milão, 1948, pág. 167.
10 JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira de 1946”, Rio, 1947, vol. 3º, págs. 216 e segs.; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1946”, Rio, 1948, vol. III, pág. 205; JOÃO AMAZONAS, “O direito de greve; os comunistas defendem na Constituinte o direito de greve”, discurso pronunciado pelo deputado comunista, Rio, ed. Horizonte, 1946; M. T. ZANZUCCHI, op. cit., págs. 166 e segs.; ALESSANDRO LEVI, “Il diritto di sciopero”, in “Commentario Sistematico alla Costituzione Italiana, diretto da PIERO CALAMANDREI e A. LEVI”, Firenze, 1950, vol. I, págs. 463 e segs.; JULIEN LAFERRIÉRE, “Manuel de Droit Constitutionnel”, 2ª ed., Paris, 1947, pág. 986: J. DE HULSTER, “Le droit de greve et sa réglementation”, Paris, 1962, pág. 36; JEAN RIVERO, “La evolución de la huelga y su régimen jurídico en Francia”, in “La Huelga”, tomo II, págs, 433-444.
11 ALEJANDRO GALLART FOLCH, “Derecho Español del Trabajo”, ed. Labor, Barcelona, 1936, pág. 228; C. GIDE, “Compêndio d’Economia Política”, trad. bras., 3ª ed., Parto Alegre, 1931, pág. 444; FRANCESCO CARNELUTTI, “Diagnosis de la huelga”, in “La Huelga”, Santa Fé, 1951, tomo I. págs. 49-52; ALEJANDRO UNSAIN, “Naturaleza de las huelgas”, in “La Huelga”, tomo I, pág. 288, nº VII; LUIS DESPONTIN, “Consequencias Juridicas de la huelga”, in “La Huelga”, tomo I, pág. 300.
12 A. SAMPAIO DÓRIA, op. cit., pág. 102.
13 A. SAMPAIO DÓRIA, op. cit., loc. cit.
14 MÁRIO DEVEALI, “Realidad sociologica y configuración juridica de la huelga”, in “La Huelga”, tomo I, pág. 63; ver, no mesmo sentido, CESARINO JÚNIOR, op. cit., pág. 76.
15 CARNELUTTI, “Diagnosis de la huelga”, in “La HuelgalI, tomo I, pág. 51.
16 A. GALLART FOLCH, op. cit., pág. 229.
17 Ver, sôbre essa questão: FERRUCIO PERGOLESI, “La huelga en el derecho italiano”, in “La huelga”, tomo III, pág. 49, e LÉON DUGUIT, “Traité de Droit Constitutionnel”, Paris, 1923, tomo III, pág. 203.
18 NÉLSON HUNGRIA, “Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, volume VIII, pág. 18; PEDRO CALMON, op. cit., loc. cit.; CESARINO JÚNIOR, op. cit., pág. 76; MÁRIO DEVEALI, op. cit., pág. 63; ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 124.
19 A. GALLART FOLCH, op. cit., pág. 227.
20 L. DUGUIT, “Traité”, tomo III, págs. 203 e segs., e tomo V, págs. 177 e segs.
21 CARNELUTTI, op. cit., in “La Huelga”, tomo I, págs. 41-53.
22 FRANCISCO DE FERRARI, “El derecho de huelga”, in “La Huelga”, tomo I, especialmente págs. 73-89.
23 F. DE FERRARI, op. cit., pág. 73.
24 CARNELUTTI, “Diritto o delitto di sciopero”, in “Pagine libere”, Roma, ano I, ns. 6-7, novembro, 1946.
25 EDUARDO J. COUTURE, “La huelga en el derecho uruguayo”, in “La Huelga”, tomo III, pág. 261.
26 ALCALÁ ZAMORA Y CASTILLO, “Processo, autocomposición y autodefensa”, México, 1947, págs. 19 e 39.
27 F. DE FERRAM, op. cit., pág. 83.
28 Vide os autores referidos na nota 10 e mais BRIOSCHI e SETTI, “Lo sciopero nel diritto”, Milão, 1949, pág. 58.
29 GEORGES SOREL, “Réflexiona sur la violence”, Paris 1950, 11ª ed., págs. 173, 180, etc.
30 In DUGUIT, “Traité”, tomo V, pág. 177.
31 A. GALLART FOLCH, op. cit., pág. 22.
32 MARIO DE LA CUEVA, “Derecho Mexicano del Trabajo”, vol. II, pág. 792.
33 Citado por M. T. ZANZUCCHI, op. cit., pág. 168.
34 CESARINO JÚNIOR, op. oit., pág. 116.
35 CESARINO JÚNIOR, op. cit., pág. 77.
36 CESARINO JÚNIOR, op. cit., pág. 78.
37 DUGUIT, “Traité”, vol. III, pág. 210; MÁRIO MASAGÃO, “Natureza jurídica da concessão de serviço público”, São Paulo, 1933, página 27; FRITZ FLEINER, “Instituciones de derecho administrativo”, trad. esp., ed. Labor, 1933, pág. 279.
38 GASTON JÈZE, “Les príncipes généraux du droit administratif”, ed. 1930, vol. II, página 246, e in “Journal des Finances”, de junho de 1947; no mesmo sentido DUGUIT, “Le droit social, le droit individuel et la transformation de l’Etat”, pref., pág. 36.
39 A. SAMPAIO DÓRIA, op. cit., pág. 103.
40 J. DE HULSTER, “Le droit de grève et sa réglementation”, Paris, 1962, pág. 186.
41 MARCEL WALINE, “Manuel de droit administratif”, Paris, 1936, pág. 391.
42 H. BERTHÉLEMY, “Traité élémentaire de droit administratif”, Paris, 1900, págs. 56 e segs.
43 R. BIELSA, “Derecho Administrativo”, 3ª ed., Buenos Aires, 1938, vol. II, págs. 33 e segs.; e “Ciencia de la administración”, Rosário, 1937, pág. 62.
44 A. ESMEIN, “Eléments de droit constitutionnel”, 6ª ed., Paris, 1914, pág. 700.
45 A. ESMEIN, op. cit., pág. 701.
46 MAURICE HAURIOU, “Principes de droit public”, Paris, 1910, págs. 484-485.
47 DUGUIT, “Traité”, tomo III, págs. 10 e segs.
48 GASTON JÈZE, “Les principes généraux du droit administratif”, Paris, 1914, págs. 401 e segs.
49 H. BERTHÉLEMY, op. cit., pág. 663, nota 1.
50 “Código Social de MALINAS”, ed. Centro D. Vital, São Paulo, 1932, pág. 35.
51 In BRIOSCHI e SETTI, “Lo sciopero nel diritto”, Milão, 1949, págs. 263 e segs. e 365 e segs., e EMMA GUSTAVINO URETA, “Las huelgas en E. E. U. U. de Norteamerica”, in “La Huelga”, tomo II, pág. 347.
52 MARIANO TISSEMBAUM, “La huelga y el lock-out ante el régimen legal argentino”, in “La Hueiga”, tomo I, pág. 392, nota 2.
53 F. WALKER LINARES, “Las huelgas en la legislación de Chile”, in “La Huelga”, tomo II, pág. 299; ver mais, MOISÉS POBLETE TRONCOSO, “La huelga en la historia social y en la legislación chilena”, la “La Huelga”, tomo II, pág. 290.
54 GUILLERMO VARAS, “Derecho Administrativo”, Santiago, 1940, pág. 332.
55 MARCEL LALOIRE, “El derecho de hueiga en Bélgica”, in “La Huelga”, tomo II, página 27.
56 MAURICE VAUTHIER, “Droit administratif de la Belgique”, Bruxelas, 1928, pág. 47.
57 J. JESUS CASTORENA, “Tratado de defecho obrero”, pág. 646.
58 APARICIO MENDEZ, “Efeitos jurídicos da greve”, trad. bras., in “Boletim do Ministério do Trabalho”, nº 93, maio, 1942, pág. 226.
59 C. SALVAGNO CAMPOS, “La huelga ante el derecho penal”, Montevidéu, 1946, pág. 62.
60 EDUARDO J. COUTURE, “La huelga en el derecho uruguayo”, in “La Huelga”, tomo III, pág. 293.
61 Citado por COUTURE, op. cit., pág. 294, nota 23.
62 E. J. COUTURE, op. cit., pág. 296.
63 Cf. A. LEVI, “Il diritto di sciopero”, nel “Commentario Sistematico alla Costituzione”, diretto da P. CALAMANDREI e A. LEVI, Firenze, 1950, vol, I, págs. 461 e segs., M. T. ZANZUCCHI, op. cit., págs. 166 e segs., FERRUCIO PERGOLESI, “Diritto Costituzionale”, 7ª ed., Bolonha, 1949, pág. 320; BRIOSCHI e SETTI, op. cit., página 58.
64 FERRUCIO PERGOLESI, op. cit., página 320.
65 G. BALLADORE PALLIERI, “Diritto Costituzionale”, Milão, 1950, pág. 319.
66 EMILIO CROSA, “Diritto Costituzionale”, 3ª ed., Turim, 1961, págs. 176-177.
67 MARCEL PRÉLOT, “Précis de droit constitutionnel”, Paris, 1948, pág. 335.
68 JULIEN LAFÉRRIÈRE, “Manuel de droit constitutionnel”, 2ª ed., Paris, 1947, págs. 962-963.
69 GEORGES VEDEL, “Manuel élémentaire de droit constitutionnel”, Paris, 1949, pág. 326.
70 MAURICE DUVERGER “Manuel de droit constitutionnel et de science politique”, 5ª ed., Paris, 1948, pág. 373.
71 G. BURDEAU, “Traité de science politique”, tomo III, nº 55.
72 JULIEN DURAND, “La grève”, Paris, 1952, e J. DE HULSTER, “Le droit de grève et sa réglementation”, Paris, 1952.
73 JULIEN DURAND, op. cit., págs. 33-41.
74 JULIEN DURAND, op. cit., págs. 37-41.
75 J. DE HULSTER, op. cit., pág. 92.
76 J. DE HULSTER, op. cit., loc. cit.
77 Apud J. DE HULSTER, op. cit., página 191.
78 ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 127.
79 A. NOGUEIRA DE SÁ, “O funcionário público e o direito de greve”, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 178, pág. 497.
80 TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada”, Rio, 1949, vol. IV, pág. 43.
81 CARLOS MEDEIROS SILVA, “Funcionário público, participação de greve”, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 198, págs. 37-45; “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 29, pág. 368; “REVISTA FORENSE”, vol. 141, pág. 85.
82 ORLANDO GOMES, op. cit., pág. 129.
83 HAROLD LASKI, “La libertad en el Estado Moderno”, trad. esp., Buenos Aires, 1946, págs. 111 e 113.
84 PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1946”, Rio, 1947, vol. IV, pág. 64.
85 NÉLSON HUNGRIA, “Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, Rio, 1947, vol. VIII, pág. 41.
86 In “Arq. Judiciário”, 1949, vol. XCI, página 330.
87 Ver “Rev. dos Tribunais”, vols. 173-549, 177-52 e 68, 178-519, 180-57, 183-120, 185-92, 186-578, 191-95, 194-132 e 199-81.
88 CAMPO BARON SERRANO, “La Huelga y el Luck-out”, in “La Huelga”, tomo II, página 192.
89 BERNARDINO LEON Y LEON, “La huelga y su legislación en el Perú”, in “La Huelga”, tomo III, pág. 179.
90 Citado por COUTURE, op. cit., pág. 294, nota 23.
91 CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1946”, vol. I, pág. 134.
92 TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, op. cit., vol. III, pág. 295.
93 Ver sôbre o assunto CARMELO CARBONE, “L’Interpretazione delle Norme Costituzionale”, Pádua, 1951, nº 8, pág. 38.
94 CARLOS MAXIMILIANO, op. cit., volume III, pág. 205; ver, no mesmo sentido, ARNALDO SUSSEKIND, “La huelga en el derecho brasileño”, in “La Huelga”, tomo II, pág. 169.
95 EDUARDO ESPÍNOLA, “Constituição dos Estados Unidos do Brasil”, Rio, 1952, vol. II, página 599.
96 TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, op. cit., vol. cit., pág. 44.
97 TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, op, cit., vol. cit., pág. 44.
98 TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, op. cit., vol. cit., pág. 285.
99 VIVEIROS DE CASTRO, in “Rev. de Direito”, Rio, 1912, vol. 24, págs. 280-282.
100 Consulte-se a respeito: YVES GUYOT, “Les chemins de fer et la Grève”, Paris 1911, pág. 72; HELVÉCIO XAVIER LOPES, “Limitação ao direito à greve e ao lock-out”, in “Arq. Judiciário”, vol. XLV, pág. 204.
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Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
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