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CLÁSSICOS FORENSE
CONSTITUCIONAL
REVISTA FORENSE
Unificação da Justiça
Revista Forense
15/09/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 153
MAIO-JUNHO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 153
CRÔNICA
PARECERES
- A representação proporcional no sistema eleitoral brasileiro – Osvaldo Trigueiro
- Desapropriação – Retrocessão – Perdas e Danos – Carlos Medeiros Silva
- Impôsto e Taxa – Assistência Social – Competência Tributária dos Municípios – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
- Seguro de Vida – Cláusula de Suicídio – Período de Carência – Levi Carneiro
- Interdito Proibitório – Revogação do Mandado Inicial – Luís Machado Guimarães
- Casamento – Anulação – Êrro Essencial – Impotência “Coeundi” – A. Almeida Júnior
- Vereador – Imunidade Concedida em Lei Estadual – Agnelo Amorim Filho
- Compra e Venda de Árvores – Impôsto de Transmissão – Fajardo Nogueira de Sousa
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Lei Reguladora do Estatuto Pessoal – Haroldo Valadão
- O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro – Lourival Vilela Viana
- Contrôle das Assembléias Gerais das Sociedades Anônimas – Filomeno J. da Costa
- Da Apuração do Dano Conforme a Natureza da Culpa – Abelardo Barreto do Rosário
- A Inconstitucionalidade do Impôsto Adicional de 1%, Da Fundação da Casa Popular – Alípio Silveira
- A Crise da Propriedade Industrial – João da Gama Cerqueira
- Revelia do Autor – Absolvição de Instância – A. Lopes da Costa
- Unificação da Justiça – João Solon Macedônia Soares
- Salário Mínimo – Extensão aos Servidores Civis, Militares e Autárquicos, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, Bilac Pinto
- Abono de Desemprêgo, Bilac Pinto
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
SUMÁRIO: O projeto de federalização da Justiça. Sua justificação. Tentativas de unificação da justiça. Regime unitário e regime federativo. A relevância do Poder Judiciário. Regime eletivo dos juízes de paz. Conclusão.
Sobre o autor
João Solon Macedônia Soares; Nei da Silva Wiedemann; Lourenço Mário Prunes.
NOTAS E COMENTÁRIOS
Unificação da Justiça
Cumprindo o mandato outorgado pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Comissão apresenta seu parecer sôbre o Projeto de Reforma da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1948, elaborado pelo deputado federal FRANCISCO MACEDO, e, com a assinatura de mais 70 representantes de diversos Estados, oferecido, a 12 de dezembro de 1952, à Câmara dos Deputados:
I. Federalização da Justiça
A emenda constitucional nº 7-1952, que declara alterar os arts. 25, 94 e 124 da Constituição federal, e que, incidentemente, inclui novo art. 124 e suprime o § 3º do art. 26 da mesma Constituição, essa emenda constitucional visa à unificação da Justiça, em razão de dois motivos, os quais são, na ordem de apresentação (porque é outra a ordem de justificação): a) suprimir a maléfica influência da política em prejuízo da garantia de todos os cidadãos espalhados pelo vastíssimo território nacional, e b) corrigir a anomalia da não-inclusão dos tribunais e juízes dos Estados no art. 94, como órgãos do Poder Judiciário da União, no qual verdadeiramente êles se integram.
Quanto à primeira razão de ser da emenda constitucional nº 7-1952, expõe a justificação os fatos que revelam “a garantia absolutamente negativa” dada pela Justiça em tôda nossa vida republicana (ASSIS BRASIL). E são: 1º) a revolta incontida de homens amargurados pela injustiça, torturados pelas perseguições, violentados pelo arbítrio dos poderosos, homens êsses aos quais os juízes não fazem justiça porque peados pelo regulismo das aldeias; 2°) a sujeição do magistrado, no início da carreira, à prepotência dos chefes políticos do interior, forçando o juiz a se acomodar à politicalha das aldeias; 3°) o aparecimento de compromissos de família, levando o juiz a transigências para assegurar a colocação de filhos, genros, amigos; 4º) a dádiva dos postos de representação dos Estados aos filhos e genros dos juízes, aí colocados em pagamento de decisões favoráveis ao govêrno local, decisões dadas pelo juiz para obter essas escolhas. Fatos são êsses dos quais resulta a falta de confiança do brasileiro em sua Justiça. Ora, êsses fatos não mais ocorrerão se fôr unificada a Justiça, pois que ficarão os juízes libertos dessa escravização aos provimentos poderosos; a comprovação será fornecida, desde logo, pela apreciação das promoções por merecimento que, por enquanto, são meio de paga de serviços censuráveis, outorgados aos serviçais dos governantes regionais, relegando-se os juízes íntegros e cultos a comarcas modestas, sem maior rendimento financeiro ou cultural. Nem serve a êstes a promoção por antiguidade, por ser a vida muito curta, e o quadro funcional extenso. A par dessas conseqüências, ver-se-á o capital amparado, o cidadão seguro e a família garantida em seu lar e seu patrimônio. Assim sucederá necessàriamente, desde que unificada a Justiça, porquanto o govêrno central não agasalha mesquinhos interêsses nem paixões subalternas; a imprensa patriótica e vigilante imediatamente alertará, se assim se verificar; terão os juízes pronta e melhor defesa, e o senso de responsabilidade do govêrno central constituirá tranqüila garantia aos juízes de real merecimento.
Acrescenta-se que a unidade da Justiça é corolário da unidade do direito, tanto substantivo como adgetivo; e que, se a experiência republicana da pluralidade de direito adjetivo foi corrigida pelo retôrno ao padrão do Império, para corrigir essa da pluralidade da Justiça também devemos “retroagir aos tempos do Império”.
Quanto à segunda razão de ser dessa emenda constitucional, dá-se como fundamento dela o disposto no art. 36 da Constituição federal, onde o Poder Judiciário foi incluído como um dos Poderes da União. Entretanto, a não-inclusão dos tribunais e juízes dos Estados na enumeração do art. 94 da mesma Constituição torna evidente que êles não integram o Poder Judiciário da União. Mas, como êles não deveriam constituir um dos Poderes das unidades federativas, ficaram sendo apenas integrantes da organização judiciária, decaídos da categoria suprema do Poder. Vencedora a emenda, o Poder Judiciário será verdadeiramente um dos Poderes da União, tal como reza o artigo 36, citado.
Cumpre examinar as razões apresentadas, nessa ordem.
II. Sua justificação
Ponderados os têrmos da justificação, para bem aquilatar da necessidade da medida proposta, nota-se o seguinte.
1°) Quanto à revolta contra aplicação da lei, ou se apresenta como atitude individual, ou como movimento coletivo. Aquela da primeira espécie, evidentemente nenhuma reforma a extinguirá: o vencido sempre encontrará uma razão para explicar sua derrota, sem confessar a carência de direito; e a influência política a favor da parte contrária é a que se encontra mais a mão. Da segunda espécie, sòmente tenho noticia, entre nós, da revolução de 1842, em Minas Gerais, e esta foi contra alei de 3 de dezembro de 1841, “que regulara a interferência da política nos atos eleitorais, isto é, permitia que a compressão se fizesse por meio dela” (PEDRO CALMON, “História Social do Brasil”, 2° tomo, col. Brasiliana, 1937, pág. 306). Em outros têrmos, revolução contra ato do govêrno central, do govêrno imperial.
2°) Quanto à sujeição do magistrado novel ao chefe político, é óbvio que a unificação da Justiça não fará desaparecer nem uma nem outra espécie. A solução há de ser fornecida pela regulamentação do ingresso na magistratura, apurando-se, por exemplo, a têmpera do caráter do candidato através de sua atração; ou pela colocação dêle, no desempenho de funções de juiz temporário, junto a juiz de direito; ou outras semelhantes.
3°) Quanto à necessidade de satisfazer compromissos de família, também a unificação não fará desaparecer a conjuntura. O modo de atendê-los dependerá, de um lado, do caráter do magistrado, e, de outro lado, da dignidade, da honestidade, da correção dos outros. Na verdade, se o magistrado vir seus parentes repelidos de funções ou empregos em conseqüência das decisões por êle proferidas, isso revelará a má organização dos serviços públicos ou a péssima formação moral dos empregadores, conforme se tratar de funções públicas ou de atividade privada.
4º) Quanto às promoções por merecimento, – deixando à margem, por enquanto, o ataque estranhamente virulento contra os juízes, e atendendo tão-sòmente às louvaminhas ao govêrno central, – lembre-se o que disse RUI BARBOSA, em 1910, propugnando a unificação da Justiça: “Retirando aos Estados a composição da magistratura, cumpre, ao mesmo tempo, subtraí-la à ação do govêrno central. E’ o meio de lhe assegurar a independência, correspondente à sua missão, num regime onde se impõe aos tribunais o dever de negarem execução aos atos ilegais da administração e aos atos inconstitucionais do Poder Legislativo. Aos tribunais superiores é que deverá caber, não só o processo e suspensão dos magistrados, mas ainda a sua escolha. Dêste modo viremos a satisfazer uma aspiração eficazmente regeneradora, advogada, entre nós, desde 1896, no programa da opinião radical, e que acabará por emancipar da ação política a nossa magistratura” (“Comentários à Constituição”, coligidos por HOMERO PIRES, vol. 4º, pág. 52).
5º) Quanto à promoção por antigüidade, que se considera retardada por ser “a vida curta e o quadro funcional extenso”, vê-se que é completamente desconhecido o mecanismo das promoções alternadas, pois que, entre nós, é comum figurar na lista tríplice para promoção por merecimento aquêle que encabeça o rol por ordem de antiguidade: circunstância essa que demonstra que a vaga seguinte lhe caberá, na pior das hipóteses. Aliás, admitidos os têrmos da justificação, será forçoso reconhecer que se tornará mais retardada a promoção por antiguidade: a vida continuará curta e o quadro funcional será mais extenso.
III. Tentativas de unificação da justiça
Isto pôsto, é mister passar à parte positiva da justificação, ou seja, às vantagens que advirão da unificação pretendida, nos moldes propostos.
Tornar-se-á a magistratura subordinada ao govêrno central, cujos membros não protegem “mesquinhos interêsses”, nem abrigam “paixões subalternas”. É óbvio, portanto, que a justificação põe de lado tudo quanto lançou contra os governantes “do interior”, e considera que o govêrno central é constituído por escol, que se não apresenta vinculado àqueles “provincianos”, dos quais urge libertar os juízes. Mas o descabimento da argumentação é evidente.
Da mesma forma se apresenta a invocação do poder da imprensa para coibir abusos do govêrno central, reconhecendo-se implicitamente que ela não tem êsse poder para impedir as truculências do “regulismo das aldeias”, hoje não mais insuladas nos sertões e nos campos.
Nem tem maior fôrça apontar o “senso de responsabilidade” do govêrno central, cujos membros hão de vir dentre aquêles que a justificação mostra terem “má compreensão política”, com “hábitos arraigados da política das aldeias”, serem “provincianos” e “mandões”. Essa caracterização da fonte geradora dos elementos que tendem a alcançar cargos no govêrno central – por fôrça daquelas atividades políticas que desenvolvem – essa caracterização torna completamente desprovidos de valor os argumentos apontados, transformando-os na apresentação de meros paralogismos.
Finalmente, dentro na matéria ora em aprêço, deve-se atender para a asseveração fundamental dessa emenda constitucional: a falta de confiança do brasileiro em sua Justiça, Justiça que lhe vem dando garantia absolutamente negativa, em tôda nossa vida republicana. Neste passo, a leitura da justificação palpabiliza a nenhuma familiaridade com as lides forenses, pois menosprezou primaciais deveres do advogado, extensivos, indubitàvelmente, aos parlamentares.
Sintetizou-os o excelso Prof. JOÃO MONTEIRO em magistrais lições aos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo: ser probo, diligente, delicado e discreto.
“A delicadeza, – salientava – assinalam-na a Const. 6º, § 1º, 6 – de postulando – e também o Liv. 3º, tít. 20. nº 34, das Ordenações do Reino de Portugal de 1605, recopiladas em 16 de dezembro de 1773 pelo MARQUÊS DE POMBAL: “E as partes não porão nos artigos palavras desonestas, que façam a bem de sua justiça; e fazendo o contrário, mandará o juiz que por elas não perguntem testemunhas, e, além disso, dará ao procurador, ou à parte, que os tais artigos fêz, ou os ofereceu em Juízo a pena, que merecer, segundo a qualidade das pessoas, e da infâmia das palavras”.
Deslembrou-se ainda do lapidar conceito de BLUNTSCHLI, em sua clássica “Théorie Générale de l’Etat”: “As funções do juiz são tão santas, tão admiràvelmente consagradas à Justiça, que elas dão, muitas vêzes, a um homem fraco a coragem e a independência”.
Tanto assim que ao invés de proclamar que, em via de regra, apesar de ainda exíguos os estipêndios oficiais, a magistratura brasiliense não mede sacrifícios para, dentro da imperfeição e fragilidade humana, bem cumprir seus deveres funcionais, zelar e dignificar a toga simbólica, preferiu, extravasando recalques, enxovalhá-la com atrozes doestos. Entretanto, em tôdas as emergências, as mais angustiosas, desencadeadas nos períodos imperial e republicano, ainda quando mesmo ameaçada pela espada de Damocles, pronta à decapitação civil, – com ressalva de energúmenos, cogumelos venenosos a vicejar em todos os climas do planêta em horas de convulsão social – sempre se mostrou a magistratura “defensora natural das liberdades públicas e privadas, pairando tão alto que nem o favor, nem o temor pudessem ou possam atingir sua consciência e perturbar a imparcialidade serena dos julgamentos. E’ que, no dizer do DUQUE DE NOILLES (“Cent Ans de République aux Etats Unis”, ed. de 1889, vol. 2°, página 215), a sua independência é o próprio alicerce da nacionalidade”.
Entanto, valido das imunidades parlamentares, não trepidou arrasar moralmente o Poder Judiciário dos Estados Federados da União Brasileira, afirmando, com o aval de 70 colegas, que constituem figuras desfibradas, as quais não vivem, nem vegetam, felizmente, dentro em as fronteiras geográficas do Rio Grande do Sul. Aqui inexistem títeres de mandões de cidades e coronéis ou caudilhos de vilarejos perdidos no alto e ínvio sertão. Não há também, nem mesmo na massa proletária, criaturas despersonalizadas pelo vírus da inata subserviência, destituídas de caráter, náufragos das vicissitudes da vida, os quais, por viciosos ou ineptos, busquem refúgio sob o manto roçagante da toga. Aqui não vicejam tartufos, nem incapazes, circundados de todas as garantias constitucionais, de assumir perante o Conselho Superior da Magistratura, do Tribunal de Justiça atitudes viris contra o caudilhismo, instituição morta do passado, e o coronelato, ora objeto de ridículo.
O merecimento, sempre com ressalva do critério subjetivo do julgador e da livre escolha em lista tríplice, facultada ao governador do Estado, – longe de menoscabar o juiz promovido ou o advogado ou representante do Ministério Público, – exalta-o, e de seus pares merece homenagens admirativas e consagradoras de virtudes e talentos.
Acreditou e mal que, com o escandalizar a respeitável classe, representativa dum dos poderes estatais, face à Nação, vítima imbele de intrujões cobiçosos e relapsos, mais fácil seria, em face de tal calamidade pública, reformar a Lei Magna da República.
Faria jus ao aprêço e consideração cívica se, ao invés de incidir nas sanções cominadas pela ética parlamentar, iluminasse seu projeto com as luzes da ciência sociológica e jurídica, evocasse lições inapagáveis de antepassados que, em remoto dealbar da Independência Política, sonharam com a Federação, por fim concretizada com a República de 15 de novembro de 1889, o sistema ideal de unidade da Pátria Brasiliense.
IV. Regime unitário e regime federativo
Absorvido, assim, pelo anseio de prodigalizar pronta e salvadora melhoria de vencimentos aos difamados juízes de primeira e segunda instâncias, ora a exercerem, amoral e criminosamente, jurisdição na infinita vastidão do Brasil, inspirou-se, sem rebuço, na mentalidade reinante no mundo convulsionado por materialismo econômico, antônimo de idealismo programático: consumar transcendente e radical reforma orgânica com a displicência e presteza peculiares à mudança de cenários nos teatros. Tanto assim, precipitada e caòticamente, imprime nova redação ao art. 124: “À União compete a organização da Justiça nos Estados e no Distrito Federal, cujos órgãos, integrantes do Poder Judiciário, são os seguintes:
I) Tribunal de Justiça;
II) Juízes de direito;
III) Juízes de instrução criminal;
IV) Juízes de paz eletivos em cada município, cujas atribuições bem merecem, ao depois, especial análise.
E, depois de conferir ao art. 124 o nº 125, redige-o pela seguinte forma:
Art. 124, que deveria ser art. 125: “Fica estabelecida a unidade da Justiça, com observância, além dos já enunciados nesta Constituição nos incisos I a XII, menos o art. 190, todos os princípios, modificada, todavia, a redação do inciso VI para a seguinte:
“Inciso VI. Para os efeitos dos vencimentos de desembargadores e juízes, fica o país dividido em três zonas judiciárias, constituindo a 1ª zona o Distrito Federal e os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro; a 2ª zona, os Estados de Pernambuco, Bahia e Santa Catarina, e a 3ª, os demais Estados da Federação”.
Suprime do art. 250 o qualificativo judiciária, ficando, pois, reduzido a “a organização administrativa do Distrito Federal e dos Territórios será regulada por lei federal”.
Tal reforma, porém, data venia, além de ferina à clareza e perfeições gramaticais, proposta que foi de afogadilho, colide com a técnica legiferante. E, aprovada que viesse a ser sob a impressão de miséria, sobretudo moral e gafeirosa, dos agentes do Poder Judiciário, exsurgirão inconciliáveis conflitos com postulados basilares da Lei Orgânica da República.
V. A relevância do Poder Judiciário
Passando à segunda razão de ser, renova, tão-sòmente, a tentativa de integrar na Constituição, a idéia contida no art. 1º do anteprojeto desta sôbre o Poder Judiciário: na letra b do art. 1°, entre os órgãos do Poder Judiciário, apareciam os juízes e tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Na Comissão Constitucional, disse MÁRIO MAZAGÃO: “A Constituição, que cuida separadamente dos Poderes federais – Legislativo, Executivo e Judiciário, vai agora disciplinar êste último. Entretanto, na letra b do art. 1º, aparecem aquêles juízes e tribunais. Ora, tais juízes e tribunais, embora atualmente com atribuições de julgar causas em que a União é autora, ré ou interessada em virtude do sistema estabelecido na Carta de 37, que suprimiu os órgãos da Justiça federal de primeira instância, continuam a ser órgãos do Poder Judiciário dos Estados. Os membros da Federação, pela circunstância de se unirem pelo vínculo federativo, não perdem seu caráter de Estados. Nêle também o poder público se divide em Legislativo, Executivo e Judiciário. Os Estados deixariam de o ser, na acepção normal do têrmo, se lhes fôsse tolhida a posse dos seus poderes judiciários. Em seção própria, o projeto determina as garantias devidas à magistratura, quer da União, quer dos Estados, e à Justiça dêstes ainda se dedica uma seção especial” (in JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira de 1946”, vol. 2°, páginas 253-254). E ponderou GUSTAVO CAPANEMA: “Um dos primeiros preceitos que já votamos definitivamente, é êste: manter a federação. Votamos depois êste outro: “os Estados organizar-se-ão livremente, de acôrdo com a Constituição e as leis que adotarem, respeitados, porém, determinados princípios constitucionais, entre os quais se inclui o da existência e independência do Poder Judiciário estadual”. E acrescentou: “Estamos tratando da organização dos Poderes da União; não estamos regulando de modo geral e nacional os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Não estamos elaborando a Constituição de um Estado unitário, mas a de um Estado federal. Quando tratamos do Poder Legislativo, só regulamos o Legislativo federal. Quando tratamos do Poder Executivo, só regulamos o Executivo federal. Agora, lògicamente, ao tratar do Poder Judiciário, só podemos tratar do Judiciário federal. Isto pôsto, já por uma exigência da boa técnica constitucional, já pelo pressuposto da independência do Poder Judiciário estadual, não se me afigura possível incluir, entre os órgãos do Poder Judiciário, que ora vamos organizar, isto é, do Poder Judiciário da União, os juízes e tribunais dos Estados” (ob. e vol. cits., página 256).
VI. Regime eletivo dos juízes de paz.
A extensão territorial, ainda clamante de braços que a movam e de cérebros que os dirijam, e a diversidade climática, econômica e cultural das Províncias do Império, erigidas a Estados federados da União brasileira, bastam para convencer do condenado sistema unitário, centralizador por excelência, eminentemente burocrático, e, por isso mesmo, involutivo e asfixiador da nacionalidade.
Desmereceria reavivar, ainda quando a largos traços, a evolução política da Terra Brasiliense, se, dia por dia, no terreno econômico, financeiro, político e social, não se agigantasse o perigo da centralização unitária e desmembradora, inconciliável com a Federação dos Estados Unidos do Brasil, consagrada no art. 1º de sua Lei Magna. Entretanto, centralização, outrora tão endeusada por saudosistas monárquicos, corresponde a desmembramento, enquanto que a Federação assegura a unidade político-geográfica da Pátria.
Colônia lusa, durante cujo período sofreu, por um quase quarto de século, a benéfica influência do govêrno oriundo da Holanda e implantado pelo PRÍNCIPE MAURÍCIO DE NASSAU e cujos reflexos sôbre a organização das Câmaras Municipais, à inteira revelia da legislação portuguêsa, perduram na autonomia político-administrativa de cada comuna brasileira, ainda célula viva da República, – não obstante a tendência de a aniquilar, – o Brasil, dividido em capitanias hereditárias, dentre em cujos lindes, por frouxamente subordinadas a governadores gerais, imperava o absolutismo da fôrça e violência, exceção honrosa do Continente de São Pedro, virgem da compreensão esmagadora de botas de donatário ou capitães de mato, amargou tôda a gama de provações peculiares ao mediavelismo, arbítrio, prepotência, desigualdade, injustiçamento …
Instaladas no Rio de Janeiro a família real e sua côrte numerosa e famélica, ainda sob o terror-pânico das napoleônicas legiões sob o comando de JUNOT, de logo agraciado com o título de marquês de Abrantes, o govêrno britânico impunha, em 1808, a abertura dos portos brasilienses ao monopolizador comércio inglês, desviando, dessarte, a nossa exportação e importação de Lisboa, então totalmente bloqueado, para Londres…
Elevado, em 1816, por incontroláveis injunções, a Reino Unido ao de Portugal, com microscópicas vantagens culturais, o unitarismo, liberticida e asfixiador, provocou a eclosão da Revolução, em 1817, em Pernambuco, sufocada, graças à traição dalguns e, por fim, estrangulada pela matança cruel de figuras imortalizadas no Panteon da História e nimbadas pela auréola da legenda: Domingos Martins, Cabugá, padre Roma, padre Miguelito… Conquistada, por fim, galhardamente, pela Maçonaria, sob o martelete dos ANDRADAS e de GONÇALVES LEDO, continuadores da plêiade ilustre da Inconfidência Mineira e da Revolução Pernambucana, – a Independência Política, perpetuada pelo teatral grito do Ibiranga, a 7 de setembro de 1822, – o Brasil experimentou, contudo, para se libertar do jugo despótico dos caramurus reacionários, tôda a escala de doridos e sangrentos pronunciamentos revolucionários, determinados pala absorção integral e escravizadora da simbólica coroa imperial. Tôdas as convulsões desencadeadas no Pará e Maranhão, e, sobretudo, as de Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais e Bahia, derivavam, com efeito, do insoptável anseio de libertação ao baraço fatal à autonomia administrativa e política das Províncias, senzalas confiadas ao incontrolado poder de chefes de partidos, guindados a cátedras de ministros…
A cada queda de gabinete, conservador ou liberal, sobrevinha a impiedosa rasoira no funcionalismo e envolvente nesse perene redil de paixões inconfessáveis, de juízes municipais, de direito e de paz, promotores públicos e autoridades policiais e administrativas. Essa ferrenha e indesejável centralização, com o criar, em verdade, momentos de desforços a mínimos agravos, favorecia, única, exclusivamente, a figuras caudilhescas. Ameaçava, todavia, esfacelar o monolito brasiliense, alicerçada pelos másculos e heróicos bandeirantes, estruturado por seus indômitos continuadores e consolidado à face do inundo civilizado pelo gênio benfazejo do BARÃO DO RIO BRANCO. Outrossim, por largos anos após a proclamação da República, por deferir o centro a oligarquias arbítrio infinito, influência decisiva e vitoriosa até sôbre a administração de justiça, perpetravam ate álgidos e impunes assassínios de adversários decaídos das graças dos políticos do dia, cometiam rapacidade das fazendas, martirizavam familiares e correligionários das vítimas odiadas e imbeles… Retrata bem êsse nefando regime absolutista a “História do Brasil-Colônia – Brasil-Império”, do sergipano AUSTRICLIANO DE CARVALHO. E a literatura regional, nas páginas de “Canaan”, de GRAÇA ARANHA, e em “Sagarana”, de GUIMARÃES ROSA, imortalizam juiz apassivada e energúmeno e a mentalidade imperante em confins do sertão central…
E’ que a perpetuidade, garantia inscrita na Carta Constitucional de 1824, desaparecia a singelos pedidos de senhores de baraço e cutelo, concorrendo para que o Poder Moderador condenasse ao exílio à morte magistrados, apodados de previricadores e indesejáveis, na inacessível comarca de Santana dos Bananais, Província de Goiás…
A organização judiciária, a legislação substantiva e processual, estagnadas dentro em os moldes medievais e absolutistas do Reino de Portugal, onde, por anacrônicas e obsoletas, as traças se enfartavam nos arquivos da Tôrre do Tombo, – regeram o Brasil, desde o nascedouro, até que o Rio Grande do Sul promulgasse suas Leis de Organização Judiciária, n° de 16 de dezembro de 1895, a Policial, nº 11, de 15 de janeiro de 1896, seus Códigos de Processo Penal, de 1898, e de Processo Civil e Comercial, de 1908.
Graças à quebra da gargalheira conservadorista, da rotina burocrática, do apadrinhamento político-partidário, do gástulo proibitivo de expansão cultural civilizadora, da intervenção perene do govêrno central em seus serviços públicos internos, pôde o Rio Grande do Sul, bem como tôdas as ex-Províncias, algumas dessassombrada, gradativa e crescentemente, desdobrar energias e, devido, sobretudo, ao dinamismo, espírito de ordem e ansiedade de progresso, elevar-se, sob o regime presidencial federativo, a lugar condigno dentro em a Pátria Brasiliense.
Há, por sem dúvida, outras, carentes de vias de comunicações internas, difusão educacional, assistência sanitária, adversidades climáticas, conformismo hindu, que perduram, talvez, no primitivismo de capitanias hereditárias, de oligarquias familiares. Não incriminemos, porém, o regime político. Devassadas as causas, friamente já dissecadas pela ciência e literatura, aplicada a adequada terapêutica aos males que infelicitam populações disseminadas pela vastidão do Brasil Norte, Nordeste, Centro e Noroeste do Brasil, as visões panorâmicas, deformadas e caricaturizadas na justificação, serão esponjadas do mapa geográfico e político da Terra Cabralina, dos que, através de concursos, libertos de facciosismo, intolerância e fanatismo, possam atrair aos cargos judiciais cidadãos dotados de virtudes e talentos.
A essência dêsse poder não é o de julgar, doutrina BLUNTSCHLI, mas o de manter e proteger o direito; não está in judicio, mas in jure. E’ que não basta encontrar e formular a sentença nas espécies, mas aplicar a sanção jurídica e a manutenção do direito contra qualquer infração à ordem jurídica.
Enquanto as funções governativas bem podem ser comparadas “às da inteligência própria ao homem”, as dos juízes e tribunais correspondem às de sua consciência moral.
Esta, porém, não se improvisa, pois, a par de atavismo e hereditariedade, determinantes de atributos físicos ou fisiológicos, provindos de genitores e antepassados, a ambiência é muito mais extensa e complexa, não só a geográfica, como também e, sobretudo, a de natureza psíquica, social e moral, capaz, por pertinaz e continuada educação, de nortear bons instintos, aproveitar boas índoles, libertar de complexos de inferioridade e habituar à exação no cumprimento de deveres, com desassombro e dignidade.
Reincidirá em êrro a nação que se abalance a corrigir deformações, cauterizar chagas vivas, curar de regionais males infelicitadores, apenas com a mudança de regimes políticos, quando, em verdade, cumpre-lhe modificar a mentalidade, substituir os governantes e áulicos que semeiam o mal e apodrentam a democracia, em sua forma federativa presidencial.
VII. Conclusão
Evidenciando obsedante preocupação, a emenda constitucional número 7-1952 regulamenta o provimento dos cargos de juízes de paz e suas atribuições, indo a minúcias compatíveis com lei de organização judiciária, mas elevadas à categoria de normas constitucionais: serão êles eletivos, terão funções judicantes nas causas cíveis de valor não superior a Cr$ 1.000,00 e sua remuneração consistirá apenas nos emolumentos, fixados em regimento de custas.
Imediatamente ressalta a flagrante incongruência dessas normas com todo o conteúdo da justificação. Adotando, não uma modalidade criticável ou mesmo ruim de provimento, a emenda escolheu a pior de tôdas, e confere a êsses juízes eletivos o julgamento das causas de pequena importância pecuniária, precisamente as questões de todo o dia, a cada momento opondo uns aos outros os seus jurisdicionados. Assim sendo, voltam-se contra a emenda todos os argumentos expostos na justificação “mal estabeleceram o sistema eletivo nos Estados de Mississipi e Illinois, começaram os candidatos à judicatura a assumir compromissos acêrca de futuras sentenças. Fundou-se na Pensylvania um sindicato para explorar o assassínio e o banditismo. Teve em suas mãos a administração das cidades e a arrecadação dos impostos. Elejeu juízes; por poucos votos deixou de sentar-se no Tribunal um dos chefes dos assassinos”. “A lei de Lynch arraigou-se como desforra contra as complacências e cumplicidades dos juízes em relação aos piores delinqüentes”. “Um dêles declarou – quem ocupa uma cadeira de magistrado, possui um alto patronato, de que dispõe a seu talante, em favor de quem lhe apraz. Quanto a mim, triunfei sempre na vida, auxiliando os amigos e não os adversários”. Escreveu JOHN ADAMS: “Eleitos pela oligarquia reinante, os magistrados mostram-se obsequiosos para com a maioria, a quem devem os seus lugares. A autoridade judiciária prostitui-se às manobras eleitorais, não mais se faz justiça. A inocência e a virtude não servem de salvaguarda senão para os amigos da fação dominante, a qual, por meio de processos intentados sob o abrigo de legalidade mentirosa, reduz os adversários ao desespêro e à ruína” (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, 1923, ns. 368 e 369). Foi, em face dessas e análogas experiências, que a Assembléia Constituinte Sulriograndense não aceitou a emenda que consignava o provimento por eleição dos cargos de juízes de paz, aos quais, aliás, não daria funções judicantes (TARSO DUTRA, “Poder Judiciário e Ministério Público na Constituição de 1947”, págs. 130 e segs.).
Por êstes sucintos fundamentos, a Comissão, abaixo-assinada, em cumprimento à delegação outorgada pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, opina contra o andamento e aprovação da pretendida Reforma Constitucional, por arrazadora da União Federativa dos Estados Unidos do Brasil.
Pôrto Alegre, 1º de maio de 1954. –
João Solon Macedônia Soares; Nei da Silva Wiedemann; Lourenço Mário Prunes.
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