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Revista Forense

CLÁSSICOS FORENSE

PROCESSO CIVIL

REVISTA FORENSE

Interdito Proibitório – Revogação do Mandado Inicial

INTERDITO PROIBITÓRIO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 153

REVOGAÇÃO DO MANDADO INICIAL

Revista Forense

Revista Forense

30/08/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 153
MAIO-JUNHO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Lei Reguladora do Estatuto Pessoal – Haroldo Valadão
  • O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro – Lourival Vilela Viana
  • Contrôle das Assembléias Gerais das Sociedades Anônimas – Filomeno J. da Costa
  • Da Apuração do Dano Conforme a Natureza da Culpa – Abelardo Barreto do Rosário
  • A Inconstitucionalidade do Impôsto Adicional de 1%, Da Fundação da Casa Popular – Alípio Silveira
  • A Crise da Propriedade Industrial – João da Gama Cerqueira
  • Revelia do Autor – Absolvição de Instância – A. Lopes da Costa
  • Unificação de Justiça – João Solon Macedônia Soares
  • Salário Mínimo – Extensão aos Servidores Civis, Militares e Autárquicos, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, Bilac Pinto
  • Abono de Desemprêgo, Bilac Pinto

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA 

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Luís Machado Guimarães, advogado no Distrito Federal.

PARECERES

Interdito Proibitório – Revogação do Mandado Inicial

– No interdito proibitório o mandado inicial não é simples citação, nem proporciona medida revogável de caráter administrativo; é um mandado proibitório, contendo um preceito essencial à natureza mesma da ação.

CONSULTA

A consulente, juntando cópias da petição inicial do interdito proibitório que requereu contra E.P.S., S./A., do despacho que deferiu a inicial e do subseqüente despacho que, revogando o preceito liminarmente concedido, transformou-o em simples citação, inquire: Importa, ou não o aludido despacho em subversão da ordem processual?

PARECER

I. Já no direito processual caduco, anterior ao Código vigente, acesa controvérsia se manifestara a respeito da eficácia e efeitos do mandado proibitório, uma vez contestada a ação de preceito.

Haviam os praxistas, deturpando o sentido da norma contida nas Ordenações (Liv. 3, tít. 78, § 5°), afirmado o caráter necessàriamente alternativo do pedido, nas ações de preceito cominatório, também denominadas, por isso mesmo, “de embargos à primeira”. Nestas ações – ensinavam os velhos expositores do processo – ou o réu cumpre o preceito, ou comparece em juízo e apresenta a sua defesa, por meio de embargos; neste último caso, resolve-se o preceito em simples citação.

II. A resolução do preceito em simples citação, de acôrdo com a lição dêsses praxistas, passou para a Consolidação de RIBAS (art. 775), a Consolidação das leis referentes à Justiça federal (dec. número 3.084, de 1898, parte III, art. 414), a lei processual do Distrito Federal (dec. número 9.263, de 1911, art. 221, § 2º) e alguns Códigos estaduais.

Na prática, porém, êsse procedimento revelou-se ineficaz e inapto para o fim colimado: remédio específico contra a ameaça de violência iminente e, por isso mesmo, liminarmente concedido – podia ser privado de eficácia mediante a simples apresentação da defesa pelo réu. Atribuía-se aos embargos a virtude miraculosa de autorizar o réu a praticar aquêles mesmos atos que o autor visava impedir.

III. Outras legislações estaduais, adotando o exemplo do Código do Estado do Rio, de 1912 (art. 1.482), dispunham que, contestada a ação, subsistiam, provisòriamente, os efeitos do mandado proibitório, até a sua confirmação ou revogação na sentença definitiva (Códigos do Maranhão, art. 383; Bahia, art. 395; Pernambuco, art. 554; São Paulo, art. 616, etc.). O último Código do Espírito Santo, empregando fórmula incisiva e clara, preceituava:

“O comparecimento do réu não anula os efeitos do mandado proibitório e a sua transgressão, no curso da ação, constitui atentado” (art. 442, § 6°).

IV. O conceito de atentado, invocado na lei espírito-santense, tem plena aplicação ao interdito proibitório. Com efeito, travando-se o litígio em tôrno a determinados atos, que o réu ameaça praticar, como poderia o juiz permitir a realização, no curso da lide, dêsses mesmos atos? Por isso mesmo, o Código do Distrito Federal, de 1924, dispunha, no art. 528:

“Transgredindo o réu o preceito, no curso da causa, o autor denunciará o atentado e o juiz, procedendo de acôrdo com as prescrições do capitulo VIII do título I dêste Livro, ordenará, por simples despacho, a restituição da posse ao estado anterior”.

O dispositivo transcrito, de acôrdo com a lição autorizada do Prof. ODILON DE ANDRADE, “põe fim, no processo local, à controvérsia que existe no processo federal em relação aos efeitos dos embargos opostos pelo réu ao mandado proibitório… O artigo do texto põe fora de dúvida que o mandado proibitório tem efeito até a sua definitiva confirmação ou revogação, constituindo atentado a sua transgressão” (“Código do Distrito Federal Anotado”, 1927, vol. I, pág. 297; no mesmo sentido, HELVÉCIO DE GUSMÃO, “Código do Distrito Federal Anotado”, 1931, pág. 356).

V. Cabe ainda recordar, entre as leis de processo estaduais, a de Minas Gerais, que, disciplinando o interdito proibitório, determinava, no art. 675, a conversão do preceito em simples citação, uma vez contestada a ação, mas dispunha, logo em seguida (art. 676), que constitui atentado a transgressão do mandado proibitório pelo réu, no curso da causa.

Esta aparente contradição era assim explicada pelo ministro ARTUR RIBEIRO, eminente autor e comentador do Código mineiro:

“Devo, entretanto, consignar que, examinando melhor a questão, convenci-me que não desaparece o preceito, pelo fato de ser convertido em simples citação.

“A meu ver, o preceito subsiste em seus efeitos.

“De acôrdo com êsse pensamento rediga o art. 676 do Cód. de Proc. Civil de Minas, que está assim concebido:

“Se, durante o curso da causa, o réu transgredir o interdito proibitório, o autor, em petição, exporá os fatos constitutivos de atentado, seguindo-se o processo dos arts. 526 e seguintes”.

“Êsse dispositivo, como está claro em seus têrmos, supõe a subsistência do preceito.

“Quando se diz que êsse preceito se converte em simples citação, é que essa citação é bastante para garantir a situação de fato criada pelo preceito, pois um dos seus efeitos é tornar a coisa litigiosa, segundo a expressão do art. 59 do reg. nº 737” (“Rev. de Direito”, vol. 92, pág. 563, apud HELVÉCIO DE GUSMÃO, ob. cit., pág. 360).

VI. A divergência, que se notava nas diversas codificações estaduais, em tôrno à eventual conversão do mandado proibitório em simples citação, refletia-se, na doutrina e na jurisprudência, através de infindáveis controvérsias. Os repositórios da época registram pareceres dos mais reputados juristas e arestos de vários tribunais, debatendo vivamente a questão. É inegável, porém, que, na doutrina e na jurisprudência, tal como aconteceu na legislação, tendia a prevalecer a corrente que, atendendo a exigências de ordem prática e de ordem lógica, mantinha incólumes, até à sentença final, os efeitos do mandado proibitório, não obstante a superveniência dos embargos.

VII. Dentre os numerosos pareceres, então divulgados, merece ser recordado o que foi proferido pelo insigne CLÓVIS BEVILÁQUA, do qual transcrevemos a parte final:

“E o mal está, precisamente, em supor que os embargos, desnaturando o processo em matéria possessória, destroem o preceito, quando, apenas, abrem espaço à discussão.

“Tendo os praxistas lançado a confusão neste assunto, é natural que as sentenças se ressentissem da influência dêles. Muitas, porém, reagiram em nome da sã razão, como, entre outras, essa do Tribunal de São Paulo, que o livro “Ações possessórias” refere à pág. 106:

“No preceito cominatório, o comparecimento do citado não autoriza a suspensão do interdito, ainda que seja prestada a caução”.

“É tempo de firmarem-se princípios, que disciplinem esta matéria, segundo a razão e a justiça, e pôr de lado a confusão, que se fêz por ausência de crítica.

“Isto pôsto, respondo: Por ter embargado o preceito proibitório, não pode o embargante praticar atos da espécie que motivou o pedido e determinou a concessão do interdito. Tais atos são atentados contra o preceito concedido, que os embargos apenas tornaram provisório até à sentença final” (CLÓVIS BEVILÁQUA, “Soluções Práticas de Direito”, 1923, vol. I, pág. 236).

VIII. Cabia ao Código Nacional de Processo, de 1939, disciplinar com clareza e segurança o interdito proibitório, pondo fim às incertezas e controvérsias até então existentes. Dispunha o legislador de. material abundante – sentenças judiciais e pareceres de jurisconsultos – bem como de bons modelos, fornecidos pelas leis de processo estaduais.

Mas, nos quatro modestos artigos – 377 a 380 – em que disciplinou o procedimento do interdito proibitório, não conseguiu o novo estatuto processual evitar as dúvidas e perplexidades, que continuam a assaltar os intérpretes. É certa que êstes já se não referem, salvo raras exceções, à “resolução do mandado proibitório em simples citação” – velharia, que, sem nenhuma dúvida, não merece ser ressuscitada. O que agora se inquire é se, o mandado inicialmente expedido já encerra uma ordem de abstenção, um preceito dirigido ao réu (vim fieri veto), ou se apenas vale como mandado de citação, só podendo o preceito ser concedido após: o contraditório, na sentença final.

IX. Para o douto AMORIM LIMA, “no interdito proibitório disciplinado pelo Código, não existe a concessão initio litis: de mandado tuitivo da posse; a ação se inicia, como outra qualquer, consoante se infere, do disposto no art. 379, que ordena seja o réu citado, por meio do mandado, “para, no prazo de 10 dias, apresentar contestação”. O Código, segundo êste comentarista, “teve em mira facultar ao possuidor um meio judicial de acertar, com um possível contendor, as dúvidas que possam resultar em conflito possessório; estabelece-se ampla debate sôbre êsse assunto e a sentença final obriga as partes ex nunc” (“Código de Processo Civil Brasileiro”, São Paulo, 1941, vol. II, págs. 274 a 278).

Assim conceituado o interdito proibitório, não poderia surgir a questão referente à revogabilidade, antes da sentença definitiva, do efeito cominatório do mandado expedido initio litis, obviamente, o mandado, uma vez efetuada a citação, já teria esgotado o seu objetivo único; após a sentença definitiva, seria expedido novo mandado tuitivo da posse do autor.

X. A interpretação proposta por AMORIM LIMA, se bem que haja sido adotada por alguns arestos dos tribunais, não logrou, entretanto, fazer adeptos entre os demais comentadores do Cód. de Processo. É assim que CARVALHO SANTOS (“Código de Processo Civil Interpretado”, vol. 5, pág. 187), CÂMARA LEAL (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. 5, nº 68) e PONTES DE MIRANDA (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 3, tomo I, pág. 331) reconhecem o efeito proibitório do mandado, devendo subsistir, até sentença final, a proteção inicialmente assegurada contra a violência iminente.

Esta interpretação, que tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência, abre ensejo a que se suscite a questão, que é objeto do presente parecer: a proteção à posse, inicialmente concedida pelo juiz, pode ser por êste revogada, antes da sentença final?

Interditos de manutenção e de reintegração

XI. Ao disciplinar os interditos de manutenção e de reintegração, dispõe o Código: “O autor poderá requerer mandado de manutenção ou de reintegração initio litis, provando, desde logo…” (artigo 371). Para a prova dos requisitos exigidos, prevê o parág. único do citado artigo, uma justificação, que poderá ser efetuada sem audiência da parte contrária.

Esta medida preliminar, se bem que não seja de rigor (art. 373: “Concedida, ou não, a manutenção ou reintegração preliminar…”), serve para caracterizar a ação dos arts. 371 e segs. como verdadeiro interdito. E’ sabido, com efeito, que o interdictum romano consistia em uma providência liminar, de natureza administrativa, emanada do imperium do pretor, tendente a manter o estado de fato, relegado para depois o debate contraditório em tôrno aos direitos das partes (V. SCIALOJA, “Procedura Civile Romana”, 1936, pág. 222).

Visando proteger a posse, que é uma situação de fato, a medida liminar prevista no art. 371 se traduz por uma providência de caráter material, de fato: o possuidor é reconduzido ou conservado na posse, por ordem do juiz.

Em se tratando de medida preliminar, de natureza administrativa e que não é de rigor, pode-se admitir a sua revogabilidade. A ação, que pode ser iniciada sem a medida preliminar, também pode prosseguir sem ela.

Ação de interdito proibitório

XII. Mas, a ação de interdito proibitório, tal como a disciplina o Código, não se pode iniciar e não pode prosperar desprovida do preceito inicial; êste não é, como nas ações de manutenção e de reintegração, providência liminar autônoma, que, por isso mesmo, pode ser concedida e revogada sem prejuízo do curso da ação.

As ações de manutenção e de reintegração se acham disciplinadas em um só capítulo; o exercício de uma por outra dispõe o art. 375 – não induz nulidade. A ação proibitória é versada em outro capítulo, não permitindo aplicação das normas dispostas no capítulo anterior.

A iminência da turbação exige o remédio imediato. Esta simples observação é suficiente para afastar a exegese proposta por AMORIM LIMA, segundo a qual fica transferida para a sentença definitiva a proteção à passe ameaçada. A proteção, no caso do art. 377, é dispensada pelo mandamento, ordem, ou preceito emanado do juiz, mandamento êste que, uma vez concedido, só poderá ser revogado na sentença final.

XIII. Êste caráter – de ação cominatória – que tem a ação do art. 377, foi pôsto em evidência, com profundo senso jurídico, pelo Prof. JORGE AMERICANO:

“O interdito proibitório, antigamente chamado ação de embargos à primeira e também denominado preceito cominatório, ou ação de fôrça iminente, é verdadeira ação cominatória para obtenção de ato, e como tal poderia estar entre as enumeradas no art. 302” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2°, pág. 233).

XIV. A ordem ou preceito emanado do juiz é de caráter provisório, apenas no sentido de dever ser confirmada ou revogada na sentença final; mas – acentue-se bem – só na sentença final, porque êsse preceito é essencial à natureza mesma da ação cominatória.

É certo que o art. 377 não se refere expressamente à prova dos requisitos do interdito proibitório, exigindo, apenas, que concorram tais requisitos. Mas, uma prova quantum satis é necessária, em se tratando de processo cominatório. Como tivemos ocasião de salientar, em comentário ao art. 303 do mesmo Código (que também não faz menção expressa à prova), cumpre ao juiz, ao despachar a inicial da ação cominatória, “mediante uma cognição sumariíssima das alegações do autor e dos documentos juntos à inicial, proferir verdadeira decisão sôbre o mérito, de caráter provisório e condicional” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. IV, pág. 228).

Mandamento inicial

XV. O que caracteriza o processo cominatório é, exatamente, o preceito ou mandamento inicial; é porque persiste êsse preceito até final sentença, que o parágrafo único do art. 378 dispõe que:

“Se, no curso da ação, se efetivar o esbulho ou turbação, o juiz dispensará ao possuidor molestado o remédio de que trata o capítulo anterior”.

Na espécie sôbre que versa a consulta, o MM. juiz, em seu incriminado despacho, não somente revogou o preceito que inicialmente concedera, como também permitiu expressa e declaradamente a prática pelo réu dos atos que o autor temia. É evidente, portanto, que ficou o autor impossibilitado de se valer da medida disposta no art. 378, parág. único.

Estamos, assim, em face a uma ação de interdito proibitório sem mandado proibitório e sem possibilidade de remédio para a turbação eu esbulho, o que significa uma ação proibitória vazia de sentido e privada de finalidade.

XVI. Em resumo – No interdito proibitório disciplinado pelos arts. 377 a 380 do Cód. de Proc. Civil, o mandado inicial não é nem pode ser de simples citação, nem proporciona simples medida revogável de caráter administrativo, tal como a prevista no art. 371; é um mandado proibitório, contendo um preceito essencial à natureza mesma da ação proibitória.

Em face do exposto, e salvo melhor juízo, assim respondo ao quesito único da consulta:

“O despacho sôbre que versa a consulta, que revogou o preceito concedido initio litis, transformando-o em simples citação, incorre, data venia, em êrro que acarreta a inversão tumultuária dos atos e fórmulas da ordem legal do processo”.

Rio de Janeiro, 20 de maio de 1953. –

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