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CIVIL
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
Seguro de Vida – Cláusula de Suicídio – Período de Carência
Revista Forense
29/08/2022
REVISTA FORENSE – VOLUME 153
MAIO-JUNHO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413
FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO
FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,
Abreviaturas e siglas usadas
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SUMÁRIO REVISTA FORENSE – VOLUME 153
CRÔNICA
PARECERES
- A representação proporcional no sistema eleitoral brasileiro – Osvaldo Trigueiro
- Desapropriação – Retrocessão – Perdas e Danos – Carlos Medeiros Silva
- Impôsto e Taxa – Assistência Social – Competência Tributária dos Municípios – Osvaldo Aranha Bandeira de Melo
- Seguro de Vida – Cláusula de Suicídio – Período de Carência – Levi Carneiro
- Interdito Proibitório – Revogação do Mandado Inicial – Luís Machado Guimarães
- Casamento – Anulação – Êrro Essencial – Impotência “Coeundi” – A. Almeida Júnior
- Vereador – Imunidade Concedida em Lei Estadual – Agnelo Amorim Filho
- Compra e Venda de Árvores – Impôsto de Transmissão – Fajardo Nogueira de Sousa
NOTAS E COMENTÁRIOS
- Lei Reguladora do Estatuto Pessoal – Haroldo Valadão
- O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro – Lourival Vilela Viana
- Contrôle das Assembléias Gerais das Sociedades Anônimas – Filomeno J. da Costa
- Da Apuração do Dano Conforme a Natureza da Culpa – Abelardo Barreto do Rosário
- A Inconstitucionalidade do Impôsto Adicional de 1%, Da Fundação da Casa Popular – Alípio Silveira
- A Crise da Propriedade Industrial – João da Gama Cerqueira
- Revelia do Autor – Absolvição de Instância – A. Lopes da Costa
- Unificação de Justiça – João Solon Macedônia Soares
- Salário Mínimo – Extensão aos Servidores Civis, Militares e Autárquicos, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, Bilac Pinto
- Abono de Desemprêgo, Bilac Pinto
JURISPRUDÊNCIA
LEIA:
Sobre o autor
Levi Carneiro, advogado no Distrito Federal.
PARECERES
Seguro de Vida – Cláusula de Suicídio – Período de Carência
– É valida a cláusula, inserta na apólice de seguro de vida, excluindo a responsabilidade do segurador no caso de suicídio do segurado.
PARECER
1. Pergunta-se:
I. É válida a cláusula de apólice de seguro de vida que exime a seguradora de pagar a indenização estipulada, em todos os casos em que o segurado se tenha suicidado?
II. É válida a cláusula de apólice de seguro de vida, pela qual, mesmo involuntário o suicídio, o risco só ficará coberto, pela seguradora, depois de transcorrido certo “período de carência”, de um, dois ou mais anos de vigência do contrato?
III. Decorrido êsse “período de carência”, a indenização, por morte do segurado, será devida, ainda em caso de suicídio voluntário?
Seguro de vida e suicídio
Sôbre a primeira pergunta
2. Nosso Cód. Civil contém dispositivo, atinente à questão envolvida na primeira pergunta, assim formulado:
“Art. 1.440. A vida e as faculdades humanas também se podem estimar como objeto segurável, e segurar, no valor ajustado, contra os riscos possíveis, como o de morte involuntária, inabilitação para trabalhar, ou outros semelhantes.
Parág. único. Considera-se morte voluntária a recebida em duelo, bem como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo”.
São evidentes as razões justificativas desse preceito: o interêsse social pela vida humana leva, necessàriamente, a não favorecer o suicídio e a condená-lo. Tanto que o procedimento contrário – pelo induzimento, pela investigação, ou pelo auxílio, ao suicídio – constitui crime previsto no art. 122 do Cód. Penal. Por outro lado, se o segurado não pode agravar os riscos, muito menos poderá provocá-los por ato seu.
Se a simples agravação do risco, provocada, ou procurada, pelo segurado, basta para excluir a indenização – assim há de ser, com maioria de razão, quando a morte, no caso de seguro de vida, sobrevém por determinação do próprio segurado.
O seguro não é contrato de natureza aleatória, funda-se em cálculos atuariais bastante precisos; o de vida baseia-se em estatísticas fidedignas sôbre a mortalidade e a duração média da existência humana. Não é admissível que se subvertam essas bases sólidas, atribuindo efeito jurídico ao ato voluntário, malicioso, calculado, do próprio segurado, à alteração dos riscos, normais, previstos pelo próprio segurado.
O suicídio voluntário, ou consciente – “premeditado”, como preferiu dizer nosso Código – não pode, pois, em caso algum, autorizar a indenização prevista no contrato de seguro. Sòmente a autoriza o suicídio involuntário, inconsciente, não premeditado, manifestação inequívoca de estado mórbido, verdadeiro caso fortuito. Assim dispõe o art. 1.440, acima transcrito.
Nesse sentido, a proibição, decorrente do art. 1.440 do Código, é de ordem pública – não valendo estipulação contratual em contrário (CLÓVIS BEVILÁQUA, “Código Civil Comentado”, vol 5, comentário ao art. 1.440; JOÃO LUÍS ALVES, “Código Civil anotado”, pág. 994: CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, vol. 19, pág. 287; M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, “Contratos”, vol. II, página 363).
Suicídio voluntário e involuntário
3. No entanto, a distinção entre suicídio voluntário e involuntário, a determinação do estado mental do suicida, ao pôr fim à sua própria vida – envolve-se, pràticamente, em dificuldades por vêzes insuperáveis.
Resulta que, quase sempre, o seguro do suicida só se liquida em processo judicial. Neste, as provas nem sempre permitem decisão segura da controvérsia. As dúvidas adensam-se. Estendem-se, até, à atribuição do ônus da prova. Em meio delas, não raro, juízes e tribunais decidem por considerações pré-constituídas, ou até mesmo por motivos de ordem sentimental.
4. Vem aqui a ponto considerar uma questão lateral – a da obrigação da prova sôbre o suicídio – que, no entanto, merece atenção, pois em tôrno dela se adensaram as dificuldades das controvérsias sôbre liquidação de seguros.
BAUDRY, LACANTINERIE e BARDE, reconhecendo que a jurisprudência se tem firmado noutro sentido, haviam já, antes da lei de 30, justificado largamente que ao beneficiário deve caber a prova de que o suicídio foi ato inconsciente (“Trattato di Diritto Civile”, “Delle Obbligazioni”, vol. III, págs. 431-436, ns. 2.093-2.067).
A lei belga (citada por VIDARI, “Corso di Diritto Commerciale”, vol. V, nº 749) põe tôda a prova a cargo do beneficiário.
Ainda sem chegar a essa solução extrema, impõe-se, pelo menos, uma distinção. Uma distinção a que se não tem atendido – e que consagrou o art. 62, al. 3, da lei francesa de 13 de julho de 1930, atribuindo ao segurador a prova de que a morte do segurado resultou de suicídio, exige do beneficiário, provado êsse fato, a prova de que o suicídio foi inconsciente (PLANIOL & RIPERT, “Traité de Droit Civil”, vol. XI, págs. 718-719). Os consagrados tratadistas consideram lógica esta regra, pois o suicídio não implica o inconsciente e muitas vêzes é acompanhado de perfeita lucidez de espírito. No mesmo sentido se pronunciaram COLIN & CAPITANT (“Cours de Droit Civil”, 7ª ed., volume II, nº 906).
Há, sem dúvida, autores, numerosos e ilustres, que, alheios à distinção, atribuem, por completo, ao segurador o encargo da prova. Assim, o mesmo VIDARI e VIVANTE. Êste e outros decidem – sem contestar a aplicação perfeita dos princípios de direito em que, como disse, fundaram BAUDRY, LACANTINERIE e BARDE a conclusão que veio a ser consagrada pela lei francesa de 1930 – por uma consideração humanitária: eximem-se os filhos da “necessidade dolorosa” de provar a demência do pai ou os casos desgraçados que o levaram forçadamente ao suicídio. OLAVO DE ANDRADE (“Seguros de vida”, nº 138) considera que: “obrigar a família do morto a vir a juízo provar que o suicídio foi involuntário é coagi-la a trazer ao conhecimento do público um infortúnio que o sentimento de respeitosa piedade ordena trazer secretamente guardado”.
Por igual, a 3ª Câmara do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, em acórdão de 16 de outubro de 1942 (in “Arq. Judiciário”, vol. 65, pág. 34), considerou que o suicídio é, em regra, ato de alienação mental e que ao segurador cabe, portanto, destruir essa presunção, provando que foi voluntário.
Mas, o constrangimento, o vexame, o escândalo – que se quer poupar – pouco se atenua se, não exigida do beneficiário a prova da involuntariedade do suicídio, se obriga o segurador a provar a voluntariedade do ato. Parece mesma que, ante o fato do suicídio consumado, a família do morto deve ter, no ponto de vista moral, maior interêsse em provar que resultou de movimento inconsciente, ou não premeditado, que de determinação, voluntária e refletida. Não há por que favorecer o interêsse pecuniário, em conflito com o interêsse moral, subvertendo os princípios jurídicos aplicáveis e transferindo o ônus da prova para a outra parte.
Na indecisão, que pode resultar, sôbre a solução legal preferível – uma consideração deveria prevalecer: a de que, em todo o caso, será sempre mais fácil, aos beneficiários, provar as circunstâncias em que ocorreu o suicídio e suas determinantes. A cláusula da carência, sòmente ela, evita tôdas essas dificuldades – excluindo uma investigação difícil, penosa, vexatória, – quer seja feita pelo segurador, quer seja feita pelo beneficiário. Ela constitui, pois, a melhor solução – para todos, para seguradores, para beneficiários, para juízes.
5. Por tudo isso, algumas legislações, alguns autores, algumas seguradoras, forrando-se a distinções e investigações difíceis, ou impraticáveis, preferiram excluir, desde logo, a indenização em tôda e qualquer hipótese de suicídio – admitem, ou estipula-se no próprio contrato de seguro, cláusula expressa nesse sentido. A questão envolveu-se na da legitimidade da chamada “cláusula de indisputabilidade”. PLANIOL e RIPERT reconhecem a legitimidade da exclusão da responsabilidade pelo suicídio “quaisquer que sejam as circunstâncias” (“Traité”, vol. XI, pág. 719, n° 1.397).
Nosso próprio Código exclui a indenização em caso de morte em duelo (artigo 1.440, parág. único), considerando-a sempre voluntária, embora seja certo que, por vêzes, o duelo se terá tornado irrecusável para quem nêle perdeu a vida.
O acórdão da 5ª Câmara da Côrte de Apelação de São Paulo, de 2 de dezembro de 1936 (in “Arq. Judiciário”, vol. 41, páginas 511-513), que condenou a seguradora a pagar a importância do seguro – restringiu o alcance da cláusula da apólice, que excluía a responsabilidade em todos os casos de suicídio, assentando de acôrdo com o ensinamento de RAMELLA, que essa cláusula sòmente se aplicaria aos casos de suicídio voluntário e fundou a condenação decretada na plena prova da insanidade mental do segurado.
Alega-se que a apólice não pode excluir a responsabilidade da companhia pelo risco de suicídio involuntário: o Código sòmente permite a exclusão da morte por suicídio premeditado, ou por duelo. Invoca-se o movimento atual, de socialização do Direito.
OLAVO DE ANDRADE considera que, “quando as Companhias estipulam que o contrato ficará resolvido em caso de suicídio, é nos têrmos acima expostos que a cláusula da resolução deve ser entendida. Esta é a doutrina de nosso Código e também dos tribunais franceses e belgas” (“Seguros de Vida”, pág. 93, número 129).
Quais são os têrmos a que se reporta, o douto magistrado? Lê-se na página imediatamente precedente de seu livro:
“O suicídio é o resultado do desequilíbrio mental que torna involuntário o ato; é o resultado quase sempre fatal de influências várias; é a manifestação extrínseca de fenômenos que escapam ordinàriamente à observação; o suicida comete sempre o ato em um estado de perturbação mental extraordinária, pois o instinto de conservação da vida é uma lei demasiadamente profunda para que o móvel ou a fôrça que o domine não seja também resultado de profunda perturbação; e por isso a jurisprudência dos tribunais tem firmado o princípio de que sòmente pode ser causa de anulação do contrato o suicídio consciente, voluntário…”
Há, nessas considerações, evidente incoerência. Se o suicida “comete sempre o ato em um estado de perturbação mental extraordinária”, como entender que a cláusula excludente de responsabilidade em todo o caso de suicídio sòmente se pode referir ao suicídio voluntário, consciente, premeditado – que, em rigor, não existe? Pois, assim não se favorece e recompensa o suicídio?
CARVALHO SANTOS (“Código Civil interpretado”, vol. 19, pág. 287), de acôrdo com CLÓVIS BEVILÁQUA e JOÃO LUÍS ALVES, nega a validade da cláusula que cubra a responsabilidade em todo o caso de suicídio. Nega, com razão, porque essa cláusula levaria a pagar a importância do seguro em casos de suicídio voluntário – o que a lei veda. O contrário ocorre, com a cláusula que exclui todos os casos de suicídio.
O art. 1.440 apenas proíbe que a apólice cubra o risco do “suicídio premeditado por pessoa em seu juízo”. Daí não decorre que seja obrigatória, sempre, a responsabilidade da seguradora pelo suicídio não premeditado – e que as próprias partes não possam excluí-la.
O atual e provecto ministro Sr. ROCHA LAGOA, quando juiz do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, vencido no julgamento da apelação nº 2.715, acentuou muito bem que o art. 1.440 do Código Civil “apenas permite seja segurada a vida contra o risco da morte involuntária, considerado tal o suicídio não premeditado; não veda, entretanto, que o segurador exclua, de entre os riscos, em determinado período, o suicídio involuntário ou inconsciente”. Nada se opõe à faculdade de assumir o segurador a obrigação de pagar o seguro em determina. dos casos e excluir outros.
Há de concluir-se que o Estado pode tornar indeclinável a responsabilidade dos seguradores nos casos de suicídio não premeditado, impedindo que a convenção exclua essa responsabilidade, de modo geral, sempre que ocorra suicídio. Poderá fazê-lo; mas, há de fazê-lo em têrmos expressos, e não o fêz. Não o fêz, sequer indiretamente. E não deveria fazê-lo, porque, se o fizesse, estaria contrariando o pensamento, justo e moralizador, de não estimular o suicídio.
6. Respondo, pois, pela afirmativa à primeira pergunta: é válida a cláusula que, de modo geral, exclua a responsabilidade da seguradora em caso de suicídio.
Validade da cláusula que exclui a responsabilidade do segurador
Sôbre a segunda pergunta
7. Como quer que seja, porém, a solução da questão apresentada na segunda questão não resulta, necessàriamente, da solução da primeira questão. Se esta se decide pela afirmativa – isto é, pela validade da cláusula que exclua a responsabilidade do segurador em todo o caso de suicídio do segurado – por certo, com maioria de razão, se há de admitir a cláusula que, sem excluir, de todo, essa responsabilidade, a exclua – sòmente durante determinado período inicial do seguro. Mesmo, porém, que se entenda ilegal e inadmissível aquela cláusula excludente do risco de suicídio, em todo e qualquer caso, – pode admitir-se a validade da cláusula que o exclua apenas em certo período inicial.
A apreciação da validade desta outra cláusula – que institui o chamado “período de carência” – há de inspirar-se noutras considerações. Apresenta uma solução do árduo problema da determinação do estado mental do suicida, ao tempo de sua morte, menos radical que a da exclusão absoluta da cobertura do risco de suicídio. Não autorizam a condenar a cláusula de carência as razões que se opõem à exclusão do risco de suicídio.
8. Em nosso Cód. Civil, para decidir a questão ora, em foco, deve ter-se em consideração, desde logo, o dispositivo seguinte:
“Art. 1.448. A apólice declarará também o comêço e o fim dos riscos por ano, mês, dia e hora”.
Também se há de atender ao artigo 1.432 do Cód. Civil, que, caracterizando o contrato de seguro, dispõe que, por êle, uma das partes se obriga a indenizar a outra “do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato”.
Por isso mesmo, no caso de seguro de vida, não vale o seguro do moribundo, e até mesmo (Cód. Civil, art. 1.444) se o segurado não presta informações exatas sôbre doenças graves de que tenha sofrido, que lhe comprometam a vitalidade e venham a causar-lhe a morte. Por igual, precisamente para acautelar o segurador contra a possibilidade de ter já o segurado, em mente, o propósito de suicidar-se, é razoável que o segurador assuma a responsabilidade do risco de morte sòmente depois de decorrido período de tempo, mais ou menos longo, acordado pelos contratantes. As partes podem, por certo, determinar a data em que se inicie o “futuro”; determinar a época dos riscos cobertos.
Ainda corroboram o entendimento fundado nesses dispositivos, favorável à legitimidade da “cláusula de carência”, em nosso Direito, os arts. 1.433, 1.434 e 1.460 do Cód. Civil, assim formulados:
“Art. 1.433. Êste contrato não obriga antes de reduzido a escrito, e considera-se perfeito desde que o segurador remete a apólice ao segurado, ou faz nos livros o lançamento usual da operação”.
“Art. 1.434. A apólice consignará os riscos assumidos, o valor do objeto seguro, o prêmio devido ou pago pelo segurado e quaisquer outras estipulações, que no contrato se firmarem”.
“Art. 1.460. Quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador”.
O Cód. Civil não proíbe a cláusula; mais que isso, claramente a permite. É certo, porém, que se pretendeu colhêr, no art. 1.433, argumento contrário à validade dessa mesma cláusula.
Ora, por êsse artigo, o contrato fica “perfeito” nos casos mencionados: não basta que seja reduzido a escrito (ainda que a jurisprudência vacile sôbre êsse ponto – vide CARVALHO SANTOS, obra cit., págs. 214-219); é, ainda, preciso que a Companhia remeta a apólice, ou faça em seus livros o lançamento usual.
Que diz o Código? Que o contrato, reduzido a escrito, ficara perfeito logo que preenchida tal ou tal condição. Ficará “perfeito” – isto é, obrigatório para as partes, irrevogável por qualquer delas – mas, tudo isso, sempre, nos têrmos em que ficou formulado. Se uma cláusula contratual exime o segurador da obrigação de indenizar o risco, em certas hipóteses, ou durante certo espaço de tempo – é irrecusável a observância dessa estipulação.
O próprio Cód. Civil, art. 1.434, mandou incluir na apólice de seguro “quaisquer outras estipulações que no contrato se firmarem”.
Então, por que não a cláusula de carência? Tanto mais quanto o art. 1.460 do mesmo Cód. Civil manda respeitar as limitações ou particularizações dos riscos, declaradas na apólice.
9. Logo se vê que não impede a lei, e nada impede, que as partes estipulem outras condições, de que fique dependendo que vigora o contrato (vide PIPIA, “Trattato delle assicurazioni terrestri”, números 259-260). A vigência do contrato, o início da responsabilidade do segurador não decorre imediatamente da perfeição do ato.
“Dal momento della conclusione del contratto si inizia formalmente il rapporto di assicurazione. Ma tale inizio non sempre coincide con l’inizio della responsabilità dell’assicuratore. Gli effetti dei contratto appunto per quanto riguarda la data di inizio della responsabilità dell’assicuratore variano secondo le diverse pattizioni delle parti, anche in relazione all’emissione della polizza ed al pagamento del premio… Per giudicare quinde dell’efficacia del contratto debbono tenersi presenti due momenti: quello della data di conclusione e quello della data di decorrenza della responsabilità dell’assicuratore rispetto ai rischi” (“Nuovo Digesto Italiano”, vol. I, vb. “Assicurazione in generale”; pág. 833).
10. Nossos mais insignes civilistas se pronunciaram em favor da perfeita legitimidade da cláusula de carência.
CLÓVIS BEVILÁQUA, em parecer de 20 de junho de 1928, – que se encontra nos autos do recurso extraordinário número 8.123, – opinou pela validade da cláusula excludente da responsabilidade do segurador em caso de suicídio involuntário do segurado, no primeiro ano de vigência da apólice. Ponderou o eminente jurisconsulto:
“Mas, dentro do que é lícito, podem “variar o modo e a extensão dos contratos. O segurador pode assumir a obrigação de pagar o seguro de vida, em certos casos, e excluir em outros. Nada se opõe a que o faça. Assim, a companhia pode “perfeitamente estipular que, no primeiro ano de vigência da apólice emitida, não terá esta valor em caso de suicídio inconsciente”.*
Também, o Sr. EDUARDO ESPÍNOLA, em parecer junto aos autos do recurso extraordinário nº 16.414, expendeu as ponderações seguintes:
“Parece-me que a cláusula, de que se ocupa a consulta, longe de contrariar o Cód. Civil, está, ao invés, em perfeita concordância com os seus dispositivos. No que diz respeito à primeira conclusão, é perfeitamente admissível a exclusão da responsabilidade do segurador em um ou mais casos de morte involuntária expressamente previstos. Não há lei que obrigue uma companhia de seguros de vida a satisfazer a indenização sempre que se trate de morte involuntária, a despeito das exceções que formule e sejam aceitas pelo segurado”.**
No Supremo Tribunal, outro dos nossos maiores civilistas, FILADELFO AZEVEDO, manifestou-se, incidentalmente, no mesmo sentido:
“Válida, pois, sem sombra de dúvida, diante do art. 1.440 do Cód. Civil, era a cláusula, aliás de evidente finalidade – dada a dificuldade da prova sôbre os móveis de um suicídio, sua verificação, logo após a conclusão de seguro, envolveria certa suspeição a justificar, em conseqüência, mera presunção hominis, que as partes poderiam perfeitamente acordar.
“Aliás, o período de carência poderia entrar como condição de seguro até em casos de morte involuntária, segundo o próprio Estado, ou seus órgãos parestatais, estabelecem para montepios, pensões e pecúlios. Outras circunstâncias poderiam ainda excluir a indenização, diante do probabilismo que a técnica usasse para informar o cálculo de seguros, como as epidemias, hecatombes, etc.” (“Um triênio de judicatura”, volume III, págs. 284-285).
11. No entanto, o insigne professor da Faculdade de São Paulo Sr. VALDEMAR FERREIRA se pronunciou contra a admissibilidade da cláusula de irresponsabilidade do segurador nos primeiros tempos do contrato, em face do parág. único do art. 1.440 do Cód. Civil (in “REVISTA FORENSE”, vol. 90, págs. 683-684).
Êsse pronunciamento valiosíssimo inspirou a jurisprudência que se está formando.
Entende o provecto jurisconsulto que o segurador não se pode eximir – ainda que por tempo limitado – de responsabilidade em caso de suicídio involuntário, não premeditado pelo segurado. Reconhece, aliás, que, em França (EMILE AGNEL,
“Manuel Général des Assurances”, ed. 1923, pág. 346, nº 391; P. DUPUICH, “L’assurancerie”, ed. 1922, pág. 385, nota 19), a Côrte de Cassação de Paris considerou válida a cláusula usual de irresponsabilidade nos 13 meses imediatamente seguintes à expedição da apólice.
Não mencionou o ilustre professor que, desde 1930, a lei francesa autoriza, expressamente, essa cláusula (infra, número 23).
Assim, entendia o Sr. VALDEMAR FERREIRA que “convenção dessa natureza não deixa, entretanto, de ser inconsentânea com a própria natureza do contrato, de um lado; de outro lado, e de certo modo, incompatível com o próprio Código”.
Ora, a argüida incompatibilidade da cláusula com a “natureza do contrato de seguro”, aliás mal fundada, como veremos, se desfaz ante a verificação do dispositivo da lei francesa de 1930 e das tendências de outras legislações de países de alta cultura jurídica.
A incompatibilidade resultaria de ser “da essência do contrato” que “comece êle a vigorar e a cobrir o risco da morte do segurado, desde que se torne perfeito”. Esta proposição é, porém, de todo, inexata – porquanto o contrato de seguro, desde que se torne perfeita, não cobre o risco de morte em tôda e qualquer hipótese. Não o cobre, se a morte ocorreu em duelo ou por suicídio premeditado, e, em geral, se houve agravação de risco; se houve reticência, ou omissão, sôbre enfermidade do segurado – e em outros casos, decorrentes de cláusulas da apólice. Portanto, como se pode pretender que as partes não possam ajustar que o risco seja admitido sòmente a partir de certa data, ou depois de certo tempo após a emissão da apólice? Como vimos, a data da “perfeição” do contrato pode não coincidir com a do início de sua vigência.
Quanto à incompatibilidade, “de certo modo”, com o nosso próprio Cód. Civil – resultaria, para o Sr. VALDEMAR FERREIRA, do fato mesmo de estar, por êsse Código, equiparado à morte involuntária o suicídio não premeditado. Parece-lhe, pois, que “assim como, por tratar-se de preceito de ordem pública, a apólice de seguro não pode, sob pena de nulidade, cobrir o risco do suicídio voluntário, ainda que mediante o pagamento de prêmio avultado, compensatório do risco assumido; nela também se não pode fazer a distinção que o Código, expressamente, igualou”.
A verdade é que o Código, no artigo 1.440, suprindo a omissão de nosso direito anterior, veda, em têrmos expressos, o seguro contra o risco de morte voluntária. Admite-o, pois, sòmente contra a morte involuntária. No parág. único do mesmo art. 1.440, considera morte involuntária – não podendo, portanto, ser objeto de seguro – a morte em duelo, “bem como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo”.
Em suma, o Código proíbe o seguro contra o risco da “morte voluntária”, incluindo nessa expressão a morte em duelo, ou por suicídio em certas condições. Essa proibição é de ordem pública. A apólice, que a infrinja, é nula; o seguro, nesses casos, será sempre inoperante.
Di-lo o. Sr. VALDEMAR FERREIRA, e com razão. No entanto, êle foi mais longe: não admitiu que a apólice estabeleça um período de irresponsabilidade do segurado para o caso do suicídio involuntário, nos primeiros tempos de vigência do contrato – porque assim se contrariaria o preceito do Código, que equipara o suicídio premeditado à morte voluntária.
É irrecusável, porém, que, fazendo essa equiparação, – para o efeito, expressamente declarado, de estender a proibição do seguro contra o risco de morte voluntária à do seguro contra o risco de morte em duelo e por suicídio premeditado por pessoa sã de juízo, – o Código não estabelece, em têrmos igualmente expressos, nem se pode pretender que tenha estabelecido, a perfeita, absoluta, indiscrepante, irrestringível identificação do suicídio não premeditado com a morte involuntária, para todos e quaisquer efeitos, em relação ao contrato de seguro. Não vedou que segurador e segurado se acordem em distinguir, entre os casos de morte involuntária, o de suicídio não premeditado. Demais, nenhuma proibição se entende ampliativamente. O que o art. 1.440 do Cód. Civil proíbe, em relação ao seguro em caso de suicídio, é a cobertura do suicídio premeditado. Sòmente isso. Não proíbe que se exclua, por certo tempo inicial, a responsabilidade do segurador pelo suicídio, ainda que involuntário.
Por certo, ninguém pretenderá que, em virtude da identificação, ou, antes, equiparação – inferida, a contrario sensu, do dispositivo legal, – não possa a companhia-seguradora majorar a taxa de seguro em relação ao segurado, em cuja família ocorreram casos de suicídio, involuntários, ou não, ou, até, que lhe recuse o seguro. No cálculo das probabilidades do risco avultam as do suicídio, ainda que involuntário, em relação ao indivíduo, cujos ascendentes se tenham suicidado, ainda que os suicídios se tenham considerado involuntários. Tais suicídios não se equiparam, por completo, aos casos de morte involuntária, ou antes, de morte natural – e o Código não o determina, nem proíbe que sejam considerados diversamente. A equiparação dêsses casos de morte resulta de que todos serão “involuntários”; mas, a involuntariedade do suicídio é, quase sempre, discutível ou duvidosa. Por vêzes, o suicídio involuntário – ou, antes, “não premeditado”, como diz o Código – resultante de uma tara hereditária, não é um risco fortuito, mas uma fatalidade irremovível, quase previsível. Em tais condições, é justo que possa a seguradora – forrando-se a questões sempre difíceis, sôbre a premeditação, ou a voluntariedade do suicídio, – tanto mais graves quanto mais próximo da data do seguro ocorra o suicídio do segurado – estipular, de acôrdo com êste, em caso de suicídio involuntário (só neste caso sendo responsável a seguradora), a responsabilidade prevaleça sòmente depois de decorridos um, dois, ou mais anos da expedição da apólice.
Dir-se-á que assim se tratam, diversamente, o caso de morte natural, involuntária, e o caso de suicídio não premeditado. Mas, há entre êles diferenças indiscutíveis e o próprio Cód. Civil, equiparando, implicitamente, os dois casos, para o só efeito de permitir o seguro em ambas as hipóteses – única coisa de que trata o art. 1.440 – não equipara, de modo absoluto, para todos os efeitos, êsses dois casos, nem veda que seguradora e segurado os distingam, fixando em datas diversas o início da responsabilidade pelos riscos de morte, numa e noutra hipóteses. Até mesmo o Código qualifica-os diversamente: “morte involuntária”, “suicídio não premeditado”.
O Sr. VALDEMAR FERREIRA reconhece que o art. 1.435 do Cód. Civil manda respeitar as cláusulas das apólices de seguro “que não contrariarem disposições legais”. Infere daí “a preocupação de assegurar às famílias, ou aos beneficiários dos segurados que viessem a perder o juízo e, nesse estado, cortassem a sua própria vida, o capital pactuado no contrato de seguro”.
Data venia, não percebemos como se possa fazer tal “inferência”. O art. 1.435, como acentuou CLÓVIS BEVILÁQUA, apenas consagra o “princípio gentil da convenção”, que é o da “liberdade dentro das normas legais”. O art. 1.435 admite, valida, consagra tôdas as cláusulas contratuais que “não contrariarem disposições legais”.
Já em nosso direito anterior ao Código Civil, CARLOS DE CARVALHO reconhecia a prevalência das cláusulas da apólice, consignando êste preceito em sua “Nova Consolidação”:
“Art. 1.252… Parág. único. O seguro, porém, da vida humana, ou para o caso de morte ou acidente, ou para o de vida, constitui entre os contratantes um contrato aleatório, subordinado às cláusulas da convenção”.
Qual é o dispositivo legal contrariado pela cláusula da carência? Não é, já vimos, o art. 1.440.
Têm-se, aliás, admitido cláusulas que abreviem prazos de prescrição fixados em lei (vide acórdão da 1ª Câmara da Côrte de Apelação do Distrito Federal, em que se congregaram os votos de três dos seus mais eminentes juízes de todos os tempos – MONTENEGRO, NABUCO DE ABREU, SÁ PEREIRA, in “Rev. de Direito”, vol. 77, págs. 313-314).
12. O Sr. PLÍNIO BARRETO criticou, brilhante e triunfalmente, o parecer do Sr. VALDEMAR FERREIRA, dizendo: “O parecer do ilustre professor assenta em vários equívocos, o primeiro dêles é considerar incompatível com a natureza do contrato de seguro a estipulação de que se trata por ser êsse contrato ânuo”.
O Sr. PLÍNIO BARRETO baseou em LEFORT (“Nouveau Traité”, vol. 1º, páginas 121, 135 e 141) essa contradita. E prosseguiu: “A natureza do contrato, ânuo no que se refere ao pagamento do prêmio, não é impedimento para estipulações dessa natureza, uma vez que os riscos podem ser sempre limitados. Também não é exato – e êste é o segundo equívoco do distinto professor – que a exclusão dos riscos relativos a suicídio não seja permitida porque vai de encontro a um preceito de ordem pública: a inclusão do risco do suicídio voluntário”.
Ainda nesse trecho, o exímio publicista invocou a autoridade de LEFORT (ob. cit., vol. 2, pág. 588).
Depois: “A regra geral é que podem as partes estabelecer, no contrato de seguro, as cláusulas que entenderem, menos as que atentarem contra a ordem pública, como, por exemplo, as que assegurarem o pagamento do prêmio ainda que o assegurado se suicide voluntàriamente” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 134, págs. 196-198).
Nesta passagem, o Sr. PLÍNIO BARRETO, além de LEFORT (ob. cit., vol. I, pág. 338), citou a prática corrente e a doutrina vigente nos Estados Unidos.
13. Não são raras decisões de nossos tribunais que validaram cláusulas determinantes do período de carência.
Nesse sentido, julgou a 3ª Câmara do Tribunal de Apelação de São Paulo, em acórdãos de 17 de junho de 1941, na apelação nº 10.783, e de 14 de abril de 1943, na apelação nº 12.572.
No primeiro dêsses casos, foi confirmada a sentença de primeira instância e excluída a responsabilidade da seguradora em virtude da cláusula de carência, declarando a Câmara: “Tal cláusula em nada colide com o art. 1.440 do Cód. Civil, simplesmente normativo que é êle, ou seja, de ordem pública apenas na parte em que veda o pagamento do pecúlio em caso de morte procurada por duelo ou suicídio voluntário. O art. 1.460 do Cód. Civil é terminante quando prescreve: se a apólice limitar os riscos de seguro, não responderá por outros o segurador” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 134, págs. 189-190).
Também a 1ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, em acórdão de 3 de novembro de 1941, admitiu a validade da cláusula de apólice de seguro – aliás contra o risco de acidente – que excluía a responsabilidade em todos os casos de suicídio e de qualquer alteração das condições mentais do segurado (“REVISTA FORENSE”, vol. 89, pág. 164).
Em 15 de maio de 1936, a Côrte de Apelação de Pernambuco julgou a ação intentada pelos beneficiários de seguro em cuja apólice constava que seria rescindida e não teria valor algum se o segurado perdesse a vida por suicídio consciente ou inconsciente ocorrido dentro do primeiro ano de sua vigência”. A ação tinha sido julgada procedente por sentença de primeira instância, que desprezou a cláusula apontada, por subordinar o pagamento do seguro “a uma condição impossível e proibida por lei”. A Côrte, unânimemente, reformou a sentença e julgou improcedente a ação (vide “Rev. de Crítica Judiciária”, vol. 24, páginas 289-299). O acórdão é longo, apreciando minuciosamente a questão. A autora alegara – como sempre se alega, com o mesmo objetivo, em casos similares – o novo aspecto do seguro após a grande guerra, o interêsse social, a socialização do risco, etc. O acórdão refutou essas argüições, mostrando que, em matéria de seguro privado, não houve alteração do statu quo ante: “A renovação, que se deu, foi na legislação social das classes trabalhadoras”, sendo nesse caso muito mais extensa e profunda a intervenção do Estado que em relação aos seguros privados. Quanto a êstes, as maiores modificações verificadas foram no sentido de evitar a evasão de capitais e de outras providências de caráter econômico – havendo maior amplitude das convenções, notando-se a admissão do suicídio, como risco segurado, sob a condição de ocorrer dois anos depois da validade do seguro, como dispôs a lei francesa de 13 de julho de 1930, ao passo que, anteriormente em França, o suicídio fora sempre excluído.
Apreciando a cláusula, acima referida, determinante do período de carência, o acórdão do Tribunal de Pernambuco assentou que não envolve condição, nem, muito menos, condição impossível: é apenas “uma disposição contratual atinente à determinação do comêço do risco na sua modalidade expressa”. Por essa forma, como acentuaram ANCEY e SICOT, a proibição do seguro em caso de suicídio não é mais de ordem pública, desde que se estabeleça o prazo de carência. Assim se exclui a difícil investigação, sôbre a voluntariedade, ou não, do suicídio. Êsse acórdão foi, na revisa citada, comentado pelo douto advogado Sr. FREDERICO DA SILVA FERREIRA, que lhe exaltou a doutrina, recordando a opinião de VIVANTE, favorável à cobertura do risco do suicídio desde que se estipule o período de carência. O acórdão repeliu a argüição de ser a cláusula em questão contrária ao parágrafo único do art. 1.440 do Cód. Civil, porquanto dêle resultaria a indenização no caso de suicídio, mesmo voluntária, depois do primeiro ano – e considerou que o citado dispositivo legal não tem caráter imperativo. O ilustre comentador mostrou a – validade da cláusula em face do invocado parág. único do art. 1.440, acentuando – com inteira procedência – que ela não acarreta a cobertura do suicídio voluntário, depois de decorrido o primeiro ano de vigência da apólice: ao contrário, a seguradora terá, sempre, nesse caso, o direito de considerar excluída a sua responsabilidade.
Em um caso de suicídio do segurado, tendo havido “reabilitação” da apólice, estipulava esta que “dentro de dois anos da data da reabilitação a responsabilidade da Companhia ficaria limitada ao valor do seguro liberado que corresponder à apólice antes da reabilitação”. A ação, intentada pelos beneficiários, foi julgada procedente por sentença do juiz da 2ª Vara Cível, aos 25 de março de 1943, por se tratar de suicídio involuntário e por se entender que a seguradora não podia cindir a sua responsabilidade para estabelecer um período de carência, em relação ao suicídio involuntário, contado da data da reabilitação. A sentença foi confirmada por acórdão da 5ª Câmara do Tribunal de Apelação do Distrito Federal pelos votos dos Srs. desembargadores CÂNDIDO LÔBO e ARI FRANCO, vencido o então desembargador Sr. ROCHA LAGOA.
Dessa decisão houve recurso para o Supremo Tribunal Federal (rec. extr. número 8.123), mas, considerou-se que a controvérsia girara em tôrno da questão de saber a data em que se iniciava o período de carência da apólice reabilitada. O douto relator, Sr. CASTRO NUNES, acentuou: “nem se duvidou da validade do período de carência em tais hipóteses”. Concluiu que o prazo decorria desde a emissão da primeira apólice (“Arq. Judiciário”, vol. 80, pág. 54).
Também FILADELFO AZEVEDO (vide n° 10) então se manifestou em favor da cláusula de carência.
Cláusula de Carência
14. Contudo, o egrégio Supremo Tribunal Federal tem, mais de uma vez, negado efeito à cláusula de carência.
Assim decidiu, no recurso extraordinário nº 8.226, por acórdão da 2ª Turma, de 3 de abril de 1945, confirmado por acórdão unânime do Tribunal Pleno, de 14 de agôsto de 1946 (“Arq. Judiciário”, vol. 80, págs. 119-122).
Por igual, decidiu a mesma egrégia Côrte, por acórdão de 16 de abril de 1951, no recurso extraordinário nº 16.414, reformando a decisão do Tribunal de Minas Gerais, que aceitara a cláusula, e contra o parecer do ilustre procurador geral Sr. PLÍNIO TRAVASSOS, também a ela favorável. A êsse acórdão foram opostos embargos, ainda não julgados.
15. Seja-nos permitido apreciar os fundamentos dessas colendas decisões.
No julgamento do recurso extraordinário nº 8.226, pela 2ª Turma, foi vencido o relator, o douto ministro, de saudosa memória, VALDEMAR FALCÃO, que considerou a cláusula em questão compatível com os arts. 1.432 e 1.460 do Cód. Civil e recordou a lei francesa de 1930, que consagrara a prática dessa cláusula, corrente anteriormente.
Dêle divergiu, porém, emitindo a opinião que triunfaria, o não menos douto, nem menos saudoso, ministro GOULART DE OLIVEIRA, que, considerando indeterminados os novos limites da noção de ordem pública, cabendo à jurisprudência defini-los em cada caso, ponderou que a primeira das “idéias mestras” do contrato de seguros é a proteção do segurado – e as leis, “cada vez mais”, se empenham em fazê-lo e a jurisprudência é dominada por essa preocupação. O risco da morte involuntária e, portanto, do suicídio involuntário, constitui a verdadeira finalidade do seguro: não é possível excluí-lo. Portanto – concluía o nobre ministro “não haverá legitimar-se a estipulação de um lapso de tempo arbitrário, para fazer vigorar a ressalva, por sua natureza injustificável”. Mas, não há nenhum arbítrio.
Demais, o interêsse de ordem pública, em que se devem inspirar os julgadores, é menos o favor do segurado – ou, antes, dos beneficiários do seguro – que o desestímulo ao suicídio. Não só porque nisso está o interêsse social; também porque essa fui a preocupação do codificador civil.
A opinião de GOULART DE OLIVEIRA teve logo apoio decisivo do eminente ministro OROZIMBO NONATO. Êste insigne magistrado realçou as peculiaridades do seguro, como contrato de adesão, o “desnível evidente entre as partes”, procurando, justificar “o critério mais benévolo para o segurado”, entendendo que, “dentro dêsse critério, se há de verificar se a disposição contratual se harmoniza com os intuitos do contrato ou se revela contrária aos fins do próprio seguro”. Concluiu que o prazo de carência se pode ampliar indefinidamente e que – a não ser em casos, como o do Ipase, porque o segurado não dá prèviamente prova de saúde física – êle “destrói, durante certo tempo, o fim do próprio contrato”, “destrói o próprio vínculo do contrato”. Parece-lhe, pois, que a cláusula, destruindo o próprio vínculo obrigacional, opera “contra a técnica contratual” e “contra o instituto do seguro”. Concluiu que “seria impressionante conceder às companhias de seguro êsse arbítrio, que a lei não lhes concede, e isso não se poderia fazer sem quebra da ordem pública”.
16. Tão veemente condenação da cláusula de que se trata parece injustificável diante da prática de nações do mais alto grau de civilização e do ensinamento dos mais autorizados doutrinadores. Até porque, em verdade, ela traduz uma ampliação do seguro, que, afinal, favorece os segurados.
O exame atento dos autos em que foram proferidas tais decisões revela, aliás, equívocos na invocação da doutrina estrangeira.
O ministro GOULART DE OLIVEIRA invocou a autoridade de PICARD e BESSON em apoio da ampliação do conceito de ordem pública, atingindo operações não proibidas expressamente por lei – ao passo que, precisamente sôbre a questão em foco, os mesmos autores opinaram (infra nº 23) em favor da garantia do risco do suicídio voluntário, mediante a cláusula de indisputabilidade nos têrmos da lei de 1930.
Ainda o mesmo saudoso GOULART DE OLIVEIRA afirmou que constituem “a verdadeira finalidade alcançada pelo seguro de vida” os riscos pela morte involuntária e, portanto, pelo suicídio involuntário. E acrescentou:
“Excluí-la da responsabilidade da seguradora, em cláusula especial, é, como considera VIVANTE, agir sem piedade e sem justiça”.
Já mostramos (nº 11) que nosso próprio Código não equipara, para todos os efeitos, os casos de “morte involuntária” e de “suicídio não premeditado”. Demais, VIVANTE emitiu o conceito reproduzido, referindo-se às cláusulas que excluem, de todo, a responsabilidade da seguradora, em caso de suicídio, quer voluntário, quer involuntário. Explicou êle:
“Esse (certas apólices que contêm tal cláusula) adotteranno questa clausola per liberarsi da ogni disputa sullo stato di mente dell’assicurato, dispute che finivano per lo più innanzi ai giudici con la peggio per la compagnia. Ma è una clausola senza pietà e senza giustizia, che colpisce ciecamente l’innocente e il colpevole” (BOLAFFIO-VIVANTE, “Il Codice di Commercio Commentato”, vol. VII, página 425, nº 549).
Em acórdão do Tribunal da Bahia foi citado um trecho, em português, atribuído a VIVANTE, sem se indicar de onde se transcrevera; mas, o próprio acórdão reconheceu que se refere “à cláusula que nega aos herdeiros do suicida involuntário direito ao capital segurado” – questão essa que, como vimos, se não confunde com a da cláusula de carência, justificada e apoiada por VIVANTE. E é desta que ora se trata.
E esta foi admitida, e até louvada por VIVANTE (vide ns. 17 e 21).
17. O nobre e douto procurador geral Sr. TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, opinou, de modo geral, contra as cláusulas restritivas, “principalmente aquelas “subordinadas ao critério dos interessados e a cláusula de carência, ou do période d’épreuve, não fica subordinada ao critério dos interessados, nem a fatos de apuração difícil”. Ao contrário, tudo se resolve pelo calendário. Mas, o ilustre procurador geral apoiou a sua afirmativa num trecho de “Il Codice di Commercio Commentato” (vol. VII, nº 542), de BOLAFFIO-ROCCO-VIVANTE, em que se lê: “questa clausola (de suicídio) non colpisce il pazzo che si uccide senza saperlo e senza volerlo…”.
Ora, o tópico transcrito (ob. cit., 5ª ed., nº 550) não envolve, como parece na transcrição, a condenação da cláusula de carência – pois, também, não é a ela que se refere. O período, imediatamente precedente ao transcrito, esclarece:
“Altre polizze, e sono il maggior numero, si limitano a dichiarare risolto il contratto nel caso di suicidio. Questa clausola…”
Assim, a cláusula, a que se refere o trecho, não é a de carência – mas, sim, a anulatória do seguro em todos os casos de suicídio, isto é, a questão envolvida no quesito 1° da consulta (supra, ns. 1 a 6).
Quanto à cláusula de carência, a opinião expendida no reputado comentário do Código italiano de comércio – por isso mesmo que o citado sétimo volume é da lavra de CÉSAR VIVANTE – é a que êste insigne mestre expendera no seu “Tratado”, inteiramente favorável à legitimidade e à conveniência da cláusula questionada.
VIVANTE repetiu as palavras do seu “Trattato”:
“Usano infine molte Compagnie di colpire con quella decadenza tanto il suicidio volontario che involontario solo nel caso che sia compiuto entro un breve periodo della conclusione del contratto (sei mesi, un anno, tre anni). La rigorosa decadenza inflitta all’assicurato in quel primo período di osservazione, si giustifica col sospetto che egli abbia premeditato il suicidio prima di assicurarsi. Questa clausola sembra conciliare meglio delle precedenti gli interessa della impresa e quelii dell’assicurato…” (“Il Codice di Commercio Commentato”, vol. VII, nº 551).
Em equívoco semelhante incorreu, aliás, ao condenar a cláusula de carência, o acórdão do colendo Tribunal da Bahia – de que resultou o recurso extraordinário nº 8.226 – apoiando-se em opiniões de CLÓVIS BEVILÁQUA e de PLANIOL (que, como vimos, em os ns. 5 e 10, são favoráveis a essa cláusula), e, também, como dissemos, do próprio VIVANTE (vide, ainda, nº 21).
18. Também, devemos acentuar que o preclaro ministro Sr. ANÍBAL FREIRE reconhecendo que “a doutrina italiana admite o período de carência” – acrescentou: “Mas, êste não se tem em conta quando “il suicidio dell’assicurato non abbia affatto varcato la soglia della sua coscienza e della sua volontà” (FANELLI, “Contratti di assicurazioni sulla vita”, no “Nuovo Digesto Italiano”, vol. 1, página 859, com remissões a VIVANTE, VALERI e LORDI)”.
Êsse trecho encontra-se no capítulo sôbre seguros de vida no “Nuovo Digesto” (vol. I, pág. 853, nº 14), escrito por GIUSEPPE FANELLI, onde se lê:
“Per questa ragione, l’averlo (o suicídio) talora qualificato, come fanno alcune polizze e lo stesso art. 450 C. Co., incosciente ed incosciente, volontario ed involontario, per distinguere i casi in cui il rischio non è assunto e l’assicuratore è liberato dalla propria obbligazione principale, ha condotto necessariamente gli interpreti e la giurisprudenza in campi nebulosi ed incerti. Da ogni sottigliezza interpretativa tentano ormai di svincolarsi quasi tutte le più recenti polizze, che, senza qualificarlo, assumono il rischio di ogni suicidio, purchè intervenuto dopo um termine variamente fissato di vita contrattuale e che non suoli superare il biennio. In queste ultime ipotesi, ogni possibile questione verterà, di solito, sulla decorrenza del termine, del quale però non si terà ugualmente conto quando il suicidio dell’assicurato non abbia affatto varcato la soglia della sua coscienza e della sua volontà (o autor cita VIVANTE, “Trattato”, nº 1.988, in “Riv. Dir. Com.”, 1912, II, 108; LORDI, in “Riv. Dir. Com.”, 1934, II, 84): il suicidio del pazzo, quello di chi si sopprime per errore o di chi soggiace all’altrui violenza, non differiscono sostanzialmente da ogni altra causa di decesso del tutto estranea alla responsabilità dell’assicurato”.
O Sr. ministro ANÍBAL FREIRE invocou o trecho que sublinhamos. Nesse trecho, FANELLI apóia-se em VIVANTE, no tópico, que citamos adiante (nº 21), em que o insigne comercialista justifica, e aceita, a cláusula de carência, sem formular qualquer restrição à sua aplicação em caso de suicídio, voluntário ou involuntário. Também se reporta ao julgado da Côrte de Cassação de Roma, publicado in “Riv. di Diritto Commerciale”, 1912, parte II, pág. 108, e comentado por VALERI, mas nem o julgado, nem o comentário se referem à cláusula de carência, mas, sim, e sòmente, à questão da voluntariedade, ou não, do suicídio. FANELLI ainda citou a mesma “Rivista”, de 1934, parte II, págs. 81 e 84. Neste caso, sim, havia uma cláusula de carência – e o Tribunal respeitou-a, decidindo que não havia lugar para distinguir se o suicídio fôra voluntário, ou involuntário (loc. cit., páginas 90-91): “la Compagnia è tenuta a pagare la somma assicurata solo nel concorso di quelle condizioni in detto articolo previste”.
É a consagração da cláusula da apólice.
19. O argumento, fundado no artigo 1.460 do Cód. Civil, em favor da cláusula de carência, não logrou acolhida do Supremo Tribunal Federal, onde o expendeu, no julgamento do recurso extraordinário nº 8 226, o insigne ministro VALDEMAR FALCÃO.
Repeliram-no os doutos ministros GOULART DE OLIVEIRA e Sr. OROZIMBO NONATO: O primeiro entendeu que o Código permite “reduzir a um gênero ou excluir qualquer gênero, e não reduzir a uma espécie do gênero” e que, na espécie, a limitação da espécie se agravou com a limitação no tempo. E insistiu: “Limitar ou particularizar não é alterar o próprio conteúdo da obrigação, o próprio seguro, a própria matéria inerente à criação da relação jurídica; e não uma limitação arbitrária quanto ao tempo, prejudicando uma das partes e afetando, direta e imediatamente, a significação do instituto do seguro”.
O Sr. ministro OROZIMBO NONATO fixou o seu pensamento, com a nitidez habitual, neste conceito: “A limitação, ou particularização, deve ser entendida, não em função do próprio contrato de seguro, mas dum gênero que se exclui do seguro, em vista da cláusula contratual”.
Em suma, com a devida vênia, a interpretação expendida pelos insignes Juízes consagra um critério subjetivo, que o Código não adotou: afinal, por que se admitirá a exclusão, apenas, de um “gênero”, e não a de uma “espécie”?
GOULART DE OLIVEIRA chegou a afirmar que, no seguro contra incêndio, não é lícito excluir a espécie do incêndio por curto-circuito, ou por explosão de lampião de querosene. Mas, por que não? Evidentemente, a distinção apontada, entre casos de seguro contra fogo, não oferece, em regra, interêsse prático e não precisa ser acolhida. No entanto, se, em determinada cidade, as condições das instalações elétricas avultassem enormemente os riscos de curtos-circuitos, por que não poderiam as companhias de seguro excluir a sua responsabilidade na hipótese de incêndio oriundo de tal causa?
Morte por participação em guerra
Pois não excluíam, até certa época, a responsabilidade nos casos de morte, quando esta resultasse de acidente de aviação? E não a excluem, muitas vêzes, em casos de morte ocorrida por motivo de participação em guerras ou conflitos armados?
PLANIOL e RIPERT, considerando a cláusula que anula o contrato, em casos de suicídio, quaisquer que sejam as circunstâncias, opinaram: “Il semble que la… clause soit licite, par le fait que l’assureur est libre, en príncipe, de limiter et de préciser les risques qu’il assume” (“Traité”, vol. XI, pág. 719, nº 1.397).
PICARD e BESSON afirmaram um princípio decisivo, proclamando: “L’assurance ne peut jamais produire effet en dehors des conditions fixés par la police” (“Traité”, vol. I, pág. 300).
GOULART DE OLIVEIRA via, na cláusula, “uma limitação arbitrária quanto ao tempo, prejudicando uma das partes e afetando, direta e imediatamente, a significação do instituto do seguro” – e chegou a asseverar que a faculdade, contida no art. 1.460, está reduzida, não só pelas expressões usadas, “mas principalmente pela ambiência jurídica do contrato especialíssimo de seguro”.
Via êle, portanto, incompatibilidade absoluta entre a cláusula de carência e o próprio contrato de seguro. Não atendia o insigne magistrado a que essa cláusula está admitida expressamente em países de alta cultura jurídica; nem – o que é, ainda, mais relevante – que ela até permite excluir dúvidas e controvérsias sôbre a liquidação do seguro, em cada de suicídio do segurado, portanto com vantagem para os beneficiários que institua.
20. Terá influído, nas decisões aludidas, a consideração de que o prazo de carência comporta ampliações indefinidas. Ainda essa consideração não parece procedente.
Realmente, temos visto que o prazo varia, no estrangeiro, de um a três anos. Entre nós, é, comumente, de um ano; por vêzes, de dois anos. São limites razoáveis. Nada impede que se condene a ampliação excessiva – sem condenar a cláusula quando se mantenha em limites razoáveis.
A própria lei civil estabelece um verdadeiro período de carência, quando só admite “desquite amigável” depois de decorridos dois anos do casamento (Cód. Civil, art. 318). Ninguém receou que êsse prazo seja dilatado indefinidamente – e, por êsse receio, chegou a desprezá-lo.
21. Outra consideração relevante é que os próprios institutos oficiais de previdência estipulam o período de carência. FILADELFO AZEVEDO (nº 10) acolheu essa ponderação. O Sr. ministro OROZIMBO NONATO objetou que, nesses casos, se dispensa o exame médico.
É, porém, de notar que, nos referidos institutos, a cláusula se aplica até mesmo nos casos de morte natural – e não, apenas, nos de suicídio. A falta de exame médico prévio pode justificar que se aplique nos casos de morte natural. Nestes casos, os institutos procuram, como as emprêsas seguradoras, obter a garantia necessária, mediante a cláusula de carência. A situação é idêntica.
22. Razões de ordem moral e de ordem jurídica justificam, recomendam a cláusula de carência – excluindo a argüida incompatibilidade com o contrato de seguro.
Ninguém as expôs melhor que VIVANTE, o mesmo que, como vimos (supra, nº 16), tem sido invocado, entre nós, para condenar essa cláusula.
O egrégio VIVANTE, em face das dificuldades e dúvidas que envolve a verificação da voluntariedade, ou não, do suicídio, para aplicar o princípio geral que exclui o benefício quando o segurado provocou o sinistro – mostrou, irrespondìvelmente, com a clareza costumeira, a vantagem da fixação do período de carência, considerando-a preferível a qualquer outra das que visam excluir aquelas dúvidas e dificuldades:
“La rigorosa decadenza inflitta all’assicurato in quel primo periodo di osservazione si giustifica sol sospetto che egli abbia premeditato il suicidio prima di assicurarsi. Questa clausola sembra conciliare meglio delle precedenti gli interessi dell’impresa e quelli dell’assicurato perchè risparmia all’impresa nel período di prova quei litigi sulla responsabilatà dell’assicurato in cui ha avuto quasi sempre la peggio, mentre risparmia nel periodo sucessivo agli eredi beneficiati le penose indagine sulle cause del suicidio, e li rende sicuri della riscossione del beneficio” (“Trattato di Diritto Commerciale”, 5ª ed., vol. IV, págs. 487-488).
Em suma – o grande alcance da cláusula é dispensar a penosa investigação sôbre a voluntariedade do suicídio, durante certo lapso de tempo. Fortalece, pois, a proibição da cobertura, pelo seguro, do suicídio voluntário, pois exclui a indenização no período em que mais provável se torna que tenha sido voluntário.
A cláusula de carência pode considerar-se a aplicação, ao caso particular do suicídio, do mesmo princípio em que se funda outra cláusula de aplicação mais ampla – a de indisputabilidade.
Cláusula de indisputabilidade
A “cláusula de indisputabilidade” exclui qualquer impugnação por motivo de êrro ou fraude, renunciando o segurador, em favor do beneficiário, à faculdade de formulá-la, desde que decorra certo lapso de tempo – um ou dois anos – de vigência do seguro, com o pagamento regular dos prêmios respectivos. Essa cláusula, por vêzes, com certas condições adicionais, consta de tôdas as apólices de seguro de vida nos Estados Unidos (FRANCIS T. ALLEN, “Principios generales de seguros”, trad. esp., págs. 110-111).
Leva mesmo a admitir a cobertura do risco de suicídio. Há, contudo, divergências sôbre a sua legitimidade nesse caso. O nosso OLAVO DE ANDRADE mencionou-as, sem opinar (“Seguros de vida”, pág. 95, nº 135). PLANIOL ET RIPERT entendem, procedentemente, que o caráter chocante da cláusula é atenuado pelo fato de que a lei francesa de 1930 não permite que tenha efeito antes de um délai d’épreuve de dois anos (“Traité”, vol. XI, nº 1.397, págs. 719-720).
A justificativa dessa cláusula está feita, porém, em têrmos irrespondíveis:
“Per evitare il discredito, che necessariamente sarebbe derivato al contratto dalla debolezza del suo fondamento e que a fortiori si sarebbe ripercosso sull’industria, gli assicuratori sono stati indotti a stipulare una limitada incontestabilità del contratto, attribuendo alla stipulazione quella stabilità di vita e certezza di avvenire che la sua stessa naturale costituzione le impediva di raggiungere in pieno.
Con la così detta clausola di incontestabilità, l’assicuratore, decorso un certo termine della conclusione del contratto, rinuncia ad eccepire il vizio del proprio consenso per erroneo apprezzamento del rischio imputabile al contraente. È fatto salvo, anche oltre il termine, il ricorso all’art. 429 C. Co., ma limitatamente alle più gravi forme di inganno contrattuale. Alla clausola di incontestabilità è, senza dubbio, legata gran parte della fortunata diffusione dell’assicurazione sulla vita” (“Il Nuovo Digesto Italiano”, vol. I, vb. “Assicurazione sulla vita”, pág. 851).
No entanto, a cláusula de indisputabilidade deve ser acolhida com reserva, porquanto ela pode, em certo sentido, favorecer o suicídio; ao passo que, ao contrário, a cláusula de carência nunca o favorece, antes exclui a possibilidade de ocorrer o suicídio para aproveitar o seguro – como reconhecem PLANIOL ET RIPERT, no trecho citado.
23. Considere-se, agora, o exemplo das legislações estrangeiras, o sentido em que têm evoluído.
Êsse exemplo é tanto mais relevante, não só porque assim podemos, como na vigência da lei da boa razão, suprir a deficiência de nossas leis sôbre a matéria, mas, também, porque mostra que não é a cláusula de carência incompatível com a índole, a essência do contrato de seguro, ao contrário do que consideraram egrégios juízes do Supremo Tribunal Federal (supra, nº 15).
Nesse sentido, não há ensinamento mais precioso que o decorrente da legislação da França e da Itália – nações de nossa raça, a que nos ligam tantos e tão, estreitos vínculos de tôda a sorte.
Em França se excluía, em absoluto,. o risco do suicídio, no contrato de seguro. Quando assim era, porém, já se admitia a estipulação depois de decorrido certo lapso de tempo (LEFORT, “Traité pratique de l’assurance sur la vie”, nº 93, al. 2).
A determinação do período de carência permitiu a cobertura dos casos de suicídio. Por fim, a lei consagrou essa prática salutar.
Antes da lei de 1930, a cláusula de incontestabilidade (supra, nº 17) seria contrária à ordem pública, porque poderia encorajar certos indivíduos ao suicídio e, ainda agora, há quem lhe exclua os efeitos quando favoreça manobras dolosas, ou fraudulentas, do segurado (PLANIOL ET RIPERT, “Traité de Droit Civil”, volume XV, págs. 720, 710-711, ns. 1.397 e 1.390). Também COLIN & CAPITANT (“Cours”, vol. II, nº 907).
A citada lei de 1930 estabeleceu uma norma ousada:
“Toute police contenant une clause par laquelle l’assureur s’engage à payer la somme assurée, même en cas de suicide volontaire et conscient de l’assuré, ne peut produire effet que passé un délai de deux ans après la conclusion du contrat” (art. 62, al. I).
Portanto – permite expressamente a responsabilidade pelo suicídio voluntário, desde que hajam decorridos dois anos da data do contrato. É a cláusula de carência permitindo a ampliação do risco.
O Cód. Comercial italiano consignou, em o art. 450, regra idêntica à do parág. único do art. 1.440 de nosso Código Civil, extensiva ainda aos casos de condenação judiciária e outros; vigente o dispositivo, a controvérsia, por êle suscitada, inclusive sôbre ser de ordem pública, perdeu pràticamente a importância – informa NAVARRINI – “pela regra simples contida nas apólices” (“Trattato Teorico-Pratico di Diritto Commerciale”, volume III, pág. 359, nota 1).
Finalpag. 105
Acrescenta, ainda, o mesmo insigne tratadista, esclarecendo o teor dessa regra:
“Di regola le polizze, dopo esser passate, per lungo tempo, per la trafila di clausole arbitrarie od equivoche, hanno oramai raccolta una regola più semplice: esse dichiarano che si intendono liberate o restituiscono una parte dei premi, se il suicidio sia avvenuto prima di un’epoca determinata (di solito, prima di tre anni dalla stipulazione del contratto; il solo pagamento del premio per il terzo anno non basta, se l’anno non è effetivamente decorso. Cfr. App. Venezia, 21 april 1908, “temi…” 1908, 569), si tratti di suicidio volontario o involontario; mentre s’intendono obbligate al pagamento o delle riserve, o, senz’altro, dell’intera somma assicurata se il suicidio (qualunque sia la sua natura) avvenga successivamente (polizze incontestabili). La regola é fondamentalmente giusta come quella che tutela in equa misura gli interessi delle parti: ma una critica, nonostante, si può fare; che, cioè, viene, con essa, a rifiutarsi il pagamento della somma assicurata agli eredi del suicida, anche se il suicidio fosse stato involontario, per il solo fatto che fosse avvenuto entro il periodo fissato. Più saggiamente operano quelle polizze che stabiliscono la liberazione della Compagnia assicuratrice pel suicidio avvenuto entro il periodo fissato, se non viene dimostrato che fu involontario. Insomma, si presume – in quel período – la volontarietà se non vien distrutta da prova contraria” (ob. cit., pág. 361).
Aprovava, pois, a cláusula de indisputabilidade, ainda que preferisse as apólices que estipulavam a responsabilidade pelo suicídio, ocorrido antes de findo o prazo, quando não se provasse que fôra involuntário. Não é forçosa a indenização em caso de suicídio involuntário.
Assim, o seguro abrangia, por vêzes, expressamente, o suicídio voluntário – embora se questionasse se essa estipulação contrariava, ou não, a ordem pública; por isso, algumas apólices declaram que o segurador só é responsável, nesses casos, depois de certo tempo – dois ou cinco anos (G. ROCCA, “Manuale Teorico-Pratico di Assicurazione”, pág. 524).
A prática observada era atestada nestes têrmos: “Per esempio nell’assicurazione sulla vita dopo un certo tempo del contratto si paga l’indenizzo anche in caso di morte per suicidio o duello; le restrizioni alle facoltà di viaggiare vengono tolte o molto diminuite, ecc.” (ULISSE GOBBI, “L’Assicurazione in Generale”, pág. 148).
Em sua prezada obra (“Le Assicurazioni Terrestri”, ed. 1904, págs. 194-195) COCITO também reconhecia: “Di fronte alle difficoltà intuitive che accompagnano una indagine siffatta molte Compagnie usano di comminare nela loro polizze la decadenza, sia nel caso di suicidio volontario, sia nel caso di suicidio involontario, nel caso solo che esso si compia entro un breve periodo dalla conclusione del contratto, e ciò per evitare la possibilità che uno si assicuri già avendo in mente di porre fine ai suoi giorni”.
A “cláusula de carência”, ou de decadência, geralmente aceita, teve a aprovação do eminente PIPIA: “Conseguentemente le clausole di decadenza – oltre al ritenersi rientrare nel contenuto contrattuale e dall’assicurato approvate e ratificate colla firma della polizza, senza gli possa essere lecito addurre di non averle lette ne capite devono considerarsi come pienamente valide ed obbligatorie” (PIPIA, “Trattato delle Assicurazioni Terrestri”, págs. 337-338).
Essa solução, conseguida na prática do seguro, veio a ser consagrada em o novo Cód. Civil italiano (art. 1.927). Para extinguir as questões sôbre a voluntariedade do suicídio – a que se referia o art. 450 do Cód. Comercial italiano – determina o art. 1.927 do Cód. Civil que o segurador não é obrigado a pagar a indenização, em caso de suicídio, antes do decurso de dois anos do contrato, salvo estipulação em contrário.
Em suma: “Nel termine di due anni dalla conclusione del contratto… il suicidio – senza alcuna delle qualifiche del vecchio codice o della polizze (volontario, cosciente, ecc.) libera l’assicuratore del suo obbligo.
Decorso detto termine l’assicuratore é obbligato anche in caso di suicidio” (ANTIGONO DONATI, “Il Contratto di Assicurazione nel Codice Civile”, página 263).
Com essa só garantia – do prazo de carência – se chega, pois, a prescindir da exigência da não interferência do segurado na ocorrência do risco. Ela é a garantia melhor e, só por si, suficiente.
24. Noutros países – admitida por lei expressa, ou adotada no silêncio da lei, – a cláusula de carência é comumente praticada, com reconhecida vantagem.
Na Alemanha, apesar de se considerar o suicídio como “la determinación intencionada del sinistro” – “hay casos en que las empresas de seguros asumen también este riesgo, mas como garantia relativa estipulan en tales ocasiones cierto periodo durante el cual no se cubre este riesgo” (HERRMANSDOFFER, “Seguros privados”, trad. espanhola, pág. 106).
O chamado “plazo de depuración”, “de prueba”, ou “de interinidad” observa-se, aliás, em muitos outros casos (idem, págs. 101 e 106). Torna-se uma expressão valiosa da boa-fé, essencial no contrato de seguros.
Na Inglaterra se admitiu a irresponsabilidade do segurador – mesmo em seguro feito em benefício dos credores quando o suicídio, voluntário ou não, ocorre dentro em um ano da data da apólice (PORTER, “The laws of insurance”, 5ª ed., pág. 15).
Nos Estados Unidos, “as apólices de seguro costumam excluir o risco da morte do segurado por suicídio, esteja em juízo são ou perturbado, no ano ou nos dois anos seguintes à aquisição da apólice” (FRANCIS T. ALLEN, “Principios Generales de Seguros”, trad. esp., pág. 111).
A lei francesa de 1930 preferiu salvaguardar o princípio de ordem pública que as características doutrinárias do contrato de seguro: “L’interdiction de l’assurance du suicide volontaire et conscient, proclamée par l’article 62 de la loi de 1930, résulte également de la prohibition générale de l’assurance du dol et constitue à cet égard une application de l’article 12. Cependant, sur ce point la notion d’ordre public, qui justifie ici la prohibition, n’est pas aussi forte que dans le cas de l’article 12: certes l’assurance contractée par un individu à la veille de se suicider, avec l’intention de procurer avantageusement au bénéficiaire le capital stipulé, est frappée d’immoralité; mais il n’en est pas de même lorsqu’un intervalle de temps plus ou moins long s’écoule entre la conclusion du contrat et le suicide même volontaire, car ce dernier fait n’est pas la cause du premier et l’ordre public n’est pas atteint si l’assurance sur la vie englobe, de façon abstraite et purement éventuelle, le suicide. C’est ce qui résulte expressement de la loi: aux termes de l’article 62, § 2, l’assurance du suicide volontaire et conscient est valable, lorsqu’un délai de deux ans s’est écoulé depuis la conclusion du contrat; la loi autorise ainsi ce qu’on appele couramment la clause d’incontestabilité différée en cas de suicide. Si, au regard de la notion même de risque, l’assurance du suicide volontaire et conscient est peut être difficile a justifier, elle n’est pas en soi immorale, car, en raison même du délai imposé, elle ne heurt pas l’ordre public” (PICARD & BESSON, “Traité des Assurances Terrestres”, vol. I, págs. 47-58).
25. Merece, ainda, apreciação atenta a prevenção claramente afirmada por eminentes julgadores, contra as cláusulas dos contratos de seguro e até contra os contratos de adesão, entre os quais êsses se incluem. Chega-se a desprezar a liberdade de convenção assegurada no Código Civil, invocada a moderna atitude do Estado, que a restringe para evitar que favoreça “a prepotência dos fortes sôbre os fracos”.
FILADELFO AZEVEDO repeliu, em caso desta espécie, a invocação da atitude do Estado, ponderando, com acêrto: “Não há como invocar alteração de sentido dos textos legais em face da orientação anti-individualista que caracteriza o direito moderno – a segurança da indústria assecuratória assenta em dados técnicos, que não podem ser impunemente afastados, nem o pretexto da defesa dos pobres se transformar em prejuízo coletivo de pobres e ricos, dês que razões sentimentais se tornassem suficientes para afetar equação puramente objetiva, armada dentro de dados de regular previsão.
“A dose de interêsse público necessária a limitar o egoísmo e a prepotência dos contratos de adesão já se insinuou na intervenção do Estado, cada vez mais ampla – assim, ou êle impõe o contrato integralmente com cláusulas-tipo, estipulando de fato a favor de terceiros, ou se limita a placitar certas convenções, que, assim, dentro de atribuições de órgãos técnicos, facilitam a interpretação da lei” (“Um triênio de judicatura”, volume III, pág. 284).
26. Por outro lado, é certo que as cláusulas adotadas pelas, companhias de seguro têm favorecido o desenvolvimento da instituição do seguro.
A obra das companhias seguradoras tem sido, assim, reconhecidamente benéfica: “O desenvolvimento da apólice moderna do seguro de vida constitui um exemplo de como, sem intervenção da legislação, pôde se formar e subsistir durante longo tempo um direito minuciosamente ideado, em muitos sentidos econômicamente excelente, tècnicamente quase perfeito e geralmente eqüitativo para ambas as partes” (ALFREDO MANES, “Observações Econômicas e Jurídicas sôbre o Seguro”, pág. 131).
PIPIA justificou a conclusão que reproduzimos em o nº 22, observando: “…Ocorre inoltre considerare essere ingiusta e priva di qualunque equità la tendenza di favorire maggiormente l’assicurato a danno delle Compagnie, di dipingere come leonini tutti i patti e le clausole sole di polizza, di preferire la condanna delle Compagnie pel volgare riflesso che un sinistro di più non le rovina, mentre l’assicurato privato dell’indennizzo rimane grandemente danneggiato.
Non nascendo che, talora, qualche singola clausola di qualche singela polizza possa apprire gravosa per l’assicurato, e non soverchiamente equanime e correlativa. Però, nella grande maggioranza dei casi, e clausole tutti di polizza sono lungamente e pazientemente studiate alla stregua dei casi pratici, rappresentano la sintesi di molte e continuate osservazioni, sono richieste dalla necessità di garantire la diligenza e l’onestà dell’assicurato. Nell’attuale lotta della concorrenza, mentre le tariffe si sono andate rapidamente abalsando, dove il corrispettivo si va sempre più avvicinando al premio naturale, dove le probabilità a carico delle Compagnie sono studiate con matematica esattezza, la violazione delle clausole di polizza, la loro sistematica interpretazione a danno delle Compagnie e vantaggio degli assicurati alterano l’equilibrio dell’industria assicuratrice, impongono alle Compagnie pesi ed oneri che col ricavo dei premi non possono sopportare, distruggono quella esatta corrispondenza tra rischio e premio in cui stà tutto il segreto dello sviluppo delle assicurazioni” (“Trattato”, pág. 357).
Em muitos casos, as cláusulas têm atenuado o rigor da lei, favorecendo o segurado. Veja-se:
“O segurado presume-se obrigado a pagar os juros legais do prêmio atrasado, independentemente de interpelação do segurador, se a apólice ou os estatutos não estabelecerem maior taxa” (Cód. Civil, art. 1.450).
Dêsse artigo se infere que, como ensina o Sr. CARVALHO SANTOS, “o atraso no pagamento dos prêmios não resolve ipso jure o contrato de seguro, mas sòmente depois de rescindido o contrato por sentença judicial” (Código Civil interpretado”, vol. 19, pág. 327).
Por igual (ainda que sem chegar a exigir sentença judicial) CLÓVIS BEVILÁQUA (“Código Civil comentado”, volume 5, com. ao art. 1.450).
Acordam-se, porém, os dois ilustres comentadores em reconhecer que “pode o segurador estabelecer que a apólice caducará, se o prêmio não fôr pago dentro do certo prazo, ou se ficar o segurado atrasado em determinado número de prestações” (CLÓVIS BEVILÁQUA); e que “as apólices, geralmente, estipulam a decadência, ou, pelo menos, a suspensão ipso jure do direito de indenização contra o segurado que não paga no vencimento o prêmio, ou no sucessivo período de tolerância que lhe fôr concedido” (CARVALHO SANTOS).
Também JOÃO LUÍS ALVES se referiu a essa prática, escrevendo: “Em regra, as companhias de seguros concedem um prazo de tolerância para pagamento dos prêmios atrasados com juros, cuja taxa é prefixada e corre independentemente de interpelação, desde o dia em que o prêmio é devido. Excedido aquêle prazo, caduca a apólice de seguro” (JOÃO LUÍS ALVES, “Código Civil anotado”, página 1.001).
Essa cláusula poderia, no entanto, muito mais fundadamente, considerar-se contrária a um preceito de “ordem pública”.
Em cláusulas de nossas apólices de seguro, constam estipulações que noutros países resultam de dispositivos legais imperativos – ao passo que, entre nós, provêm da iniciativa das próprias emprêsas seguradoras. Assim, a concessão do “período de graça” para pagamento de prêmios vencidos, até independentemente de juros exigíveis pela mora; por igual, a reabilitação da apólice que caducou.
27. Por outro lado, se deve ter em mente que as cláusulas das apólices de seguro não são estabelecidas arbitràriamente pelas emprêsas seguradoras.
No Brasil, pelo menos desde o dec. número 14.598, de 31 de dezembro de 1920, art. 16, as apólices de seguro, com as cláusulas respectivas, ficaram sujeitas ao exame e aprovação da Inspetoria de Seguros.
A apólice da Companhia Sul-América continha uma cláusula assim redigida: “No caso de morte do segurado por suicídio dentro do primeiro ano da data da emissão da apólice, cessará a responsabilidade da Companhia, quanto ao pagamento da quantia seguradora, bem como quanto à devolução dos prêmios pagos” (CÂNDIDO DE OLIVEIRA FILHO, “Prática civil”, vol. VII, pág. 260).
Provàvelmente, foi essa cláusula que atingiu a desaprovação do Ministério da Fazenda – por induzir “a êrro porque de sua redação se compreende que, ocorrido o seguro na vigência do segundo ano do contrato de seguro, trate-se de suicídio consciente ou inconsciente, a Companhia pagará, em qualquer hipótese, o seguro”. É o mesmo entendimento, fundado em precário raciocínio a contrario sensu, que, como vimos (nº 13), o Tribunal de Pernambuco repeliu. Também o repeliu o Ministério da Fazenda, considerando válida a cláusula por esta consideração decisiva: “Mas isso não se dará quando se provar que consciente foi o suicídio porque a lei não admite o seguro contra o risco de morte voluntária” (CÂNDIDO DE OLIVEIRA FILHO, ob. cit., págs. 138-139, nota 9).
Refutada essa objeção – não se tendo, pois, argüido, sequer, a inadmissibilidade do prazo de carência, – o ministro da Fazenda, como dissemos, aprovou a cláusula, atendendo, ainda, a que não fôra estabelecida a apólice-padrão que a Inspetoria de Seguros deveria organizar. Na legislação atual, subsiste a mesma regra assim aplicada.
O dec.-lei n° 2.063, de 7 de março de 1940, dispõe:
“Art. 108. A proposta para realização do seguro, que deverá ser assinada pelo interessado ou seu representante legal, e a apólice deverão conter as condições gerais do contrato, inclusive as vantagens garantidas pela sociedade e os casos de decadência, caducidade e eliminação ou redução dos direitos do segurado ou benefícios instituídos, sendo que da apólice deverá constar o quadro de garantias aprovado pelo Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização”.
Assim, a própria lei admite, expressamente, a determinação, na apólice, dos casos “de decadência, caducidade e eliminação, ou redução dos direitos do segurado ou benefícios instituídos” – o que importa, indubitàvelmente, a legitimação da cláusula questionada.
Também consta do art. 190 do mesmo decreto-lei:
“Art. 190. O Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização providenciará no sentido de ser estabelecida a uniformização, das apólices e propostas, quanto aos dizeres e condições gerais, e das tabelas de retenções de responsabilidades e tarifas de prêmios, quanto aos princípios de ordem geral, e expedirá as instruções necessárias para seu cumprimento por parte das sociedades”.
O Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização tem, entre suas finalidades, a de amparar os direitos e interêsses dos segurados e portadores de títulos, bem como os patrimônios financeiros das sociedades que operam em seguro e capitalização” (art. 1° do decreto-lei nº 9.690, de 2 de setembro de 1946); e entre as atribuições do seu diretor geral está a de “aprovar modelos de apólices, títulos, contratos e propostas” (art. 17, XXVI, do reg. aprovado pelo decreto nº 21.799, de 2 de setembro de 1946).
Assim, a cláusula questionada teve, e tem tido, há mais de 20 anos, a aprovação do ministro da Fazenda e, agora, do Departamento de Seguros.
28. Concluo, portanto, em resposta à segunda pergunta – que é válida a cláusula pela qual a responsabilidade da seguradora pelo suicídio, mesmo involuntário, só se verifique depois de decorrido certo tempo da vigência do contrato do seguro.
Sôbre a 3ª pergunta
Parece-me ociosa a pergunta, em face, dos têrmos da cláusula a que se refere o quesito 2°. Nada autoriza a entender que, findo o período de carência, a seguradora responda pelo suicídio voluntário. E se a cláusula tivesse êsse alcance, seria, quanto a essa parte, inoperante. Foi o que decidiu o então ministro da Fazenda em caso acima referido (nº 27).
Bem disse CLÓVIS BEVILÁQUA, no parecer já citado: “Portanto, a cláusula que declara sem valor a apólice no caso de morrer o segurado por suicídio consciente ou inconsciente, ocorrido dentro do primeiro ano de sua vigência, não pode significar que, passado o primeiro ano, a seguradora assume o risco do suicídio premeditado, ou consciente, porque “tal risco lhe é vedado assumir pela moral e pelo direito positivo. Subsistirá, porém, o risco do suicídio inconsciente”.
Êsse é, aliás, o argumento irrespondível, que se opõe à chamada “cláusula de indisputabilidade”. Esta cláusula poderia ser um estímulo ao suicídio em certos casos (vide, supra, n° 21). A “cláusula de carência” nunca o é, exatamente porque, findo o período inicial, em que fique excluída a responsabilidade pelo suicídio em todo e qualquer caso, subsiste, no período ulterior, a irresponsabilidade pelo suicídio voluntário, que emana da própria lei.
29. Respondo, por êsse fundamento, ao terceiro e último quesito: decorrido o período de carência, a seguradora continua irresponsável em caso de suicídio voluntário do segurado.
Sub censura.
______________
Notas:
* EIS A ÍNTEGRA DO PARECER DE CLÓVIS BEVILÁQUA:
A cláusula, a que se refere a consulta, exclui o risco determinado por suicídio, dentro do primeiro ano da emissão da apólice, seja a autoria consciente ou inconsciente. Passado o primeiro ano, pergunta-se, assume a Companhia seguradora obrigação, por essa cláusula, de pagar o seguro no caso de suicídio, ainda que seja premeditado?
Não, porque a exclusão do suicídio voluntário é de ordem pública.
O Cód. Civil, art. 1.440, permite assegurar a vida, contra o risco da morte involuntária, e considera tal o suicídio, quando não premeditado. O suicídio consciente é morte voluntária, e contra êsse risco não admite a lei que se faça seguro, porque: a) desapareceria a base essencial ao seguro; b) seria ilícito o objeto da cláusula, e, conseqüentemente, seria esta nula (Cód. Civil, artigo 14, 5, II), por ser um estímulo ao suicídio, o que é profundamente imoral e até criminoso, em face do Cód. Penal. Seria induzimento ao suicídio obrigar-se a Companhia-seguradora a pagar certa soma pelo suicídio do segurado (Cód. Penal art. 299).
Portanto, a cláusula que declara sem valor a apólice, no caso de privar o segurado a vida, por suicídio, consciente ou inconsciente, ocorrido dentro do primeiro ano da sua vigência, não pode significar que, passado o primeiro ano, a seguradora assume o risco do suicídio premeditado, ou consciente, porque tal risco lhe é vedado assumir pela moral e pelo direito positivo. Subsistirá, porém, o risco do suicídio inconsciente.
Resta saber se é lícita a cláusula na parte em que exclui, de entre os riscos, o suicídio inconsciente, ocorrido no primeiro ano da vigência da apólice.
O suicídio inconsciente é caso fortuito, independe da vontade do segurado. É resultante de uma força física, anulatória da consciência da livre determinação, ou nexo de causalidade entre a personalidade e o ato praticado, porque a mente está desorganizada. É risco em face da lei.
Mas, dentro do que é lícito, podem variar o modo e a extensão dos contratos. O segurador pode assumir a obrigação de pagar o seguro de vida, em certos casos, e excluir outros. Nada se opõe a que o faça. Assim, a Companhia pode, perfeitamente, estipular que, no primeiro ano da vigência da apólice emitida, não terá esta valor em caso de suicídio inconsciente.
O Cód. Civil declara que a vida pode se estimar como objeto segurável, no valor ajustado, contra os riscos possíveis, como no de morte involuntária, etc. Dá liberdade de contratar o seguro contra o risco da morte involuntária; mas não proíbe que, entre os casos de morte involuntária, se exclua um dêles, o suicídio, por exemplo.
Acho, portanto, que a cláusula exclusiva do suicídio inconsciente não contraria a lei, nos têrmos em que se acha redigida.
Rio de Janeiro, 20 de junho de 1928. – Clóvis Beviláqua.
Em resumo: a Companhia-seguradora, no final da cláusula transcrita, se exime do pagamento do sinistro, no primeiro ano, seja consciente ou inconsciente o suicídio. E, nos anos seguintes, pagará o sinistro, no caso de suicídio inconsciente, que entra na categoria da morte involuntária. – Clóvis Beviláqua.
** EIS A ÍNTEGRA DO PARECER DE EDUARDO ESPÍNOLA:
Consulta:
“Esta apólice está isenta de toda espécie de restrições relativas à residência, ocupação, viagens e gênero de vida do segurado e será incontestável depois de dois anos a contar da data da sua emissão, salvo por falta de pagamento de qualquer prêmio. Não será necessária licença alguma nem se exigirá pagamento de prêmio adicional no caso em que o segurado entre em serviço militar de mar ou terra, em tempo de guerra ou em tempo de paz. Esta apólice será rescindida e não terá valor algum se o segurado perder a vida por suicídio consciente ou inconsciente ocorrido dentro do primeiro ano de vigência desta apólice”.
I. Pode-se concluir em face do final desta cláusula que a Companhia-seguradora se obriga a pagar o seguro depois do primeiro ano de vigência, mesmo sendo consciente o suicídio, ou se compreende que a Companhia quer se eximir do pagamento do sinistro no primeiro ano, seja consciente ou inconsciente o suicídio?
II. Esta cláusula atenta contra o Cód. Civil?
– Quanto à primeira questão:
Entendo que do final da cláusula transcrita, o que se pode concluir é: a) que a Companhia não se responsabiliza pelo pagamento do seguro, pois ficará ipso facto “rescindida a apólice e não terá valor algum” – se o segurado perder a vida por suicídio consciente ou inconsciente, ocorrido dentro do primeiro ano da vigência da mesma apólice; b) que, depois do primeiro ano, a Companhia não ficará isenta de responsabilidade pela indenização do sinistro em todos os casos de morte involuntária, entre êles o do suicídio que não tenha sido premeditado por pessoa em juízo.
A primeira conclusão resulta dos têrmos expressos da cláusula examinada.
A segunda é conseqüência do dispositivo da lei, que só autoriza o seguro de vida em relação à morte involuntária.
– Quanto à segunda questão:
Parece-me que a cláusula, de que se ocupa a consulta, longe de contrariar o Cód. Civil, está, ao invés, em perfeita concordância com os seus dispositivos.
No que diz respeito à primeira conclusão, ó perfeitamente admissível a exclusão da responsabilidade do segurador em um ou mais casos de morte involuntária expressamente previstos.
Não há lei que obrigue uma companhia de seguros de vida a satisfazer a indenização sempre que se trate de morte involuntária, a despeito das exceções que formule e sejam aceitas pelo segurado.
É antes fato comum estabelecer-se na apólice alguma restrição quanto ao gênero de ocupação, lugar de residência, agravação do risco em virtude de viagens, etc.
Acêrca da segunda conclusão, o que se não poderá desconhecer é que se apresenta precisamente como corolário do art. 1.440 e parág. único do Cód. Civil.
Quando êste artigo declara que a vida se pode segurar contra o risco de morte involuntária, deixa, desde logo, compreender que não admite a lei o seguro da vida contra o risco de morte voluntária.
O parág. único destina-se a explicar o que, no conceito da lei, se entende por morte voluntária, justamente para excluir do seguro as hipóteses contempladas.
E se entre estas se vê o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo, claro se me afigura que a circunstância de se estipular numa apólice a irresponsabilidade do segurador, no caso de suicídio consciente ou inconsciente no primeiro ano, não quer dizer que responda êle pelo suicídio consciente, a partir do segundo ano, e sim que desde então a indenização só será devida se inconsciente fôr o suicídio.
A nossa lei, segundo a interpretação de seus mais autorizados comentadores, proíbe o seguro contra morte voluntária, não podendo prevalecer qualquer convenção em contrário.
“Não será licito ressalvar a hipótese do suicídio em cláusula de apólice, porque o preceito da lei, anulatório do seguro em caso de suicídio premeditado, é de ordem pública” (cf. JOÃO LUÍS ALVES, comentário ao art. 1.440).
Se, ainda no caso de cláusula expressa, não poderá prevalecer tal seguro, fôra absurdo presumir que as partes o contemplaram tàcitamente em qualquer hipótese.
É o meu parecer.
Rio de Janeiro, 5 de junho de 1928. – Eduardo Espínola.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
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