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Adoção póstuma
Tatiane Donizetti
22/06/2022
A adoção encontra-se disciplinada nos artigos 39 a 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente e nos artigos 1.618 e 1.619 do Código Civil de 2002. Tratando-se de pessoa maior de 18 (dezoito) anos, aplicam-se, no que couber, as regras do ECA. Porém, no caso de crianças e adolescentes, o Estatuto prevalece sobre as normas civilistas.
A adoção é uma forma de colocação em família substituta, que exige a observância de um procedimento específico e, como regra, não pode ser revogada. Diz-se “como regra” porque embora o art. 39, § 1º, do ECA, aborde a irrevogabilidade da adoção, a jurisprudência já admitiu a sua rescisão em situações excepcionalíssimas, quando, por exemplo, demonstrada a existência de provas consistentes de que o adotado não deseja verdadeiramente participar do procedimento.
Adoção póstuma
Em regra, o procedimento para a adoção é proposto pelo(s) interessado(s) em vida, inclusive quando se fala em adoção póstuma. Pelo texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção post mortem somente poderá ocorrer se o adotante, em vida, manifestou inequivocamente a vontade de adotar e iniciou o procedimento de adoção, vindo a falecer no curso do processo, antes de prolatada a sentença (art. 42, § 6º). Em outras palavras, essa modalidade de adoção reclama que o falecimento do adotante tenha ocorrido no curso da ação por ele proposta, já que não se admite adoção nuncupativa.
Jurisprudência do STJ
Afastando o excesso de formalismo e privilegiando o melhor interesse da criança ou do adolescente, o Superior Tribunal de Justiça, desde 2013, relativizou a interpretação conferida ao art. 42, § 6º, do ECA, desde que comprovada a inequívoca vontade do de cujus em adotar. Ou seja, mesmo que ainda não iniciado o procedimento em vida, é possível o deferimento da adoção post mortem, desde que presentes as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva, quais sejam: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público daquela condição (REsp 1.326.728/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 20/8/2013, DJe 27/2/2014; AgInt no REsp 1667105/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019).
Em um caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça ponderou que mesmo sem o ajuizamento prévio da ação de adoção, existiam provas suficientes da intenção inequívoca do falecido em realizar o procedimento, como inúmeras fotos de família e eventos sociais, boletins escolares, convites de formatura e casamento, além de uma robusta prova testemunhal, cujos relatos eram uníssonos em demonstrar que o adotando era reconhecidos como filhos e assim apresentado ao meio social (AgInt no REsp 1.520.454/RS, Rel. Ministro Lázaro Guimarães, (Desembargador convocado do TRF 5ª Região), Quarta Turma, julgado em 22/03/2018, DJe 16/04/2018).
Embora o tempo seja um dos fatores considerados pela Corte para afastar a exigência prevista no art. 42, § 6º, do ECA (REsp 1663137/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 15/08/2017, DJe 22/08/2017), ele não deve ser considerado de forma exclusiva para o deferimento da adoção póstuma. Em outro caso concreto, em que a convivência foi estabelecida pelo lapso temporal de apenas oito meses, o Tribunal de Justiça local lembrou que a legislação não estipula espaço necessário de tempo de convivência para que se comprove a afetividade, que deve ser aferida casuisticamente. No caso submetido a julgamento – e com decisão confirmada pelo STJ – ficou caracterizado através de estudos sociais que durante o pouco tempo de convivência existiu amor e afetividade entre adotante e adotado, sentimentos que somente foram interrompidos com o falecimento do primeiro (AgInt no REsp 1.667.105/RJ, julgado em 14/10/2019).
Como se pode perceber, a existência de laços civis, como regra, deve ser aferida a partir do ajuizamento da ação pelo pretendente. Contudo, excepcionalmente, se houver prova de estabelecimento de vínculos afetivos capazes de configurar a filiação socioafetiva, mesmo na ausência de expresso início de formalização do processo em vida, a adoção póstuma poderá ser viabilizada, afastando-se o rigor do art. 42, § 6º, do ECA.
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