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Ainda sobre o cabimento do agravo de instrumento: a situação envolvendo as recuperações judiciais e falências e os casos de taxatividade mitigada
Luiz Dellore
23/12/2020
Desde a vigência do CPC/1973 (é isso, leitor, não estou falando do CPC/2015, mas sim do Código anterior), o agravo de instrumento é objeto de debates e propostas de reformulação.
Na versão original do Código anterior, o agravo era interposto em 1º grau. E então, o efeito suspensivo (raro e esporádico), vinha por meio do mandado de segurança. Isso gerava indevida duplicidade de impugnações.
Assim, menos de 2 décadas depois da vigência do Código de 1973, veio uma grande reforma: o agravo de instrumento seria interposto diretamente no Tribunal (não mais em 1º grau) e seria possível, em casos excepcionais, a concessão de efeito suspensivo ao agravo. Isso se deu quando da lei 9.139/1995.
A explosão do número de agravo de instrumentos fez com que logo fosse pensada nova solução legislativa: haveria a necessidade de se limitar o número de agravos, sob pena de inviabilizar o funcionamento dos tribunais intermediários.
Portanto, poucos anos depois da “reforma do agravo”, veio a “reforma da reforma”: a lei 10.352/2001. Por meio dessa nova alteração no CPC/1973, o relator tinha a faculdade converter o agravo de instrumento em retido, se o recurso não tratasse de uma situação de urgência. Porém, dessa decisão monocrática de conversão, era cabível agravo regimental / interno – de modo que o problema prosseguiu, pois houve inúmeros agravos da decisão de conversão…
Assim, mais alguns anos e veio a “reforma da reforma da reforma”. Com a lei 11.187/2005, o agravo de instrumento somente seria cabível para hipótese de urgência; a conversão do AI em retido passou a ser cogente (não mais uma opção) e a decisão monocrática de conversão seria irrecorrível.
E então foi editado o CPC/2015.
Não se adotou nenhum dos quatro modelos do CPC/1973, mas sim optou-se por um rol taxativo do cabimento do agravo de instrumento, nas hipóteses constantes do art. 1.015 do CPC/2015.
Esse modelo de rol taxativo, curiosamente, era o modelo que existia no CPC/1939… A doutrina processual, desde o início, já vislumbrou que essa solução não iria funcionar. Afinal, se não funcionou em 1939 (tanto que não se repetiu em 1973), por que funcionaria em 2015?
Obviamente, não funcionou. E, como estamos agora?
Em verdade, o problema ainda não está solucionado, sendo que o ideal seria uma reforma legislativa para alterar o cabimento do recurso de agravo1.
Mas o foco deste artigo é o seguinte: diante do rol claramente insuficiente, o que fazer?
E a análise se dá sob dois aspectos. Vejamos, de forma separada.
1) ESQUECIMENTO DO LEGISLADOR QUANTO A DETERMINADAS MATÉRIAS E INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DO CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO: O EXEMPLO DA RJ E FALÊNCIA
Há sempre o risco ao se elaborar um rol taxativo. Seja pela evolução da sociedade (tornando o rol insuficiente), seja pelo efetivo esquecimento de tratar de determinadas situações em que necessária a inclusão no rol (de modo que o rol é insuficiente desde seu nascedouro).
Considerando que o legislador é humano e, portanto, falho, não é de se surpreender que haja esquecimentos. Foi o que, sem dúvida, ocorreu com o caso da recuperação judicial e falência quanto ao agravo de instrumento.
O CPC/2015 trouxe situações em que sempre cabível o agravo de instrumento – e isso está no parágrafo único do art. 1.0152. A premissa do legislador é correta: nesses casos, a sentença não será efetivamente o momento em que se definem as principais questões do litígio (como é típico do processo de conhecimento); isso ocorrerá anteriormente, como numa penhora (execução e cumprimento de sentença) ou avaliação de bem (inventário).
Mas, é certo que isso também se aplica às decisões interlocutórias proferidas no bojo de uma recuperação judicial e falência, pois estamos diante de um procedimento especial bem característico. E, de forma ainda mais aguda que o inventário, uma série de decisões interlocutórias não podem aguardar a “sentença” da recuperação judicial, após o término de todo o procedimento.
Ou seja: o legislador lembrou no inventário, mas esqueceu da RJ…
Diante disso, a doutrina, já há algum tempo, defende que se interprete o parágrafo único do art. 1.015 também para incluir as interlocutórias proferias em RJ e falências. E isso pode ser sintetizado pela deliberação ocorrida nas Jornadas de Direito Processual do CJF, com a edição do Enunciado 69: “A hipótese do art. 1.015, parágrafo único, do CPC abrange os processos concursais, de falência e recuperação”.
E o STJ, felizmente, decidiu exatamente nesse sentido. É verdade que já havia decisões adotando esse entendimento, mas recentemente a questão foi julgada em sede de recurso especial repetitivo – ou seja, agora é um precedente vinculante conforme previsto no art. 927 do CPC3.
A tese foi assim fixada (grifos nossos)4:
“É cabível agravo de instrumento contra todas as decisões interlocutórias proferidas nos processos de recuperação judicial e nos processos de falência, por força do art. 1.015, parágrafo único, CPC”5
Assim, agora temos segurança jurídica e previsibilidade: de qualquer decisão interlocutória proferida em RJ e falência, cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, parágrafo único do CPC/20156.
Mas, o mais curioso é que estamos em vias de ter alteração legislativa acerca do tema. Isso porque o assunto é tratado no âmbito da reforma da lei de RJ e Falência (PL 4.458/2020, apenas pendente de sanção presidencial), que inclui o artigo 189 na lei, com a seguinte previsão: “as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa”.
Ou seja, com a inclusão dessa previsão na lei recuperacional, será desnecessário o entendimento ora firmado pelo STJ
Diferente é o que se verifica em relação a outras hipóteses não previstas no art. 1.015, como se verá no tópico seguinte.
2) “CORREÇÃO” DO PROBLEMA LEGISLATIVO PELO JUDICIÁRIO, SEM ALTERAÇÃO LEGISLATIVA: A TAXATIVIDADE MITIGADA
Exceto pelas hipóteses do art. 1.015, parágrafo único (analisada acima uma situação de interpretação ampliativa), o que fazer com casos em que não estão no rol do cabimento do agravo, especialmente quando se está diante do procedimento comum do processo de conhecimento?
A doutrina trouxe três principais respostas7: (i) agravo de instrumento, mesmo fora dessas hipóteses, (ii) mandado de segurança e (iii) nada, aguardar o final do processo e interpor apelação. A divergência doutrinária e jurisprudencial era grande.
Nesse ponto, como se sabe, o STJ já decidiu, também em recurso repetitivo, já há algum tempo, pela “taxatividade mitigada”. A tese repetitiva foi assim firmada, por maioria, pela Corte Especial do STJ (grifos nossos):
“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação“8.
Ou seja, o rol não é exatamente taxativo.
Mas, diferentemente da situação tratada acima (cabe AI de decisões proferias em RJ e falência), a solução aqui é bem distinta: pois há grande subjetividade em se saber o que é a “taxatividade mitigada”, e quais as hipóteses de “urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão na apelação”.
Ou seja, enquanto a questão “mais simples” acima exposta, já está solucionada pela jurisprudência e ruma para alteração legislativa, a questão “mais complexa” dos casos do processo de conhecimento seguem subjetivas e sem previsão de alteração legislativa. Infelizmente, pois o ideal seria a regulação legislativa da situação que o STJ apontou ser de taxatividade mitigada.
Assim, atualmente, tem-se grande instabilidade e insegurança quanto ao cabimento do agravo com base na taxatividade mitigada.
E é de se destacar que, diferentemente do passado (vide introdução ao artigo), em que as reformas processuais eram feitas por meio do legislativo, atualmente as “reformas processuais” estão sendo feitas pelo próprio Judiciário, ao “interpretar” os diversos dispositivos do Código, de maneira muitas vezes claramente dissociada do texto legal. Isso, em meu entender, de maneira inadequada, pois em verdade aumenta a instabilidade e segurança jurídica, como já dito.
Que futuras reformas legislativas resolvam isso.
FONTE: MIGALHAS
__________
1 Isso, inclusive, já foi objeto de anterior texto na coluna “Tendências do Processo Civil”, de minha coautoria.
2 Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
3 CPC, art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos.
4 Aos interessados, a sessão de julgamento pode ser vista aqui.
5 REsp 1717213/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2020, DJe 10/12/2020, Tema Repetitivo 1022.
6 O assunto foi objeto de diversas manifestações aqui no Migalhas. Andre Roque tratou do tema na coluna Insolvência em Foco, em 2017 e Paulo Lucon também tratou do assunto em 2019. Com a decisão do repetitivo, o assunto foi enfrentado por Rogerio Mollica e Teresa Arruda Alvim e Evaristo Aragão Santos.
7 Para verificar uma visão geral do tema, cf. Execução e Recursos: Comentários ao Código de Processo Civil 2015, 2ª ed. São Paulo: Gen, 2018, p. 1028 e ss., obra de minha coautoria e nesse ponto escrita por ZULMAR DUARTE.
8 REsp 1.704.520-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria, julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018 (Repetitivo, Tema 988), Informativo 639.