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Estudando Direito nos EUA: cinco semelhanças e quinze diferenças
Luiz Dellore
03/11/2020
Este texto, do Prof. Jordão Violin, é um dos meus preferidos. Mostra os pontos em comum e os pontos distintos entre a faculade no Brasil e nos EUA. Além de ser um texto leve, faz a gente pensar acerca daquilo que precisamos melhorar. E, para os que pretendem estudar nos EUA, mostra muito bem o que esperar da vida universitária por lá. Boa leitura e boas reflexões!
Dellore
por [1] Jordão Violin
Olá, pessoal. Já vimos com detalhes diversos elementos que definem o modo de ser de um curso de direito nos Estados Unidos: professores, estudantes, método, estrutura e incentivos. Neste texto, faremos um apanhado geral. O que há, afinal, de comum ou incomum entre o modelo americano e o modelo brasileiro? Quais semelhanças são mais surpreendentes ao estudar Direito nos EUA? Quais as diferenças mais gritantes?
Este texto nasceu de duas postagens muito curtidas e compartilhadas nas redes sociais. Por isso, a linguagem é direta e descontraída. Não espere considerações analíticas. Isso a gente fez no ano passado.
Essa lista não implica afirmar que tudo, em terras americanas, seja melhor que no Brasil. Talvez seja em alguns aspectos, mas não em outros. Deixo você decidir. Nem significa que todas as minhas impressões sejam exatas. Este é um relato da minha experiência na minha Universidade. São considerações bem pessoais. Mas os comentários que recebo demonstram que as coisas são mais ou menos assim no país inteiro.
Então, pegue um café, finja que é meu velho amigo de Facebook (se quiser, pode até me adicionar por lá) e divirta-se.
As semelhanças…
1. Vamos conversar sobre ferramentas tecnológicas. Nos Estados Unidos, meu melhor amigo se chamava BlackBoard – um ambiente virtual onde professores podem postar planos de aula, textos, apresentações, vídeos, trabalhos… enfim, o que quiserem. E onde os alunos podem postar seus questionários, dúvidas, mandar links com notícias interessantes para a turma toda… as possibilidades são quase infinitas. O que me chamou a atenção é que o BlackBoard é exatamente a ferramenta que eu já utilizava no Brasil, na PUCPR. Neste ponto, não há como dizer que os americanos estejam à nossa frente. Aliás, é bem possível que existam plataformas semelhantes no Brasil. Qual sua instituição adota? Funciona? Deixe sua impressão nos comentários.
2. Os professores utilizam pesadamente metodologias ativas de ensino, como “flipped classroom” e “peer instruction”. Ok, esses não são métodos amplamente utilizados no Brasil. Mas também não se pode afirmar que sejam completos desconhecidos. Nos últimos tempos, metodologias ativas têm ganho a nossa atenção. E a tendência é que sejam cada vez mais adotadas por aqui.
3. Estacionamento. Sempre ele, o universal e onipresente problema do estacionamento. Sim, nas universidades norte-americanas, como em quase todos os grandes centros do Brasil, o estacionamento é pago. E caro. E as vagas são disputadas a tapa. Não tem como fugir da lógica de mercado: o espaço físico é finito; o dever de guarda impõe à instituição riscos pela disponibilização do espaço; logo, cobrar por esse serviço é a alternativa mais racional. Estacionar no campus é um luxo.
4. Estudantes comportam-se como estudantes em qualquer lugar do mundo. E, como todos sabem, alunos adoram fazer drama e dizer que estão cheios de tarefa, trabalho, exigências e responsabilidades já na primeira semana de aula. Mesmo que isso não seja exatamente verdade.
5. E professores são professores em qualquer lugar do mundo. Eles sabem o que é exagero estudantil e o que não é. E passam tarefa do mesmo jeito. Todo. Santo. Dia. Lição de casa, trabalho e Despacito tocando insistentemente na rádio são as únicas certezas do cotidiano universitário.
… E as diferenças
1. O primeiro contraste você percebe antes mesmo de chegar ao prédio da faculdade. É uma diferença urbanística. Nos Estados Unidos, não existem botecos no entorno da universidade. Acredite se quiser. Não existem universitários fora da faculdade, nem se amontoando em mesas de plástico jogando cartas e fazendo algazarra. As salas de aula estão sempre cheias.
2. A coisa mais parecida com essa folia brasileira é um Starbucks a uma quadra da faculdade. Você paga seu café, recebe seu café e volta pra faculdade. Só. Ninguém joga truco no Starbucks. Aliás, o americano bebe muito café. Na semana de provas, a biblioteca oferece café grátis aos estudantes. É um belo atrativo.
3. Estudantes americanos são pontuais. Ninguém chega atrasado. Ninguém sai antes de terminar a aula. Que, aliás, começa e termina no horário. Alunos e professores costumam chegar 10 minutos antes da hora e esperar a aula começar. Eu sei, parece exagero. Eu mesmo não acreditaria se me contassem. Mas é assim. Juro.
4. Nos Estados Unidos, ninguém mexe no celular durante a aula. De novo, parece mentira, mas você precisa acreditar em mim. Ou ver com seus próprios olhos. Um ou outro gato pingado deixa o celular em cima da mesa, mas a imensa maioria deixa o bicho dentro da bolsa. E desligado.
5. As faculdades de direito norte-americanas seguem um livro-texto. Ao contrário do Brasil, em que o professor geralmente indica artigos variados ou um manual à escolha do aluno, na terra de Trump, o estudante deve comprar o casebook indicado pelo professor. O procedimento de ir à livraria com sua lista de livros lembra a nossa infância, quando, antes do início do ano letivo, acompanhávamos nossos pais na compra do material escolar. Mas, em vez de tinta guache e cola branca, você vai adquirir livros caríssimos. 300 dólares por um livro é um valor ordinário.
6. A utilização de um único casebook para todo o semestre produz uma outra diferença significativa. Por um lado, os estudantes americanos não têm o costume de pesquisar doutrina. Eles ficam bastante presos ao livro-texto. Por outro lado, eles leem um volume muito maior que seus colegas brasileiros. O próximo item explica o motivo.
7. 10% do trabalho é feito em sala de aula. 90% é feito fora. E antes da aula. Por recomendação do BAR (não me refiro ao boteco, mas à OAB norte-americana), pra cada hora em sala de aula, espera-se que o aluno leia de 3 a 4 horas em casa. E os professores de fato seguem a recomendação. São pelo menos 30 páginas por matéria pra ler de um dia pro outro.
8. Aliás, nos Estados Unidos não se costuma estudar autores. Não interessa o que o autor A ou o autor B pensam sobre o tema X. Interessa o que a Suprema Corte decidiu. E por que decidiu. E como deverá decidir no futuro. Estudam-se casos. Ponto. No máximo, os livros fazem uma remissãozinha a um ou outro artigo pra aprofundar um tema. Mas pouca gente lê. Os precedentes é que interessam.
9. Direito, nos Estados Unidos, é uma espécie de pós-graduação. Os alunos já são todos bacharéis em alguma coisa. Ciência política, filosofia, jornalismo, física nuclear… não interessa. Todo mundo já passou por pelo menos uma graduação (tem gente com mestrado e doutorado, inclusive) e resolveu migrar pro direito. Talvez por isso, o curso praticamente não tem disciplinas formativas. Presume-se que o aluno já as estudou na graduação. E o curso dura apenas três anos.
10. Tudo, na vida acadêmica norte-americana, é muito intenso. Três anos é pouco tempo e os semestres são curtos. Mal chegam a quatro meses de aula. Os alunos se internam na biblioteca e estudam pra valer. É comum encontrar a biblioteca cheia, mesmo de madrugada. Há uma curva que classifica os estudantes de acordo com sua nota. Grandes escritórios costumam vir à faculdade e recrutar os 10 ou 20% melhores. Os 10 ou 20% piores, por outro lado, são desligados da faculdade – que não tem interesse em manter alunos com baixo desempenho em seu corpo discente. O futuro dos estudantes depende da nota. A competição é feroz. No Brasil, como a gente sabe, a vida do estudante não depende da sua nota. Ele só precisa passar. O que vai definir o futuro do estudante brasileiro é o estágio, seus contatos ou o quanto ele se dedica ao estudo pra um concurso depois de se graduar. É bem diferente.
11. Falando em estágio, o curso, nos Estados Unidos, acontece em período integral. Quer surpreender um americano? Conte que você cursou direito à noite enquanto trabalhava durante o dia. Lá, ninguém faz estágio durante o ano letivo. Os estágios são feitos durante as férias de verão (pouco mais de 3 meses, entre maio e agosto). De novo, a vida é muito intensa. É nesse curto período de 3 meses que os graduandos têm a oportunidade de impressionar seu empregador e mostrar que merecem ser contratados ao final do curso. Durante o ano, eles estudam muito. Nas férias, trabalham muito.
12. E, no fim de semana, festam muito. Tão intensamente quanto estudam e trabalham. Aquelas festas de arromba que a gente vê em filme são reais, mesmo. Palavra de quem morou num edifício repleto de estudantes universitários.
13. O estudante norte-americano não dá a mínima pra cargos públicos. Não que seja ruim ser servidor. Juízes, por exemplo, são muito respeitados. Mas juízes ou são eleitos, ou são indicados pelo Presidente da República. Logo, a menos que você tenha bons padrinhos políticos, tornar-se juiz não é algo muito acessível pro cidadão comum. E advogados ganham muito bem. Muito bem mesmo. É difícil dizer uma média, mas 300 dólares a hora não é um valor absurdo. É até bastante razoável. Servidores não chegam a esse patamar. E não têm estabilidade.
14. E, já que estamos falando de dinheiro, um professor de direito nos Estados Unidos costuma ganhar mais ou menos o mesmo que um juiz federal. E pode ter estabilidade. Mesmo em universidades privadas. Lembre, os casos individuais são muito variáveis. E revelar o valor de seu holerite é tema muito sensível para um americano. Mas, segundo o conhecimento geral, o quadro é esse aí.
15. Lá, as bibliotecas de faculdades funcionam 24 horas por dia, 7 dias por semana. É óbvio que não tem gente trabalhando na biblioteca de madrugada. O estudante entra com sua carteirinha e faz o que quiser lá dentro. Pode entrar de mochila, comer, beber… como eu disse acima, é muito comum encontrar gente estudando de madrugada. Não só em período de provas. E não há registro, ao que me consta, de livros desaparecidos.
[1] JORDÃO VIOLIN – Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Tem LL.M. em direito norte-americano pela Syracuse University (EUA). Advogado e professor dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC/PR
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