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Arbitragem, Estatuto do Idoso e CDC: Uma Análise de Direito Comparado através de caso paradigmático dos EUA

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Arbitragem, Estatuto do Idoso e CDC: Uma Análise de Direito Comparado através de caso paradigmático dos EUA

APPEALS COURT OF MASSACHUSETTS

ARBITRAGEM

CASO PARADIGMÁTICO

CDC

DIREITO COMPARADO

DIREITOS FUNDAMENTAIS

ESTATUTO DO IDOSO

LEI Nº 10.741/2003

RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

TRIBUNAL MULTIPORTAS

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

Rafael Carvalho Rezende Oliveira

28/07/2020

Daniel Brantes Ferreira, Ph.D.[1]

Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Ph.D.[2]

  1. Caso concreto dos EUA – Scott R. BARROW v. DARTMOUTH HOUSE NURSING HOME, INC. – Appeals Court of Massachusetts, Essex.[3]

Em 16 de fevereiro de 2006, Scott Barrow, como representante legal (health care proxy) firmou contrato de prestação de serviços com Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI) do estado de Massachusetts (Brandon Woods Long Term Care Facitility) para internação de sua mãe Elizabeth Barrow de 96 anos. Entre vários documentos Scott, que não era curador de sua mãe, firmou cláusula compromissória. Ou seja, qualquer conflito que surgisse relacionado aos serviços de saúde prestados pela ILPI seria decidido por arbitragem vinculante e final. No dia 24 de setembro de 2009, Elizabeth Barrow, com 100 anos foi vítima de homicídio por estrangulamento e asfixia com utilização de sacola plástica praticado por sua colega de quarto de 97 anos.

Devido ao homicídio, Scott ingressou com ação indenizatória no Judiciário local em face da ILPI. Sua principal alegação era de que a autora do crime demonstrara comportamento violento prévio e que a negligência da ré havia culminado no homicídio de sua mãe.

Em primeira instância, em julgamento na Corte do Condado de Essex (Superior Court Department, Essex County) o magistrado considerou a cláusula compromissória válida. O argumento de Scott era de que ele não possuía poderes para celebrar cláusula compromissória em nome de sua mãe uma vez que era apenas responsável legal para fins médicos (lacked actual and apparent authority to sign the agreement). A Corte ordenou que o julgamento fosse realizado por arbitragem que, por sua vez, de maneira parcial, entendeu pela não responsabilização de Brandon Woods. Em ação anulatória de sentença arbitral subsequente o magistrado confirmou a sentença arbitral na sua integralidade.

No entanto, o entendimento foi reformado em segunda instância. A corte recursal considerou que o representante legal para fins médicos (health care proxy) não possui autorização para celebrar cláusula compromissória em nome do representado. Tal entendimento provém de decisão da Suprema Corte Judicial de Massachusetts no caso Barbara Johnson v. Kindred Heathcare[4] que considerou que uma contrato de representante legal com ILPI está relacionado apenas a decisões sobre tratamentos e procedimentos médicos[5] em casos de incapacidade do representado para prover consentimento informado. Ou seja, difere-se de uma procuração de plenos poderes com autorização específica para celebração de cláusula compromissória. Além disso, não poderia a cláusula ter efeitos sobre Elizabeth como terceira beneficiária uma vez que Scott não possuía poderes para tal. A corte também considerou que Elizabeth não tinha firmado a cláusula compromissória além de desconhecer sua existência.

O caso retornou para a primeira instância para ser julgado por júri popular. A empresa ré tentou por duas vezes, sem sucesso, que o caso fosse extinto. O caso seria julgado em 12 de setembro de 2016 por 14 (catorze) jurados quando as partes realizaram um acordo mantido em sigilo.

O caso de Elizabeth foi essencial para que o Centers for Medicare & Medicaid Services (CMS.gov), órgão responsável pela regulamentação das Instituições de Longa Permanência para Idosos nos EUA e que recebem financiamento do governo federal, promulgasse uma série de normas sobre a transparência de cláusula compromissória em ILPIs (Long-Term Care Facilities). Tais regras, por exemplo, garantem que a celebração da cláusula compromissória não será utilizada como condição para admissão na ILPI e que o árbitro será escolhido pelas partes e não mais somente pela casa de repouso.[6] Em suma, visam garantir princípios fundamentais da arbitragem tais como a imparcialidade, autonomia da vontade e a transparência na existência da cláusula compromissória.

  1. Estatuto do Idoso, CDC e Arbitragem no direito brasileiro

O caso peculiar é extremo e paradigmático para refletirmos justamente sobre o uso da arbitragem no direito brasileiro uma vez que as seguintes questões são tangenciadas: 1. a extensão dos efeitos da cláusula compromissória para terceiros; 2. Aplicação da arbitragem em contratos de internação hospitalar ou em instituições de longa permanência.

O artigo 35 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) enuncia em seu caput que todas as entidades de longa permanência, ou casa-lar, são obrigadas a firmar contrato de prestação de serviços com a pessoa idosa abrigada e em seu §3º complementa que se a pessoa idosa for incapaz, caberá a seu representante legal firmar o contrato a que se refere o caput deste artigo.

Ou seja, devido ao contrato de prestação de serviços resta inconteste a natureza consumerista e, portanto, a aplicação do CDC.

Por sua vez, o artigo 51, VII do CDC considera nula cláusula contratual que determine a aplicação compulsória da arbitragem. No entanto, há possibilidade da aplicação da arbitragem nas relações de consumo no Brasil e tal hipótese encontra-se pacificada pelo STJ[7]. Trata-se de aplicação restrita a compromisso arbitral, ou seja, estipulação de arbitragem quando o conflito já está deflagrado. Portanto, no Brasil não seria possível inserção de cláusula compromissória em contrato de prestação de serviços da ILPIs como condição de admissão da internação. Vale ressaltar, contudo, que sendo o idoso plenamente capaz seria possível a celebração de compromisso arbitral uma vez deflagrado o conflito. Nos EUA, conforme a análise do caso de Elizabeth Barrow, a arbitragem foi celebrada por seu filho, representante legal para fins médicos, no procedimento de admissão da internação e como condição para tal. No Brasil, tal cláusula compromissória seria desconsiderada se o idoso buscasse auxílio do Judiciário (nessa hipótese considera-se que o consumidor renunciou à arbitragem ao ingressar no Judiciário). Naquele país continua sendo possível a celebração de cláusula compromissória, no entanto, devido a nova regulação da CMS, com maior nível de transparência e isonomia.

Cabe ressaltar que no Brasil é possível, em situações excepcionais, a extensão dos efeitos da cláusula compromissória para terceiros que não a convencionaram originariamente. Trata-se de exceção ao princípio da relatividade dos contratos que se aplica no sentido de limitar a via arbitral às partes que efetivamente celebraram a convenção de arbitragem. Portanto, excepcionalmente, a convenção arbitral poderá vincular partes não signatárias (ex: grupos societários, grupos de contratos, desconsideração da personalidade jurídica, seguradoras etc.).

Tal posição vem sendo corroborada pela jurisprudência dos Tribunais estaduais e pelo STJ, principalmente com relação a transmissão da cláusula compromissória por meio de sub-rogação da seguradora ao segurado. No caso concreto, apenas como mero exercício dialético, devido aos princípios protetores do consumidor e do idoso previstos respectivamente no CDC e no Estatuto do Idoso seria inviável considerar que seu representante legal pudesse celebrar compromisso arbitral, por exemplo, em seu nome. No entanto, um idoso plenamente capaz poderia sim, em teoria e nos termos da jurisprudência supracitada, celebrar compromisso arbitral com sua respectiva ILPI encaminhando o conflito para a arbitragem desde que envolvendo direitos patrimoniais disponíveis nos termos do artigo 1º da Lei 9.307/96.

Tal prática ainda não ocorre no Brasil, no entanto, a experiência estrangeira nos mostra que os órgãos fiscalizadores das ILPIs ou casa-lar no Brasil (artigo 52 do Estatuto do Idoso) devem estar atentos a tal fato para manter todas as portas do Tribunal Multiportas abertas ao hipossuficiente.

  1. Nota conclusiva

Desconsiderando todas as filigranas jurídicas que envolvem o caso concreto temos que pensar na função social do tribunal multiportas. A arbitragem é uma forma célere e eficiente de solução de conflitos, no entanto, não para todos os conflitos. Em regra, podemos afirmar, que a arbitragem está relacionada a um contencioso estratégico e não a um contencioso de massa. Portanto, não será a forma ideal de solução de conflitos em casos de consumo por duas razões principais: 1. Para que as decisões tenham qualidade e o procedimento seja bem administrado deverá ser realizada em órgãos arbitrais reconhecidos pela sua qualidade o que, por seu turno, torna mais custosa a solução do conflito. 2. A escolha da arbitragem faz sentido eminentemente quando profissionais altamente especializados exercem a função de árbitro o que não acontecerá, em regra, em arbitragens consumeristas de massa.

Em suma, difícil vislumbrar em nosso país a arbitragem sendo utilizada para casos como o analisado, mas sem dúvida a reflexão é válida para protegermos a autonomia da vontade dos estratos mais vulneráveis da sociedade.

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[1] Vice-Presidente de Assuntos Acadêmicos do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Editor-Chefe da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR). Pesquisador do The Baldy Center for Law & Social Policy (University at Buffalo Law School). Pós-Doutor em Direito Processual pela UERJ. Mestre e Doutor em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Advogado, Árbitro e Professor do Mestrado em Direito da AMBRA University, EMERJ e Universidade Cândido Mendes. Contato: daniel.brantes@gmail.com

[2] Pós-doutor pela Fordham University School of Law (New York). Doutor em Direito pela UVA/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Especialista em Direito do Estado pela UERJ. Professor Titular de Direito Administrativo do IBMEC. Professor do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito – Mestrado e Doutorado do PPGD/UVA. Professor de Direito Administrativo da EMERJ. Professor dos cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes. Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ). Presidente do Conselho editorial interno da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR). Membro da lista de árbitros do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Procurador do Município do Rio de Janeiro. Advogado, árbitro e consultor jurídico. Sócio fundador do escritório Rafael Oliveira Advogados Associados. E-mail: contato@roaa.adv.br

[3] Appeals Court of Massachusetts, Essex. Scott R. BARROW v. DARTMOUTH HOUSE NURSING HOME, INC., 86 Mass.App.Ct. 128, Julgamento em 18.08.2014.

[4] Supreme Judicial Court of Massachusetts, Barbara JOHNSON v. KINDRED HEALTHCARE, INC., 466 Mass. 779, Julgamento em 13.01.2014.

[5] Health care agent’s agreement with nursing home operator to arbitrate disputes arising from principal’s stay at the nursing home was not a “health care decision” binding on the principal under health care proxy statute, since legislature did not intend term “health care decision” to include the decision to waive a principal’s right of access to the courts and to trial by jury by agreeing to binding arbitration; statute authorized the agent only to make those decisions requiring a principal’s informed consent to a medical treatment, service, or procedure, and did not authorize a health care agent to make all decisions that the principal could have made if competent, even those that might have had some relationship to the receipt of medical services. (Supreme Judicial Court of Massachusetts, Barbara JOHNSON v. KINDRED HEALTHCARE, INC., 466 Mass. 779, Julgamento em 13.01.2014.)

[6] São estas as condições estabelecidas pelo órgão governamental em 18.07.2019:

Not require that a resident or his or her representative sign an agreement for binding arbitration as a condition of admission to, or as a requirement to continue to receive care at, the facility.  This must be explicitly stated in the agreement to ensure.  This ensures that no resident or his or her representative will have to choose between the resident obtaining the skilled nursing care he or she needs and signing an agreement for binding arbitration.         

Ensure that the agreement is explained to the resident or his or her representative in a form and manner that he or she understands, including in a language that he or she understands, and that the resident or his or her representative acknowledges that he or she understands the agreement.  These two requirements ensure that the arbitration agreement is transparent and the resident or his or her representative understand what he or she is agreeing to.

Ensure that the agreement provides for the selection of a neutral arbitrator agreed upon by both parties and a venue that is convenient to both parties. These requirements help to ensure that the arbitration process is fair to both parties, especially the residents.

Ensure that the agreement does not contain any language that prohibits or discourages the resident or anyone else from communicating with federal, state, or local officials, including Federal or state surveyors, other federal or state health department employees, or representative of the Office of the State Long-Term Care Ombudsman. This protects the resident and his or her representative from any undue influence by the LTC facility to not discuss the circumstances surrounding a concern, complaint, or grievance.

Retain copies of the signed agreement for binding arbitration and the arbitrator’s final decision for 5 years after the resolution of any dispute resolved through arbitration with residents and make these documents available for inspection upon request by CMS or its designee.  This will ensure that CMS will be able to obtain information on how the arbitration process is being used by LTC facilities, and on the outcomes of the arbitrations for residents. Vide document complete em https://www.federalregister.gov/documents/2019/07/18/2019-14945/medicare-and-medicaid-programs-revision-of-requirements-for-long-term-care-facilities-arbitration. Acesso em 21.05.2020.

[7] Vide por exemplo STJ, REsp 1.602.076/SP, Rel(a). Min(a). Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 30.09.2016 e STJ, REsp 162.8819/MG, Rel(a). Min(a). Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15.03.2018.

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