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Gustavo Saad Diniz

Gustavo Saad Diniz

03/07/2020

Foi bastante perturbador ler Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial (Valor, 24/04/2020, A7, “O Capitalismo de Stakeholder em Xeque”) conclamar as empresas a compreender a inserção na emergência global decorrente da pandemia e se fiar em estratégias de longo prazo de preservação de empregos e alianças negociais.

Daqueles dilemas infindáveis de matizes militantes, a busca da função de uma empresa – para nós, do Direito, o obscuro e latino interesse social – praticamente se aloca em dois polos extremados: extrair mais valor da propriedade acionária; ou produzir economicamente em vista e em consideração de todos afetados pela atividade empresarial. Se na primeira milícia protagonizam os acionistas (ou shareholders, para atender um anglicismo didático), na segunda trincheira se posicionam aqueles que expandem a empresa ao seu conjunto de contratos e pessoas (os stakeholders, ainda nesse intuito de contextualização).

Longe de trazer estigmas de Friedman v. Stieglier, Jaeger v. Salomão, liberais v. desenvolvimentistas, desarticulação de esferas governamentais, a nossa preocupação está na significação de um capitalismo de stakeholders coerente e não mera peça publicitária habilidosamente lançada em Códigos de Ética nas companhias ou anualmente em Relatórios de Administração para investidores igualmente (des)enganados. A provocação e o desconforto vêm de Davos, que está a recomendar o Stakeholder Capitalism e investimentos em companhias inseridas nesse aparente antagonismo de balancear lucro com equilíbrio social e organizacional.

Eis o grande ponto na crise econômica engendrada pela pandemia: o capitalismo de stakeholders preserva cadeias econômicas para estabilização de longo prazo. Constrói pontes mais estáveis para a travessia da lucratividade, mas é um caminho mais longo e mais duro do que a via expressa do dividendo de metas e resultados. Disse um banqueiro que empresas quebram e faz parte do capitalismo. Sem dúvida, é a lei natural da fauna empresarial. Mas a extinção da espécie das pequenas atividades econômicas, num país como o Brasil, afetará também os grandes. A preservação de empresas e suas cadeias relacionais permite estabilizar não somente relações contratuais microeconômicas, mas também irradia efeitos macroeconômicos. É a coerência do capitalismo de stakeholders que permitirá a preservação dessa espécie e uma recuperação mais estrutural adiante. Noticiou-se que as grandes empresas listadas em bolsa estão capitalizadas com caixa para seis meses, ao contrário das pequenas; que os empréstimos governamentais não foram tomados pelos pequenos – que não querem se alavancar por não terem compradores e nem giro. São sinais de uma crise de oferta e demanda e menos financeira. Por outro lado, as doações se multiplicam, em nobre gesto alardeado habilidosamente.

Essas opções precisam sair do departamento de marketing e cair no planejamento estratégico para: (a) criação de fundos setoriais de estímulo econômico das cadeias empresariais, com uso de notas de crédito ou de debêntures de investimento; (b) diminuir a exposição a financiamento bancário e aumentar investimentos com participação acionária; (c) preparar e melhorar a governança e gestão das pequenas empresas, atribuindo-se-lhes maior estabilidade e longevidade; (d) estimular a colaboração contratual e não o oportunismo de rompimento e revisões contratuais com visão astigmática de curto e míope para o rompimento de cadeias de longo prazo; (e) renegociar os contratos sem ancoragens que beiram a má-fé, com alongamento estratégico dos vencimentos; (f) transplantar a ética empresarial dos textos em compliance com as melhores práticas; (g) mudanças estruturais com autossustentabilidade, atualização tecnológica e produtividade com desenvolvimento humano. Ao final, falirá quem não estiver pronto para essa virada e precisar realmente se reinventar. Ao mesmo tempo, as contribuições ao Terceiro Setor aparecerão também melhor sistematizadas.

O dilema está posto no presente para que se enxerguem oportunidades na diversidade e para que se busque coerência. O bifronte deus grego Janus bem demonstra que só existe o presente e é com as decisões corretas agora, olhando para o passado de erros, que se pode construir um futuro melhor ao bem comum. É o que se espera de lideranças empresariais, porque não está fácil aqui na ponta, Sr. Schwab.

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