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O Direito Ambiental no limiar de um novo paradigma jurídico ecocêntrico no Antropoceno
18/05/2020
Ingo Wolfgang Sarlet[1]
Tiago Fensterseifer
“As leis humanas têm de ser reformuladas para que as atividades humanas continuem em harmonia com as leis imutáveis e universais da Natureza.” (Relatório Nosso Futuro Comum de 1987[2])
“De facto, de jure!” (Bruno Latour)[3]
“Os direitos humanos e os direitos da Natureza, que articulam uma ‘igualdade biocêntrica’, sendo analiticamente diferenciáveis, se complementam e transformam em uma espécie de direitos da vida e direitos à vida. É por isso que os direitos da Natureza, imbricados cada vez mais com os direitos humanos, instam a construir democraticamente sociedades sustentáveis a partir de cidadanias plurais pensadas também desde o ponto de vista da ecologia.” (Alberto Acosta[4])
As pegadas humanas no Planeta Terra! “De caçadores-coletores a uma força geofísica global”.[5] A passagem citada descreve com precisão a magnitude da intervenção do ser humano no Planeta Terra, culminando com o término do Período Geológico do Holoceno (ou Holocênico) e o início do novo Período Geológico do Antropoceno.[6] O nome “Antropoceno”, como se pode presumir, é atribuído em razão do comportamento de uma única espécie (o “ser humano”), notadamente como decorrência da sua intervenção noSistema do Planeta Terra (Earth System). Não se trata, portanto, de uma homenagem “positiva”, como reconhecimento da sua virtude e harmonia na sua relação com as demais formas de vida e o sistema planetário como um todo (Gaia). Mas justamente o contrário disso. Não por outra razão, Edward O. Wilson prefere atribuir a nomenclatura Eremoceno ou Era da Solidão (Age of Loneliness) para definir o atual Período Geológico, definindo-o, basicamente, como a “era das pessoas, nossas plantas e animais domesticados, bem como das nossas plantações agrícolas em todo o mundo, até onde os olhos podem ver”.[7] A Era da Solidão representa, em outras palavras, a progressiva “solidão” da espécie humana decorrente da dizimação da vida selvagem e dabiodiversidade no Planeta Terra provocada pelo Homo sapiens rumo à sexta extinção em massa de espécies[8] em pleno curso na atualidade.
O início do Antropoceno é identificado por alguns autores a partir do período que se seguiu após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) até os dias atuais, denominado como “A Grande Aceleração” (The Great Acceleration).[9] Desde que surgiu na história natural do Planeta Terra, há aproximados 200.000 anos[10], o Homo sapiens passou a maior parte desse tempo quase desapercebido pela superfície planetária, pelo menos se considerado seu impacto numa escala global. Em mais de 90% desse período, ele transitou pelo globo terrestre como “caçadores e coletores”, cujo impacto resumia-se ao âmbito local onde se estabelecia. Somente 10.000 anos atrás, período que coincide aproximadamente com o início do Holoceno, a agricultura passou a ser desenvolvida em diferentes partes do mundo.[11] Mas as “pegadas” humanas mais significativas somente começaram a ser emplacadas a partir da Revolução Industrial, ou seja, no início do Século XIX, com o uso progressivo de combustíveis fosseis, consumo de recursos naturais e aumento populacional exponencial.
Alguns cientistas têm utilizado hoje a expressão “limites ou fronteiras planetárias” (Planetary Boundaries) para identificar os principais processos biofísicos do Sistema do Planeta Terra nos quais a sua capacidade de auto-regulação e resiliência já se encontra comprometida ou em vias de ser. São nove categorias identificadas: 1) Mudanças climáticas; 2) Acidificação dos oceanos; 3) Diminuição ou depleção da camada de ozônio estratosférico; 4) Carga atmosférica de aerossóis; 5) Interferência nos ciclos globais de fósforo e nitrogênio; 6) Taxa ou índice de perda de biodiversidade; 7) Uso global de água doce; 8) Mudança no Sistema do Solo (Land-System Change); e 9) Poluição química.[12]
Em pelo menos três casos – mudanças climáticas, interferência nos ciclos globais de fósforo e nitrogênio e taxa ou índice de perda de biodiversidade -, os cientistas são assertivos em assinalar que os “limites” e margem de segurança já foram ultrapassados em escala global. Impõe-se, portanto, necessariamente, o recuo da intervenção humana em tais subsistemas planetários, os quais estão inter-relacionados e ditam a sustentabilidade e capacidade de resiliência em escala planetária. Tais “limites” planetários (com impactos locais, regionais e globais) são apontados não por políticos, agentes estatais ou ambientalistas, mas por cientistas, os melhores e das melhores instituições científicas do mundo, incluindo vários Prêmios Nobel entre eles. Como colocado expressamente no Preâmbulo do Acordo de Paris (2015), a comunidade internacional reconhece “a necessidade de uma resposta eficaz e progressiva à ameaça urgente da mudança do clima com base no melhor conhecimento científico disponível”.[13]
Um dos últimos alertas científicos globais foi dado no mês de maio de 2019, com a divulgação do sumário do “Relatório de Avaliação Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” (Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services), aprovado na sua 7ª sessão plenária, realizada em Paris, pela Plataforma Intergovernamental Científico-Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) da ONU, instituição com papel equivalente ao desempenhado na área das mudanças climáticas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.[14] Entre os diversos aspectos alarmantes destacados no documento, que representa a avaliação mais abrangente já feita mundialmente na matéria, destaca-se o perigoso declínio “sem precedentes” da Natureza na história da humanidade, com a “aceleração” das taxas de extinção de espécies, a tal ponto em que 1.000.000 (um milhão) de espécies encontram-se hoje ameaçadas de extinção no Planeta. Tal situação também representa graves impactos sobre as pessoas em todo o mundo. O relatório também destaca que a resposta global atual tem sido insuficiente, impondo-se a necessidade de “mudanças transformadoras” para restaurar e proteger a Natureza, notadamente superando a oposição de interesses instalados em prol do bem ou interesse público ou comum global.[15] Não se trata, portanto, de “ideologia” (de esquerda ou de direita), mas de fatos comprovados cientificamente. Em outras palavras, é a “verdade” que está em jogo, por mais “inconveniente” que ela possa ser para os interesses de alguns (como, por exemplo, as grandes corporações mineradoras, químicas e petrolíferas multinacionais e os governos que lhes dão sustentação política).[16]
É diante de tal “estado ambiental planetário” que publicamos o nosso Curso de Direito Ambiental, representando o ápice de uma jornada de mais de 15 anos de parceria acadêmica entre os autores e profícua pesquisa e produção científica conjunta no campo do Direto Ambiental. É, ao mesmo tempo, extremamente desafiador o fato publicarmos o nosso livro em um momento de profunda evolução e transformação nas premissas teóricas do Direito Ambiental clássico edificado a partir do início da Década de 1970 e assentado num marco teórico preponderantemente antropocêntrico. Hoje, diante do fortalecimento em termos teóricos, legislativos e jurisprudenciais dos “direitos das Natureza” (para além dos direitos dos animais não-humanos!), fala-se da ascensão de um novo paradigma jurídico ecocêntrico. Não por outra razão alguns autores têm inclusive criticado a expressão “Direito Ambiental”, sugerindo a sua alteração para “Direito Ecológico”, nomenclatura que estaria mais de acordo com o atual regime jurídico de proteção ecológica de matriz teórica ecocêntrica. Por ora, muito embora já tenhamos estabelecido tal “virada ecológica” a partir da 6ª edição do nosso livro Direito Constitucional Ecológico[17] recentemente publicado, ao alterar a expressão “ambiental” por ecológico” no título do livro, preferimos nesta 1ª edição do Curso utilizar a expressão “Direito Ambiental”, inclusive como forma de estabelecer uma transição teórica mais gradual rumo ao novo paradigma ecocêntrico e evitar uma confusão conceitual.
O “novo” Direito Ambiental (ou “Direito Ecológico”), dada a natureza multidisciplinar das suas fontes, deve pautar-se por tal realidade planetária, o que, a nosso ver, impõe inclusive a discussão em torno de uma nova fase do seu desenvolvimento à luz do novo paradigma ecocêntrico emergente, como destacado anteriormente. Igualmente, não há como negar um certo “fracasso” do Direito Ambiental clássico, tanto em âmbito internacional quanto doméstico, após aproximadamente cinco décadas de existência e edificado com base em um paradigma predominantemente antropocêntrico, em conter os rumos civilizacionais predatórios na relação com a Natureza. Isso, por sua vez, nos levou a laborar profundamente, especialmente no âmbito da Teoria Geral do Direitos Ambiental, nas novas bases teóricas, normativas e jurisprudenciais que alicerçam e renovaram paradigmaticamente a disciplina, especialmente na última década. Além de um diálogo com as fontes científicas, especialmente na esfera das ciências naturais, o Direito Ambiental deve manter permanente diálogo com diversas áreas do saber, como, por exemplo, a história, a sociologia, a antropologia, etc., a fim de, ao olhar para o passado da humanidade, pensar o seu futuro em harmonia com a Natureza. Isso, por certo, torna também fundamental uma compreensão filosófica da crise ecológica e o estabelecimento de uma nova ética ecológica capaz de modular o comportamento do ser humano em favor da vida (humana e não-humana) no Planeta Terra.
Como já nos havia alertado Vittorio Hösle, no sentido de estarmos situados num ponto de viragem na história da humanidade (Wendepunkt der Geschichte des Menschen)[18], nunca antes na esfera jurídica a discussão em torno de uma virada copernicana de matriz “ecocêntrica” se fez tão presente (e urgente), sobretudo após o reconhecimento de que estamos vivendo em um novo período geológico (Antropoceno) derivado do nosso impacto na integridade ecológica do Planeta Terra. Como reconhecido por cientistas e mesmo alguns governos, estamos vivendo uma situação de “emergência climática ou ecológica”.[19] Não é mais possível sustentar, como fez a Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano (1972) no seu Preâmbulo (item 5), documento que simboliza a gênese do Direito Ambiental no plano internacional, ao dispor que: “de todas as coisas do mundo, as pessoas são as mais preciosas”[20]. Essa pretensa “centralidade”, acompanhada de uma ideia de superioridade, que o ser humano se (auto) atribui não encontra consonância com as “leis da Natureza” e a história natural do Planeta Terra. Pelo contrário, impõe-se a necessidade de um novo paradigma filosófico, jurídico, econômico, etc. acerca da compreensão do nosso lugar na Natureza e da nossa relação com a “comunidade viva ou da vida no Planeta Terra” (Earth’s Community of Life), como dito por Paul W. Taylor[21], tomando como premissa que integramos a mesma apenas como mais um ser biológico na cadeia da vida planetária.
É preciso urgentemente calibrar moral e juridicamente a nossa relação com a Natureza. A raiz antropocêntrica que se perpetuou ao longo de quase meio século de desenvolvimento do Direito Ambiental desde o início da Década de 1970, como referido anteriormente, não se mostra mais compatível com os desafios que enfrenta a humanidade hoje e, mais do que isso, diante de todo o arcabouço científico que – por força da obra, entre outros, de Darwin e Humboldt a partir de meados do século XIX – se desenvolveu progressivamente no âmbito das ciências naturais para caracterizar a relação vital entre ser humano e Natureza. A hoje designada “ciência planetária ou ciência da Terra (Earth Science)”, como se verifica, no exemplo da “ciência climática”, é o ponto culminante desse novo paradigma científico ecossistêmico. O ser humano é um ser biológico num mundo natural. Fato; e não ideologia. Soma-se a isso tudo os valores morais e éticos de matriz ecológica que emergiram com força desde a Década de 1960 de tal combinação de fatores.
O Direito Ambiental, na sua versão antropocêntrica, não foi capaz de frear o Golem[22] ou Prometeu (desacorrentado ou liberto)[23] tecnológico, personificado no Homo faber, que avança descontrolado sobre Natureza – como a lama tóxica lançada no Rio Doce no desastre de Mariana (MG), em 2015, e, mais recentemente e pela mesma empresa multinacional de mineração (Vale), no Rio Paraopeba no desastre de Brumadinho (MG), em 2019[24] -, destruindo sistematicamente ecossistemas e extinguindo espécies biológicas e, no apogeu de tal percurso (anti)civilizatório, nos levando, como dito antes, rumo à sexta extinção em massa de espécies [25] e ao colapso[26] da vida (humana e não-humana) no Planeta Terra. É o que se poderia denominar de um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional ambiental ecológico”[27], como decorrência da atual situação de emergência ecológica e incapacidade e deficiência de resposta por parte dos governos e instituições em todas as esferas (local, nacional e global). Não há mais tempo para esperar. Chegou o momento de reconhecer a nossa absoluta dependência existencial em relação à integridade ecológica e compatibilizar as “leis dos homens” com as “leis da Natureza”.[28] Caso contrário, não haverá mais futuro – ou, pelo menos, não um futuro com uma qualidade mínima de vida para a absoluta maioria dos seres humanos – para o Homo sapiens na história natural (de 4,5 bilhões de anos) do Planeta Terra.
As respostas jurídicas devem ser da mesma “magnitude tectônica” da intervenção do ser humano no Planeta Terra no Antropoceno, alavancando o status jurídico da Natureza como forma de (re)equilibrar a relação de forças entre Sociedade e Natureza, com o propósito de assegurar a integridade ecológica indispensável ao florescimento da vida (humana e não-humana) em Gaia. Meras reformas “antropocêntricas” na seara do Direito não surtirão por si só os efeitos necessários neste momento e processo crucial de afirmação existencial da humanidade. Para além das experiências constitucionais do Equador (2008) e da Bolívia (2009), o reconhecimento de direitos da Natureza e dos elementos naturais (animais, plantas, rios, florestas, paisagens, etc.), atribuindo-lhes valor intrínseco (ou seja, dignidade) e, portanto, dissociado de qualquer valor instrumental ou utilitário que possam representar ao ser humano, tem encontrado cada vez maior consenso em sede de direito comparado e internacional. Desde a gênese de tal discussão, representada paradigmaticamente pelo artigo Should trees have standing? Toward legal rights for natural objects (“As árvores têm legitimidade para litigar? Rumo ao reconhecimento de direitos para os elementos naturais”), de Chistopher D. Stone[29], publicado em 1972, o tema tem encontrado cada vez maior adesão doutrinaria[30], legislativa e jurisprudencial, especialmente na última década.[31]
O ressurgimento da discussão a respeito dos direitos da Natureza, especialmente pela ótica constitucional, pode ser identificado, como dito antes, na Constituição do Equador (2008), ou seja, a primeira no mundo a reconhecer expressamente no seu texto os direitos da Natureza (ou Pachamama). Dez anos depois, em 2018, a Corte Suprema colombiana reconheceu, em caso de litigância climática contra o desmatamento florestal, a Amazônia colombiana como “entidade sujeito de direitos”[32], repetindo entendimento jurisprudencial anterior da Corte Constitucional do País que havia atribuído, em decisão de 2016, o mesmo status jurídico ao Rio Atrato[33]. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alinhada com tal cenário que desponta no cenário jurídico atual, reconheceu expressamente na Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos” a proteção jurídica autônoma, ou seja, “em si mesma” da Natureza, destacando “uma tendência a reconhecer a personalidade jurídica e, por fim, os direitos da Natureza, não só em decisões judiciais, mas também nos ordenamentos constitucionais”.[34]
No Brasil, a discussão em torno de um novo paradigma jurídico ecocêntrico[35] apareceu na fundamentação dos votos e manifestações dos Ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 4.983/CE sobre a prática da “vaquejada”. Para a Ministra Rosa Weber, “o atual esta?gio evolutivo da humanidade impo?e o reconhecimento de que ha? dignidade para ale?m da pessoa humana, de modo que se faz presente a tarefa de acolhimento e introjec?a?o da dimensa?o ecolo?gica ao Estado de Direito”. Ao citar passagem da obra de Arne Naess, que trata sobre o reconhecimento do valor intrínseco de todas as formas de vida no Planeta Terra, independentemente dos propósitos humanos, a Ministra assinalou que “a Constituic?a?o, no seu artigo 225, § 1º, VII, acompanha o ni?vel de esclarecimento alcanc?ado pela humanidade no sentido de superac?a?o da limitac?a?o antropoce?ntrica que coloca o homem no centro de tudo e todo o resto como instrumento a seu servic?o, em prol do reconhecimento de que os animais possuem uma dignidade pro?pria que deve ser respeitada. O bem protegido pelo inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição, enfatizo, possui matriz bioce?ntrica, dado que a Constituic?a?o confere valor intri?nseco a?s formas de vida na?o humanas e o modo escolhido pela Carta da Repu?blica para a preservac?a?o da fauna e do bem-estar do animal foi a proibic?a?o expressa de conduta cruel, atentato?ria a? integridade dos animais”.
Trilhando caminho similar, assim pronunciou-se o Min. Lewandowski no seu voto: “gostaria de dizer que eu faço uma interpretac?a?o bioce?ntrica do art. 225 da Constituic?a?o Federal, em contraposição a uma perspectiva antropoce?ntrica, que considera os animais como ‘coisas’, desprovidos de emoc?o?es, sentimentos ou quaisquer direitos. Reporto-me, para fazer essa interpretac?a?o, a? Carta da Terra, subscrita pelo Brasil, que e? uma espe?cie de co?digo de e?tica planeta?rio, semelhante a? Declarac?a?o Universal dos Direitos Humanos, so? que voltado a? sustentabilidade, a? paz e a? justic?a socioecono?mica, foi idealizada pela Comissa?o Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas. Dentre os princi?pios que a Carta abriga, figura, logo em primeiro lugar, o seguinte: “Reconhecer que todos os seres vivos sa?o interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente do uso humano. Isso quer dizer que e? preciso, sobretudo no momento em que a pro?pria sobrevive?ncia do Planeta esta? em xeque, respeitar todos como seres vivos em sua completa alteridade e complementariedade. Hoje, nesses dias turbulentos que experimentamos, o crite?rio para se lidar com o meio ambiente deve ser ‘in dubio pro natura’, homenageando- se os princi?pios da precaução e do cuidado” .[36]
Diante desse novo cenário jurídico emergente, cada vez mais autores começam a questionar a própria raiz antropocêntrica da expressão Direito Ambiental, propondo a sua substituição por Direito Ecológico,[37] esta última mais de acordo com o novo paradigma jurídico ecocêntrico em ascensão. A respeito do tema, destaca-se o Manifesto de Oslo pelo Direito e Governança Ecológica (2016), adotado pela Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN). Segundo o documento, “o enfoque ecológico do Direito é baseado no ecocentrismo, no holismo e na justiça intrageracional, intergeracional e interespécies. A partir dessa perspectiva ou visão de mundo, o Direito reconhecerá as interdependências ecológicas e não mais favorecerá os seres humanos sobre a Natureza (…). A integridade ecológica torna-se uma pré-condição para as aspirações humanas e um princípio fundamental do Direito. Em outras palavras, o Direito Ecológico inverte o princípio da dominação humana sobre a Natureza, que a atual interação do Direito Ambiental tende a reforçar, em um princípio de responsabilidade humana pela Natureza. Essa lógica reversa é possivelmente o principal desafio do Antropoceno”.[38]
A “visão de mundo” referida coincide, em grande medida, com o que Taylor denomina de uma “visão biocêntrica da Natureza” (the Biocentric Outlook on Nature), tornando-nos, “conscientes de que, tal como todos os outros seres vivos no nosso Planeta, a nossa própria existência depende da solidez e integridade do sistema biológico da Natureza”.[39] Tal mudança de perspectiva na esfera jurídica depende, para sua efetividade, também de inúmeros outros fatores, em especial no plano de uma decisão política forte e transnacional nesse sentido, com o fortalecimento das organizações e instâncias institucionais globais, como é o caso da Organização das Nações Unidas (ONU). Nós precisamos, como nunca antes, de uma comunidade político-jurídica internacional forte a corporificada institucionalmente para enfrentar a atual crise ecológica, dada a sua dimensão transfronteiriça e magnitude global. A título de exemplo, é debatida hoje a possibilidade de tipificação de um crime de “biocídio” ou “ecocídio”[40] – um “genocídio ecológico” – no âmbito do Estatuto de Roma, juntamente com o genocídio, os crime contra a humanidade, crimes de guerra e os crimes de agressão, de modo a possibilitar a responsabilização perante o Tribunal Penal Internacional de pessoas pela prática de ações criminosas de impacto global em termos ecológicos[41], da mesma forma como hoje são responsabilizadas, por exemplo, pela prática de crimes contra a humanidade. Outra ideia seria a criação de um Tribunal Ambiental Internacional, também com o propósito de estabelecer uma governança judicial ecológica planetária.[42]
O conceito moderno de soberania nunca foi tão desafiado quanto hoje. Não obstante o movimento político verificado em alguns Estados-Nação, que, embora alguns de seus lideres neguem o aquecimento global, constroem muros para se proteger do resto do mundo, justamente num momento em que a comunidade internacional, em foros políticos regionais e globais, deveria atuar conjunta e cooperativamente para impor medidas e soluções concretas ao maior desafio existencial enfrentado pela humanidade até hoje. Tal conjunção de esforços para enfrentar o cenário de emergência ecológica, por meio da atuação cooperativa de agentes estatais, dos atores econômicos – de acordo com uma Economia Verde ou Ecológica – e da sociedade civil organizada e em geral, todavia, não retira a importância representada por respostas proativas do Direito, que pode fornecer importantes instrumentos para tal desiderato, inclusive no sentido da conformação de um sistema normativo ecológico multinível integrado (nacional, regional e internacional).[43]
Outro importante desenvolvimento que impacta e renova o Direito Ambiental clássico verificado recentemente, dado o necessário “diálogo de fontes normativas” (e mesmo “diálogo de Cortes de Justiça”), diz respeito à Opinião Consultiva n. 23/2017 da CIDH, como já referida anteriormente, representando o ápice até aqui do denominado “greening”[44] do Sistema Interamericano de Direitos Humanos[45]. A Corte, no referido documento, reconheceu expressamente “la existencia de una relacio?n innegable entre la proteccio?n del medio ambiente y la realizacio?n de otros derechos humanos, en tanto la degradacio?n ambiental y los efectos adversos del cambio clima?tico afectan el goce efectivo de los derechos humanos”[46], “que varios derechos de rango fundamental requieren, como una precondicio?n necesaria para su ejercicio, una calidad medioambiental mi?nima, y se ven afectados en forma profunda por la degradacio?n de los recursos naturales”[47], de modo que se tem como consequência disso “la interdependencia e indivisibilidad entre los derechos humanos y la proteccio?n del medio ambiente”.[48] Outro fato de enorme relevância para o marco jurídico ecológico diz respeito à celebração do Acordo Regional de Escazú para América Latina e Caribe sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental (2018), de natureza vinculante para os Estado-Membros, cujo esboço foi elaborado no âmbito da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) da ONU.[49] A consagração dos direitos ambientais de participação levada a efeito pelo Acordo de Escazú representa a consagração de uma democracia participativa e cidadania ecológica, a fim de assegurar maior controle social sobre práticas públicas e privadas predatórias da Natureza.
Ambos os documentos internacionais citados, além de conectarem da forma definitiva a relação entre direitos humanos e proteção ecológica, reconhecendo, em última instância, o direito humano a viver em um ambiente sadio, tal como consagrado há mais de três décadas no art. 11 (11.1 e 11.2) do Protocolo de San Salvador em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1988), tratam dos “direitos ambientais de participação”, também denominados como “direitos ambientais procedimentais ou de participação”, os quais configuram-se como peça fundamental para a efetivação da legislação ambiental, tanto no plano doméstico, constitucional e infraconstitucional, quanto internacional (regional e global). No mesmo sentido, também em sede internacional, a Assembleia Geral da ONU, em 14 de maio de 2018, adotou a Resolução A/RES/72/277 com o propósito de estabelecer um grupo de trabalho ad hoc (ad hoc open-ended working group) para desenvolver o esboço de um “Pacto Global para o Meio Ambiente” (Global Pact for the Environment).[50] Ao adotar tal medida, com o reconhecimento do direito ao meio ambiente como uma nova dimensão ou geração de direitos humanos (direitos de solidariedade ou fraternidade), a ONU opera no sentido de complementar a Carta Internacional dos Direitos Humanos no Sistema Global, integrada, essencialmente, pela Carta da ONU (1945), Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e pelos Pactos Internacionais de Nova Iorque de 1966, respectivamente, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. Em outras palavras, o novo documento internacional em gestação poderia (ou até mesmo deveria) ser denominado como Pacto Internacional dos Diretos Ambientais ou Ecológicos.
Para finalizar, vamos nos valer de passagem de Richard Powers em seu mais recente romance The Overstory: “esse é o problema com as pessoas, seu problema de raiz. A vida corre ao lado delas, invisível. Bem ali, logo a seguir. Criando o solo. Ciclismo de água. Negociação de nutrientes. Fazendo o tempo. Construindo atmosfera. Alimentar e curar e abrigar mais tipos de criaturas do que as pessoas sabem contar ”.[51] A humanidade precisa urgentemente resolver o seu problema de “raiz”. Não há mais tempo a perder. Sob pena de, assim como os dinossauros, nos perdermos para sempre na história natural do Planeta Terra. É preciso assumir a nossa condição biológica (de “macaco nu”[52], de “terceiro chimpanzé”[53], etc.), totalmente dependente das bases naturais da vida e da integridade da Natureza. Desconstruir o artifício filosófico cartesiano que pretendeu separar aquilo que ontologicamente não pode ser separado.[54] Chegou a hora de nos submetermos às leis da Natureza; e não mais a Natureza às leis dos homens. Para além da libertação dos animais não-humanos, como proposto por Peter Singer em sua obra clássica Animal liberation (1975), chegou a hora da “libertação da Natureza”. Impõe-se sobre a civilização humana, como nunca antes, a “força normativa” das leis da Natureza, decorrentes da “pura e bruta existência de fatos incontestáveis” (“the pure, brute existence of incotestable facts”[55]). Ou, como dito por Bruno Latour: de facto, de jure![56]
O Curso de Direito Ambientalque ora apresentamos ao público leitor busca justamente pautar o “estado da arte” da matéria em face da atual crise ecológica emergencial de magnitude global, abalando de forma definitiva a tradição moderna cartesiana sobre o nosso lugar na (e, portanto, não fora da) Natureza. Isso, por sua vez, torna necessária a celebração de um novo pacto político-jurídico, por meio de um “véu da ignorância ecológico”, nos servindo aqui da metáfora utilizada por John Rawls em sua obra clássica Uma Teoria da Justiça[57], que possibilite representar, incluir e levar a sério não apenas os interesses e direitos (?) das futuras gerações humanas (e mesmo dos conflitos intrageracionais), mas também dos animais não-humanos e da Natureza (e os elementos naturais) à luz de um novo paradigma jurídico ecocêntrico impulsionado pelos desafios existenciais humanos postos pelo Antropoceno no nosso horizonte civilizatório presente e futuro.[58]
A primeira edição ora apresentada ao público é apenas um primeiro passo na construção de um novo marco teórico para o Direito Ambiental (rumo ao Direito Ecológico!) e, para tanto, gostaríamos muito, como sempre fizemos nas nossas demais obras, de contar com o diálogo sincero, crítico e construtivo com os amigos leitores, comunidade cientítica, estudantes, profissionais e sociedade em geral para juntos empreendermos tal aventura e jornada em prol da defesa ecológica. Ao fim e ao cabo, esse é o Leitmotiv ou razão fundamental para investirmos a nossa energia e seguirmos trabalhando no desenvolvimento do Direito Ambiental brasileiro, ou seja, para que ele possa servir de instrumento efetivo para a defesa da vida na sua concepção mais ampla possível e salvaguarda da integridade do Planeta Terra!.
Por fim, também gostaríamos de registrar um agradecimento muito especial à competentíssima equipe editorial da GEN/Forense, notadamente na pessoa do nosso Editor Henderson Fürst, amigo querido e parceiro de tantos projetos e aventuras editoriais já há mais de uma década. No mais, esperamos atender às expectativas dos amigos leitores, também disponilizando nosso contato (tiagofens@gmail.com e Instagram: @tiago_fensterseifer) para as críticas e sugestões sempre muito bem-vindas.
LIVE COM AUTOR
Direitos da Natureza e o Novo Paradigma Jurídico Ecocêntrico – com Tiago Fensterseifer e Henderson Fürst
Veja aqui o livro Curso de Direito Ambiental!
[1] O presente texto reproduz, na sua integra, a Introdução do nosso livro Curso de Direito Ambiental recém lançado em sua primeira edição pela Editora GEN/Forense.
[2] COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Relatório Nosso Futuro Comum. 2.ed. São Paulo: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 369.
[3] LATOUR, Bruno. Facing Gaia: eight lectures on the new climate regime. Cambridge: Polity, 2017, p. 23.
[4] ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária/Elefante, 2016, pp. 148-149.
[5] A passagem citada reproduz literalmente um dos subtítulos de artigo firmado por alguns dos mais renomados cientistas que estudam o denominado Sistema Global Planetário (Earth System), entre eles o químico atmosférico e Prêmio Nobel Paul Crutzen, a quem se atribui os primeiros estudos que trataram do Antropoceno: STEFFEN, Will et all. The Anthropocene: from Global Change to Planetary Stewardship. Ambio (Royal Swedish Academy of Sciences), Vol. 40, n. 7, 2011, nov., p. 74.
[6] CRUTZEN, Paul J. Geology of Mankind: the Anthropocene. In: Nature, 415, 2002 (jan.), p. 23.
[7] WILSON, Edward O. Half-Earth: our Planet’s Fight for Life. New York: Liveright, 2016, p. 20.
[8] KOLBERT, Elizabeth: The Sixth Extinction: an Unnatural History. New York: Henry Holt and Co., 2014.
[9] STEFFEN, Will et all. The Anthropoceno: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions: Mathematical, Physical and Engineering Sciences (Royal Society), Vol. 369 (The Antropocene: a new epoch of geological time?), n. 1938, 2011, mar., pp. 849-853.
[10] WILSON, Half-Earth..., p. 54.
[11] STEFFEN, Will et all. The Anthropocene: from Global Change to Planetary Stewardship…, p. 741.
[12] ROCKSTRÖM, Johan et all. Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity. Ecology and Society, Vol. 14, N. 2, 2009, dez., pp. 1-32. Disponível em: https://www.ecologyandsociety.org/vol14/iss2/art32/. O artigo foi publicado também, na forma de uma breve introdução, na Revista Nature: ROCKSTROM, Johan et all. Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity. Nature, Vol. 461, 2009, set., pp. 472–475. Disponível https://www.nature.com/articles/461472a.
[13] Disponível em:https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/ODS/undp-br-ods-ParisAgreement.pdf.
[14] Disponível em: https://www.ipcc.ch.
[15] Disponível em: https://www.ipbes.net.
[16] A expressão “uma verdade inconveniente” (An Inconvenient Truth) ganhou projeção global por Al Gore, com o seu livro e documentário de mesmo título (este último vencedor do Oscar no ano de 2007) e que, conjuntamente com a sua luta climática, lhe renderam, no mesmo ano, também o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com os cientistas integrantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. GORE, Al. An Inconvenient Truth: the Planetary Emergency of Global Warming and What We Can Do About It. New York: Rodale Books , 2006.
[17] SARLET, Ingo W.; FENTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ecológico: Constituição, direitos fundamentais e proteção da Natureza. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.
[18] HÖSLE, Vittorio. Philosophie der ökologischen Krise: Moskauer Vorträge. München: C.H.Beck, 1991, p. 68.
[19] O Parlamento Europeu declarou, no dia 28 de novembro de 2019, a “emergência climática” na União Europeia (UE), tornando a Europa o primeiro continente a decretar a medida. O ato é, em grande parte, simbólico, e se destina a aumentar a pressão sobre os agentes públicos por medidas concretas contra as mudanças climáticas. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/parlamento-europeu-declara-emerg%C3%AAncia-clim%C3%A1tica/a-51450872.
[20] Na versão original em inglês: “Of all things in the world, people are the most precious”.
[21] TAYLOR, Paul W. Respect for Nature: a Theory of Environmental Ethics. Princeton: Princeton University Press, 2011 (1ª edição em 1986), p. 45.
[22] HÖSLE, Philosophie der ökologischen Krise…, p. 68.
[23] JONAS, Hans. Das Prinzip Verantwortung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003 (1ª edição em 1979), p. 7.
[24] Também em 2019, destaca-se o derramamento de óleo no litoral do Nordeste, o qual é considerado o maior desastre ecológico do gênero já verificado no Brasil.
[25] WILSON, Half-Earth…, pp. 53-63.
[26] DIAMOND, Jared. Collapse: how societies choose to fail or succeed. New York: Penguin Books, 2005.
[27] CAÚLA, Bleine Queiroz; RODRIGUES Francisco Lisboa. O estado de coisas inconstitucional ambiental. In: Revista de Direito Público Contemporânea, ano 2, v. 1, n. 2, jul./dez. 2018, pp. 137-151.
[28] No mesmo sentido, v. CAPRA, Fritof; MATTEI, Ugo. A revolução ecojurídica: o direito sistêmico em sintonia com a Natureza e a comunidade. São Paulo: Editora Cultrix, 2018, pp. 10-11.
[29] O artigo, publicado originalmente em 1972 na Southern California Law Review, foi republicado como livro em 1974, tendo sido reeditado e substancialmente ampliado posteriormente: STONE, Chistopher D. Should trees have standing? Law, morality, and the environment. 3.ed. New York: Oxford University Press, 2010.
[30] A título de exemplo, v. BOYD, David R. The rights of Nature: a legal revolution that could save the world. Toronto: ECW Press, 2017.
[31] Na doutrina brasileira, v. BENJAMIN. Antonio Herman. A Natureza no direito brasileiro: coisa, sujeito ou nada disso. In: Nomos (Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC), v. 31, n. 1, jan./jun. 2011, pp. 79-96. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/nomos/article/view/398/380.
[32]Íntegra da decisão proferida pela Corte Suprema Colombiana, no julgamento da STC4360-2018 (Radicacion n. 1100-22.03-000-2018-00319-01), proferida em 05.11.2018, disponível em: http://www.cortesuprema.gov.co/corte/index.php/2018/04/05/corte-suprema-ordena-proteccion-inmediata-de-la-amazonia-colombiana/.
[33] Íntegra da decisão proferida pela Corte Constitucional Colombiana, no julgamento da T-622/16, proferida em 10.11.2016, disponível em: http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2016/t-622-16.htm.
[34] “Esta Corte considera importante resaltar que el derecho al medio ambiente sano como derecho auto?nomo, a diferencia de otros derechos, protege los componentes del medio ambiente, tales como bosques, ri?os, mares y otros, como intereses juri?dicos en si? mismos, au?n en ausencia de certeza o evidencia sobre el riesgo a las personas individuales. Se trata de proteger la naturaleza y el medio ambiente no solamente por su conexidad con una utilidad para el ser humano o por los efectos que su degradacio?n podri?a causar en otros derechos de las personas, como la salud, la vida o la integridad personal, sino por su importancia para los dema?s organismos vivos con quienes se comparte el planeta, tambie?n merecedores de proteccio?n en si? mismos. En este sentido, la Corte advierte una tendencia a reconocer personeri?a juri?dica y, por ende, derechos a la naturaleza no solo en sentencias judiciales sino incluso en ordenamientos constitucionales”. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos”, pp. 28- 29. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_23_esp.pdf.
[35] É importante destacar que a nossa Corte Constitucional – por meio dos votos dos Ministros Rosa Weber e Lewandowski na decisão referida – utilizou a expressão “biocêntrico” para se referir ao novo paradigma jurídico ecológico, filiando-se, assim, à concepção da ética ecológica que atribui valor intrínseco a todos os seres vivos, mas não a toda Natureza. A concepção da ética ecológica mais ampla ou holística é o ecocentrismo, corrente a qual nos filiamos e que tem por premissa central atribuir valor intrínseco não apenas aos seres vivos, mas a toda Natureza (inclusive os elementos abióticos), tanto coletiva quanto individualmente considerada.
[36] STF, ADI 4.983/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurelio, j. 06.10.2016. Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão pioneira e inédita sobre o tema, reconheceu e atribuiu dignidade e direitos aos animais não-humanos e à Natureza: REsp 1.797.175/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j. 21.03.2019.
[37] LEITE, José Rubens Morato (Coord.). A ecologização do direito ambiental vigente: rupturas necessárias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
[38] Disponível em: https://www.elga.world/wp-content/uploads/2018/02/Oslo-Manifesto-final.pdf.
[39] TAYLOR, Respect for Nature…, p. 44.
[40] HIGGINS, Polly. Eradicating ecocide. 2.ed. Londres: Shepheard-Walwyn Publishers, 2012. O conceito de “crime de ecocídio”, segundo Higgins, inclusive de forma correlata às denominadas “guerras por recursos naturais” (resource wars), seria: “a destruição extensiva, dano ou perda de ecossistema(s) de um determinado território, seja pela ação humana ou por outras causas, de tal forma que o gozo pacífico pelos habitantes desse território tenha sido severamente diminuído” (pp. 62-63).
[41] A título de exemplo, o Presidente Jair Bolsonaro foi denunciado, em novembro de 2019, perante a Procuradoria do Tribunal Penal Internacional por “incitar o genocício e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas”. A denúncia também dá destaque ao estímulo e omissão do atual Governo Federal brasileiro que resultaram e resultam na destruição (ex. incêndios) da Amazônia, simultaneamente aos ataques aos povos indígenas e tradicionais. Disponível em: https://www.dw.com/en/brazilian-lawyers-implore-icc-to-launch-genocide-investigation-against-bolsonaro/a-51459855. A íntregra da denúncia pode ser acessada em: https://www.conjur.com.br/dl/instituto-bolsonaro-seja-investigado.pdf.
[42] No tocante á importância de um “constitucionalismo ambiental global”, inclusive no âmbito do Sistema ONU, ver, em especial, os artigos introdutórios da obra: DALY, Erin; KOTZE, Louis; MAY, James; SOYAPI, Caiphas. New frontiers in environmental constitutionalism. Nairobi (Kenya): UN Environment Programme, 2017, especialmente pp. 14-34. . Disponível em: https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/20819/Frontiers-Environmental-Constitutionalism.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
[43] FRANZIUS, Claudio. Auf dem Weg zum transnationalen Klimaschutzrecht? In: ZUR (Zeitschrift für Umweltrecht), 2018, Heft 12, pp. 641-642.
[44] Na doutrina, v. TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira. Greening no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2011.
[45] No sentido de fortalecer ainda mais a tutela ecológica no Sistema Regional Interamericano, inclusive por meio dos direitos ambientais procedimentais, registra-se a proposta de emenda ao Protocolo de San Salvador com o objetivo de tornar oponível a defesa do direito humano ao ambiente perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A proposta em questão, que deve ser apresentada futuramente perante a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), seria implementada por meio da inserção de referência expressa ao art. 11 no parágrafo 6º do art. 19, seguindo, assim, o procedimento do art. 22 do Protocolo de San Salvador.
[46] CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 23/2017…, pp. 21- 22.
[47] Idem, p. 22.
[48] Idem, p. 25.
[49] O Acordo de Escazú foi aberto para assinatura dos Estados-Membros em 27.09.2018, já tendo sido colhido número suficiente de signatários, de modo que sua entrada em vigor se deu 90 dias após tal data, conforme previsto no seu texto (art. 22).
[50] Disponível em: https://www.iucn.org/commissions/world-commission-environmental-law/wcel-resources/global-pact-environment.
[51] POWERS, Richard. The Overstory. New York: W. W. Norton Company, 2018, p. 4. “That’s the trouble with people, their root problem. Life runs alongside them, unseen. Right there, right next. Creating the soil. Cycling water. Trading in nutrients. Making weather. Building atmosphere. Feeding and curing and sheltering more kinds of creatures than people know how to count”.
[52] MORRIS, Desmond. The naked ape. New York: Dell Publishing Co., 1969.
[53] DIAMOND, Jared. The Third Chimpanzee: The Evolution and Future of the Human Animal. New York: Harper Collins Publishers, 1992, especialmente pp. 311 e ss.
[54] OST, François. A Natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995, pp. 49 e ss.
[55] LATOUR, Bruno. Facing Gaia: eight lectures on the new climate regime. Cambridge: Polity, 2017, p. 23.
[56] Idem, ibidem.
[57] RAWLS, John. A Theory of Justice (Revised Edition). Cambridge: Harvard University Press, 1999, pp. 118-123.
[58] A respeito da discussão envolvendo um novo “contrato social” de natureza ecológica, com o propósito de incluir os interesses (e direitos?) dos atores ou agentes não-humanos (nichtmenschliche Akteure), v. KERSTEN, Jens. Das Antropozän-Konzept: Kontrakt-Komposition-Konflikt. Baden-Baden: Nomos, 2014, pp. 88-92.
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