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Direito e Cinema # 6 – Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs): Direito dos Animais
Marco Aurélio Serau Junior
28/01/2020
É sempre uma alegria retomar a coluna Direito e Cinema. Sobretudo quando a crônica é resultado das impressões sobre um filme surpreendente, visto ao lado de meu filho, que curte seus últimos dias de férias: “A Ilha dos Cachorros” (Isle of Dogs), dirigido por Wes Anderson, animação que foi indicada ao Oscar (2019) e vencedora do Festival de Berlim (2018).
O enredo se passa na cidade japonesa de Megasaki, local dominado há séculos pelos Kobayashi; uma estranha família que é notória por detestar cachorros.
Em determinado momento (daqui há 20 anos no futuro), a cidade de Megasaki passa sofrer uma epidemia de “gripe canina”, que supostamente põe em risco a população humana. Diante disso, o Prefeito da cidade baixa o “Decreto da Ilha do Lixo”, que determina a deportação de todos os cachorros da cidade para a referida ilha, que até então funcionava como o depósito de lixo (inclusive radioativo) daquela comunidade.
A história se desdobra quando Atari Kobayashi, um adolescente de 12 anos, sobrinho do temido prefeito da cidade, rouba um pequeno avião e se dirige à Ilha dos Cachorros com o objetivo de encontrar seu cachorro Spots, que também tinha sido exilado ali.
Na tal Ilha do Lixo, os cães não recebem qualquer tipo de tratamento digno: se alimentam de água contaminada do lixo e restos de comida podre. Em geral possuem péssimo aspecto e estão doentes.
Na realidade, a tal “gripe canina” foi desenvolvida criminosamente pelas Indústrias Kobayashi, que contaminaram propositalmente os cachorros de Megasaki como parte de sua estratégia para continuar controlando de forma corrupta e autoritária esta cidade. A Ilha dos Cachorros, antiga Ilha do Lixo, era na verdade um local onde os animais eram submetidos a tratamentos cruéis e experiências de sofrimento, onde eram desenvolvidos os tais produtos químicos.
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Embora a expulsão dos cães para a Ilha do Lixo seja obviamente uma metáfora sobre temas de direitos humanos, pois mostra uma lógica do inimigo da sociedade e retrata o tratamento destinado aos indesejados, Ilha dos Cachorros também permite dialogar a respeito de um novo (e cada vez mais relevante) segmento do âmbito jurídico: o Direito dos Animais.
Direito dos Animais é uma expressão que pode causar estranheza em um primeiro olhar, visto que estamos mais acostumados a associar a ideia de “direitos” somente às pessoas. Mas este pioneiro segmento do Direito simplesmente quer afirmar que os animais também possuem direitos; senão os mesmos direitos dos humanos, mas certamente os direitos a dignidade, bons tratos, respeito, alimentação e saúde adequados, etc.
De acordo com o jurista Vicente de Paula Ataíde Jr., estudioso do tema:
“…o Direito Animal opera com a transmutação do conceito civilista de animal como coisa ou bem semovente, para o conceito animalista de animal como sujeito de direitos. Todo animal é sujeito do direito fundamental à existência digna, positivado constitucionalmente, a partir do qual o Direito Animal se densifica dogmaticamente, se espraiando pelos textos legais e regulamentares. A sistematização dogmática permite – e permitirá ainda mais – apontar outros direitos correlatos e ajustados à natureza peculiar dos animais não-humanos, bem como construir as tutelas jurisdicionais que lhes sejam adequadas.”[1]
No Direito brasileiro tem sido significativas as discussões judiciais sobre “guarda compartilhada” de animais domésticos (cães, gatos, etc) a partir da separação dos cônjuges, tal qual se discute em relação à guarda dos filhos.
Também são relevantes as questões jurídicas sobre situações de maus tratos a animais, a exemplo das proibições de rinhas de cachorros ou mesmo a discussão sobre a possibilidade de realização da Vaquejada, Farra do Boi e de rodeios sertanejos (matéria disciplina pela Emenda Constitucional 96/2017).
Pode-se mencionar também as ações judiciais visando responsabilizar clínicas veterinárias, pet shops ou médicos por danos causados aos animais; a pretensão de isenção das contribuições previdenciárias para as organizações protetoras de animais, que passariam a ser configuradas como entidades beneficentes de assistência social (Projeto de Lei 6222/2019).
Trata-se, portanto, de um novo e amplo segmento do ordenamento jurídico que atualmente está ganhando cada vez mais percepção e visibilidade.
No final do filme, o garoto Atari Kobayashi, agora alçado ao cargo de Prefeito de Megasaki, promulga uma lei que impõe as sanções para quem pratique maus tratos aos animais: detenção por um certo período e multa de 250.000 ienes. É curioso notar que o Direito dos Animais “real” não está muito longe dessa perspectiva, vez que há, em andamento no Congresso Nacional, alguns projetos de criminalização dos maus tratos a animais e inúmeras decisões judiciais determinando indenizações financeiras por esse motivo.
Esse campo do Direito, apesar de novo, é fascinante, sobretudo para aqueles que devotam um pouco de afeto aos animais.
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P.S.: a animação é toda “falada” na “língua” dos animais e, logo no começo do filme, o espectador é advertido de que “nem sempre” será traduzida a fala dos humanos…
[1] Introdução ao direito animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 13, número 03, p. 48-76, Set-Dez 2018, p. 50-51.
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