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A ilha de Pala e a educação do século XXI

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Roberto Beijato Junior

Roberto Beijato Junior

08/01/2020

Certamente a leitura das obras de Aldous Huxley nos instigam a uma vasta gama de reflexões. Tenho-o não apenas como um autor, mas como um visionário, apto a captar as tendências já presentes no início do século XX e que hoje encontram-se profundamente concretizadas.

O admirável mundo, certamente sua obra mais famosa, escrita em 1932, reflete, sem dúvidas, muito do vazio típico do século XXI. Uma legião de sujeitos que necessitam, constantemente, dos mais diversos tipos de desvio de si mesmo, a fim de fugir das diversas atribulações da vida, esquecendo-se que “o espírito cresce e a virtude se renova por meio da ferida”.

Tal como as diárias doses de soma administradas pelos cidadãos da Londres do admirável mundo novo, o homem do século XXI escraviza-se pelas doses diárias de desvios do próprio vazio. Vivemos sob a égide da doutrina da “felicidade constante”. O homem moderno não suporta qualquer tipo de estágio reflexivo que o retire de tal felicidade. Necessita-se da embriaguez contínua de uma euforia que camufla a carência de sentido existencial que muito se acentua nesta era.

Temos, sem dúvida, um homem bastante fraco e doente. Porém, o homem doente é sempre o melhor consumidor e, portanto, o homem mais interessante ao mercado e ao lucro.

Somos, assim, desde a tenra infância, educados para nos tornarmoshomo faber, aprendermos uma técnica laboral, empregá-la para o acúmulo de riquezas e, assim, consumirmos mais e mais. Não somos estimulados à crítica ou a reflexão, mas sim à produção e ao consumo.

A vida do homem moderno, se encarada em sua essência, mostra-se como um profundo vazio desprovido de sentido. Não é a toa que na atualidade o consumo de drogas lícitas e ilícitas seja alarmante[1] como mecanismo para produção do efeito de euforia necessário ao preenchimento da doutrina da felicidade constante, bem como para desvio do sujeito de si mesmo e dos estímulos da própria vida.

Neste cenário em que vislumbramos o quão distópica é a nossa própria realidade, o modelo de educação, vida e pensamento são dirigidos a produção do homo faber e não de um sujeito crítico. Tal tendência, por óbvio, não é uma exclusividade da atualidade, mas ao contrário, é um processo que vem se consolidando ao longo da história, reduzindo a própria filosofia à negação da vida.

Neste cenário do século XXI, a era da tecnologia e da técnica não sobram espaços às reflexões propriamente humanas. O homem em vez de dominar a tecnologia, aprimorando seus atributos, é dominado por ela e, assim, torna-se dela dependente.

Um movimento curioso é enunciado neste início de século XXI. Os homens tidos por “brilhantes” são justamente aqueles que conseguem produzir em larga escala, decorar longas fórmulas – e como fórmulas destinam-se a formar o raciocínio lógico dedutivo, validando-o, mas são vazias em essência – ou seja, são aqueles que conseguem incorporar os atributos da máquina. Por outro lado, as máquinas mais evoluídas são, justamente, aquelas que conseguem incorporar as variáveis da mente humana na sua operacionalização, fazendo com que a inteligência artificial se assemelhe ao máximo possível à inteligência de um humano. O homem vem se tornando máquina, portanto, num processo de desumanização, ao passo que a máquina vem passando por um processo de humanização.

Como tudo no século XXI, vemos que a própria educação sofrera um profundo colapso através da corrupção pelo mercado. A educação e a universidade, propriamente destinadas ao desenvolvimento da reflexão e do pensamento crítico se tornaram instâncias acríticas de mera reprodução descritiva do conhecimento. Isto é, propagam-se aos milhares os conceitos já prontos e simplesmente se os reproduz sob uma roupagem sistêmica. Aqueles que melhor memorizam os conceitos e fórmulas são os mais brilhantes. Aqueles que identificam problemas no sistema, avaliando-o sob uma perspectiva crítica não possuem muito espaço no meio acadêmico.

O cenário mencionado brevemente é nítido se o analisarmos sob a perspectiva dos cursos de Direito. O estudo do Direito, em especial no Brasil, evidencia uma crise epistemológica que não lhe é exclusiva, mas que em si se torna bastante nítida. A Ciência Jurídica se encontra, por certo, entre os fenômenos cruciais para compreensão das relações humanas e sociais. A sua essência ontológica[2] demonstra se tratar de fenômeno bastante amplo, e que vai, por certo, muito além dos estritos âmbitos normativos usualmente estudados e estimulados nas Faculdades de Direito.

O Direito, antes de tudo, inexoravelmente se trata de um instrumento político. Um instrumento do poder para a organização social. Temos um fenômeno bastante fecundo aos estudos filosóficos e que sem estes é reduzido à mera técnica. Não obstante, as faculdades de Direito no Brasil formam o tecnocrata medíocre, apto a tão somente reproduzir os conceitos postos, isto é, o arcabouço dado, tal como um gramofone, porém totalmente inapto à meditar, minimamente, sobre toda a variedade de conceitos do qual é destinatário. Os concursos públicos e exames da OAB revelam, de igual modo, uma busca pelo tecnocrata medíocre.

Um tal cenário já revela por si só uma crise epistemológica. Ora, se estamos diante de um fenômeno no qual em sua essência ontológica encontra-se, por certo, uma larga variedade de elementos axiológicos, políticos, econômicos, sociais, etc., a consequência lógica seria a de que sua abordagem epistemológica considerasse tais fatores como parte da essência do objeto abordado. Ao contrário, tudo aquilo que é mais relevante ao Direito – valores, sujeitos, política, etc. – é simplesmente ignorado em detrimento de um estudo técnico acerca dos conceitos jurídico-normativos, isto é, uma instância do conhecimento já dado, em que meramente se reproduz este arcabouço posto.

É neste ponto que podemos visualizar no Direito, o reflexo de uma modernidade fundada nos pensamentos superficiais e imediatistas, que se restringem ao simplismo medíocre em virtude da sensação de conforto propiciada pela ilusão de controle dos resultados.

O tempo em que vivemos é o tempo da velocidade, o tempo dos imediatismos e da frustração. Os homens de nosso tempo são os homens que vivem pela aparência e, sua essência corresponde a uma não essência, a um vazio.

Os períodos reflexivos são cada vez mais escassos, sendo que as pessoas, no geral, fogem do contato consigo mesmo. Há sempre um fator de desvio sobre as instâncias cognitivas reflexivas, sempre algo que desvia o sujeito de seu vazio fundamental.

Não é a toa que o século XXI venha se amoldando ao mundo distópico antevisto por Huxley já em 1932 e mencionado no início destes breves comentários. Vemos o aprofundamento deste admirável mundo novo, onde a aparência é encarada como essência e, esta, por sua vez, é sufocada pelo tecnicismo e a dependência humana sobre a aparente segurança gerada pelo mesmo.

O momento que vivemos é o da doutrina dafelicidade – sendo esta confundida com o constante estado de euforia – em que o sujeito faz de tudo para não ingressar em estágios de contemplação e reflexão, cingindo-se à alternar diversos métodos de desvio do vazio fundamental. O tempo da solidão reflexiva é abominado quase como que uma doença em nossos tempos.

Ao refletirmos sobre a literatura distópica mencionada, basta vermos, por exemplo, em fahrenheit 451, um dos meios utilizados pelo Poder local para fazer com que nenhuma pessoa refletisse, impedindo o desenvolvimento do pensamento crítico humano. Tal meio era simplesmente a onipresença da televisão. Isto é, em cada ambiente que as pessoas entrassem havia sempre televisores bombardeando as pessoas de informações e, desviando-as de si mesmas, ou seja, desviando-as da apreensão do vazio propulsor da reflexão. A obra em questão fora escrita em 1953, mas torna-se indubitável sua concretização em nossos tempos a partir dos smartphones que tornaram-se uma extensão do corpo das pessoas. Não importa onde a pessoa esteja, ela está sempre conectada aos outros, sempre com constantes desvios, sempre sendo bombardeada por informações. Nunca está sozinho este homem do século XXI, este homem que abomina a solidão e a si mesmo.  

O advento dos smartphones nada mais é do que a onipresença da televisão antevista em 1953 por Bradbury. As redes sociais, por sua vez, nada mais são do que ambientes nos quais os sujeitos podem viver o mundo virtual das aparências, já que a essência da modernidade é, justamente, a negação da própria essência. Assim, nas redes sociais se possui a imagem que se queira que os demais vejam, se fala sobre o que se quiser falar, mas raramente se lê o que os outros têm a dizer, uma vez que o objetivo precípuo das redes sociais, em sua primariedade, é justamente, servir como elemento de desvio do vazio humano e, de impedimento à instância reflexiva.

Vivemos uma refutação a qualquer esforço cognitivo. O próprio pensamento, por si só, mostra-se como algo por demais desconfortável para a larga maioria das pessoas na atualidade – e nisso inclui, por óbvio e, mais grave, o meio acadêmico – de modo que os pensamentos acríticos e meramente reprodutivos imperam. A instância crítica do pensar é o elemento que pode produzir alterações, seja no próprio sujeito, seja no próprio meio social. É evidente que a contemplação gerará desconfortos. Toda mudança gera desconfortos, uma vez que o sujeito sai do local conhecido e caminha para um local ainda “a ser”, para um “devir” que na essência é aleatório, não obstante o desenvolvimento histórico do niilismo evidencie que o homem precisou criar um “sentido” para todo acontecimento a fim de sentir que o controla ou, pelo menos, que compreende sua causa eficiente.

A doutrina da constante felicidade da atualidade criou um ser humano fraco, medíocre e estúpido, que evita qualquer perturbação à sua constante euforia e às aparências virtuais que se tornaram mais reais que a própria realidade. Desse modo, vemos que o próprio pensar tornou-se uma atividade evitada pela contemporaneidade.

Não é a toa que os desvios do vazio se mostrem tão enfáticos em nossa época. Seja através de smartphones, de mecanismos virtuais de absorção psicológica, ou até mesmo por meios químicos. O consumo de álcool, bem como de drogas – lícitas e ilícitas – encontra-se em constante ascensão. São como remédios que conforme são consumidos ao longo do tempo tornam o sujeito resistente e, fazem com que cada vez seja necessária uma dose maior para produzir o mesmo efeito.

O que importa para a atualidade é a constante euforia, ainda que se viva à base de uma felicidade artificial, que em última instância elimina os impulsos da existência necessários ao aprimoramento do próprio homem.[3]

Outro fator também presente nas obras distópicas – neste caso nas três obras mencionadas – e que se amolda perfeitamente à atualidade é a refutação a qualquer tipo de atividade solitária, a qualquer momento de solidão, que permitiria o desenvolvimento do momento reflexivo. Em tais obras o poder organiza uma série de atividades coletivas que os sujeitos participam ativamente, não lhes restando qualquer tempo de solidão.

A solidão constitui um dos elementos imprescindíveis ao pensamento reflexivo. É na solidão que o sujeito encontra-se consigo mesmo e consegue desenvolver a contemplação filosófica, produzindo pensamentos críticos sobre as questões do mundo da vida. A solidão torna o sujeito mais forte, não dependente, confortável consigo.

No entanto, atualmente, todo tipo de angústia, de desconforto, é visto como algo não desejado e, a partir de um modelo que prega a constante felicidade, como algo patológico. Se esquece, no entanto, que é a partir da agitação das águas que o mar pode se tornar mais calmo e que aquele que não possui cicatrizes da vida é porque não viveu efetivamente, mas apenas sobreviveu. Temos uma legião de artificialmente felizes, cujos desvios do vazio fundamental servem tão somente para abafar o doentio modelo de vida apregoado pela sociedade moderna, na qual o sujeito carece de qualquer individualidade, conduzindo toda sua vida e sua existência a fins mercadológicos imediatos.

Daí porque possamos afirmar que o sujeito de nosso tempo é um sujeito absurdamente estúpido e fraco. Não por outro motivo é um sujeito bastante propenso ao consumismo e, portanto, bastante interessante ao modelo capitalista de produção. Ora, o próprio consumo nada mais é que mais um dos desvios do vazio fundamental, ao qual a publicidade liga a ideia de felicidade. Vende-se a ideia de que o consumo pode lhe trazer a felicidade, de modo que o sujeito destina toda sua existência e toda sua energia para a aquisição de bens, isto é, para algo apolítico.

A produção moderna de um sujeito débil já era antevista por Nieztsche desde o século XIX, e, é bastante útil ao poder e aos detentores dos meios econômicos de produção massificada, vez que um sujeito medíocre e infeliz é um consumidor muito mais ávido do que o sujeito satisfeito.

A vontade de poder, aquele motor ativo da vida do homem espiritualmente nobre, esta vontade de conquistar, de exercer posturas ativas foi reduzida ao ativismo pelo dinheiro e nada além disso. Ativismo este que, em última instância, é revertido ao consumo constante. Evidencia-se aqui o imperativo da vontade de poder dos escravos, o niilismo incompleto preceituado por Nieztsche e seu aprofundamento na modernidade. Aquilo que outrora se fazia em prol das divindades, passa a se fazer pelo Estado e pelo Capital. Há apenas uma transposição de Deus para o Estado – uma alternância de ídolos – um niilismo parcial e que reforça a transvaloração moral na qual o modelo estimulado, reproduzido e naturalizado é a moral de rebanho.

Os anseios da vontade de potência ativa – para diferir do que Nieztsche denomina de vontade de potência passiva, típica da moral de rebanho[4] – demandam a solidão para o pensamento, demandam, também, constante postura ativa naquilo que sua contemplação revela que deva ser buscado. Demanda, portanto, o “desconforto” do pensamento, a lapidação que gera o aprimoramento.

Ao contrário, para o nosso tempo, “bom” é o homem fraco das aparências, a ovelha de rebanho. O homem que expende toda sua energia e tempo com o trabalho em prol da aquisição e acumulação de cada vez mais bens. O homem que não vive, mas sobrevive, conformado a tudo aquilo que já é dado e naturalizado. Vivemos o tempo do não pensar. Somos escravos de nós mesmos, dos desejos que nos foram naturalizados, do modelo social imposto. Já dizia Nietzsche que todo aquele que não possui dois terços do seu tempo a sua disposição é um escravo. É verdade. Somos todos escravos.

Neste ponto é que outra de Huxley nos traz algumas reflexões. A ilha foi a última obra de Huxley publicada com o autor ainda em vida. Publicada em 1962, antes da morte do autor, ocorrida em 22 de novembro de 1963. Ao contrário do admirável mundo novo, uma obra clássica da literatura distópica, a Ilha se trata de uma obra utopia. O autor idealiza a ilha de Pala, um local afastado onde a população consegue viver afastada das corrupções de espírito e mente produzidas pela sociedade industrial, bem como pela niilista moral cristã e pelo capitalismo.

A história toma parte através do personagem Will Farnaby, um náufrago inglês que acaba acidentalmente na costa da Ilha de Pala. Ao longo da história o personagem principal entra em contato com diversas pessoas na ilha, em especial intelectuais ligados a diversos setores da ilha. Presencia, de igual modo, a resistência da ilha às imposições da globalização, entre eles ao consumismo, à industrialização, etc., apregoando uma vida materialmente simples, porém muito mais completa, aliando as virtudes do corpo e da mente. No curso do enredo diversos diálogos são mantidos acerca do estilo de vida do povo de Pala, em especial em questões como a religião; a alimentação; a educação; as relações familiares, entre outras, sempre apresentadas sob um modo que evidencia ainda mais o niilismo da visão de mundo ocidental.

Dentre todos os temas evidenciados pela cultura de Pala, um que nos chama a atenção é a educação palanesa e o modelo de pensar na Ilha, em comparação ao modelo ocidental.

Os intelectuais da Ilha, todos eles, aliam necessariamente as virtudes da mente e do corpo. O desenvolvimento de ambos é premente, inclusive, para a melhor qualidade dos pensamentos desenvolvidos. A educação da ilha ensina, desde a mais tenra idade, a aliança entre as virtudes do corpo e da mente, explorando, portanto, uma extensão muito maior do ser.

Os modernos ocidentais, ao contrário, encontram-se sempre com seus semblantes de morte. São mortos em vida, niilistas anti vida, aberrações morais frutos de milênios de naturalização do hábito niilista propiciado pela doutrina da culpa e do pecado cristãos, que tornam a vida uma expiação e uma tortura que passa a ter sentido e finalidade asceticamente. É comum nas modernas universidades encararmos os pretensos intelectuais, com seus semblantes vaidosos, portadores de um conhecimento absolutamente simplista, mas que precisam fazer parecer se tratar “ciência”, de um conhecimento epistemologicamente qualificado e, portanto, autorizador da emissão do discurso científico. Nada mais do que autênticas práticas de estelionato acadêmico que, infelizmente, são recorrentes no âmbito do Curso de Direito, seja consciente ou inconscientemente.

Uma legião de mortos em vida, ensinando outra legião de tecnocratas mortos, sem qualquer vitalidade. Não é a toa que Nietzsche, no crepúsculo dos ídolos, ao formular sua crítica à “razão na filosofia”, afirmou que “tudo que os filósofos há séculos manejaram foram conceitos-múmias; nada de efetivamente vivaz veio de suas mãos. Eles matam, empalham, esses senhores idólatras de conceitos, quando adoram, – tornam-se um perigo mortal para tudo, quando adoram (…)”[5]

Como tudo aquilo que fora impregnado pela moral escrava e ascética do cristianismo, a racionalidade ocidental se tornou um sofrimento, um desenvolvimento destruidor da própria vida.  Não é a toa que ao longo do texto, em uma das discussões sobre a questão da racionalidade e a sua necessária aliança com as virtudes corporais afirmara-se:

Os intelectuais ocidentes são todos viciados em ficar sentados. E é por isso que a maioria de vocês é tão repulsivamente doente. No passando, mesmo um duque, um agiota, um metafísico, todos tinham de caminhar um bocado. E quando eles não estavam usando as pernas, estavam cavalgando. Enquanto hoje, do magnata ao datilógrafo, do positivista lógico ao pensador mais otimista, as pessoas passam nove décimos do próprio tempo em cima de poliuretano. Assentos esponjosos para traseiros esponjosos: em casa, no escritório, nos carros e nos bares, nos aviões, nos trens e nos ônibus. Sem que as pernas se movam,sem que se lute contra a distância e a gravidade; apenas elevadores, aviões e carros, apenas poliuretano e sentar-se eternamente. A força vital que costumava encontrar uma descarga por meio dos músculos estriados se volta contra as vísceras e o sistema nervoso e os destrói lentamente”.[6]

Força vital; pulsão de vida; vontade de poder, niilismo total. É justamente isso que morreu no ocidente. Não há vida. Somos escravos e os ideais ascéticos nos conduzem à conformação como escravos e, mais, à produção do desejo de sermos escravos. A educação ocidental do século XXI, portanto, é uma educação para formação de escravos; escravos do mercado; escravos dos desejos do consumo; escravos do amanhã que nunca chega.

A educação em Pala é retratada ao longo do texto, não como uma refutação à necessária especialização do saber; mas ao contrário, como uma constante interação entre os atributos da mente e do corpo que permitem a formação de um ser humano completo, consciente e, por conseguinte, apto à crítica.

Por certo um tal sujeito não seria tão interessante ao mercado e, certamente, menos interessante ao Poder, de modo que não podemos e esperar qualquer medida neste sentido. Não é a toa que a Ilha é uma utopia. No entanto, a utopia, tal como as idealizações, não obstante não sejam perfeitamente reproduzíveis no mundo sensível, pode, pelo menos, servir como motor às reflexões e à consciência. Assim, em vez de vivermos em prol do futuro que jamais chegará e em prol de ideais ascéticos que apenas dão significado às penitências da vida, podemos, em alguma medida, tentar nos libertar e viver, no “aqui e agora”, como diziam os Mainás de Pala.

FONTE: Revista Filosofia, ciência e vida – Edições 2017 e 2018


[1] Tal constatação é feita pelo psiquiatra norte-americano Ronald Dworkin (trata-se apenas de um homônimo do autor norte-americano de direito constitucional e “filosofia” do direito, cuja doutrina se tornou um constante modismo na era do falacioso “pós positivismo” no Brasil) na seguinte obra: Felicidade artificial: o lado negro da nova classe feliz. Trad. Paulo Anthero S. Barbosa. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007. A ideia fundamental da obra é, justamente, analisar a questão da infelicidade humana a partir do crescente consumo de antidepressivos nos Estados Unidos da América desde a década de 1960, bem como analisar a forma como os conflitos existenciais que servem de aprimoramento do homem são simplesmente suprimidos pela química, mantendo o sujeito fraco e dependente.

[2] Sobre a questão da essência ontológica do direito, conferir: BEIJATO JUNIOR, Roberto. O despertar do sono dogmático positivista a partir do senso comum teórico de Warat. Dissertação de Mestrado em Filosofia do Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2016, p. 51/97.

[3] Cf: DWORKIN, Ronald. Felicidade artificial: o lado negro da nova classe feliz. Trad. Paulo Anthero S. Barbosa. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.

[4] Conferir: NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo Cesar de Sousa. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, em especial os §§ 2, 7 e 8.

[5] NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos ou Como se filosofa com o martelo. Trad. Jorge Luiz Viesenteiner. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 23.

[6] HUXLEY, Aldous. A ilha. Trad. Bruno Gambarotto. 3ª ed. São Paulo: Biblioteca Azul, 2017, p. 201/202.


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