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Interpretação da Súmula n° 246 do TCU: acumulação de cargos se reporta à titularidade de cargos ou empregos públicos, independentemente do regime remuneratório
William Paiva Marques Júnior
12/11/2019
Em atendimento à legalidade administrativa, não se verifica a existência de qualquer norma federal que trate especificamente da compatibilidade expressa entre a licença não remunerada com a assunção em outro cargo ou emprego público, havendo a Súmula n° 246 do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o tema.
De acordo com a Súmula n° 246 do Tribunal de Contas da União (TCU):
“O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias.”
A tese adotada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), ao proclamar que o servidor/empregado público licenciado sem vencimentos de cargo ou emprego público fica impossibilitado de tomar posse em outro cargo ou emprego público, sob pena de incidir no exercício acumulativo vedado pelo art. 37, da Constituição Federal de 1988, privilegiou a titularidade do cargo em detrimento da percepção de vantagens pecuniárias, com base na interpretação estritamente legalidade feita a partir da interpretação dos artigos 37, inciso XVI da Constituição Federal de 1988:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
a) a de dois cargos de professor; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 2001)” (Grifou-se)
Complementa essa ideia o disposto no art. 118 da Lei n°.: 8.112/90 ao tratar da vedação à acumulação remunerada de cargos públicos:
“Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.
§ 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.
§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.
§ 3º Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)” (Grifou-se).
Para a análise da situação ora em comento, faz-se pertinente a transcrição do entendimento jurisprudencial firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) conforme o qual o fato de o servidor encontrar-se licenciado para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo jurídico, já que a referida licença somente é concedida a critério da administração e pelo prazo fixado em lei, podendo, inclusive, ser interrompida, a qualquer tempo, no interesse do serviço ou a pedido do servidor:
“SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE ENFERMEIRO. ART. 17, § 2º, DO ADCT/88. LICENÇA PARA TRATO DE INTERESSES PARTICULARES. 1 – O fato de o servidor encontrar-se licenciado para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo jurídico, já que a referida licença somente é concedida a critério da administração e pelo prazo fixado em lei, podendo, inclusive, ser interrompida, a qualquer tempo, no interesse do serviço ou a pedido do servidor. 2 – A Corte de origem limitou-se a interpretar a norma constitucional de natureza transitória, fazendo-o de forma razoável, sem ampliar direito que a Carta concedeu, excepcionalmente, aos profissionais de saúde que estivessem em situação de acumulação à época de sua promulgação. Vale dizer, a norma especial contempla a acumulação e afasta a incidência da regra geral que manteve vedada a acumulação remunerada de cargos, funções ou empregos tanto na administração direta, como na administração indireta ou fundacional (incs. XVI e XVII do art. 37). 3 – Recurso extraordinário não conhecido.” (STF- RE 180597, Relator: Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em 18/11/1997, DJ 27-02-1998 PP-00018 EMENT VOL-01900-03 PP-00621) (Grifou-se)
Nessa ordem de ideias, decidiu o STF que o fato de o servidor se encontrar licenciado para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo jurídico:
“SERVIDOR PÚBLICO. PROFISSIONAL DE SAÚDE. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. ART. 17, § 2º, DO ADCT. O fato de o servidor se encontrar licenciado para tratar de interesses particulares não descaracteriza o seu vínculo jurídico, sendo lícita, portanto, a acumulação de dois cargos públicos, a par do art. 17, § 2º, do ADCT, que concedeu excepcionalmente esse direito aos profissionais de saúde que estavam em situação de acumulação à época da promulgação da Carta de 1988. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (STF- RE 300220, Relatora: Min. Ellen Gracie, Primeira Turma, julgado em 26/02/2002, DJ 22-03-2002 PP-00048 EMENT VOL-02062-06 PP-01129) (Grifou-se)
Considerando o acima exposto, verifica-se, no que se refere à orientação jurisprudencial firmada no STF, tanto o julgado do RE 180597/CE quanto o do RE 300220/CE afirmam que o fato de o servidor estar licenciado para tratar de interesses particulares (e, portanto, temporariamente sem remuneração) não descaracteriza o seu vínculo jurídico com a Administração.
Observa-se, portanto que, mesmo uma licença não remunerada em um dos cargos não teria o poder de permitir a acumulação constitucionalmente proibida, pois, conforme a orientação jurisprudencial firmada no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Supremo Tribunal Federal (STF), jamais poderia ser investido em outro cargo alguém que já ocupe outro no qual se dê a acumulação.
A hermenêutica adotada pela Súmula n°.: 246 do TCU reconhece a presença de acumulação indevida à ocorrência do mero vínculo com a administração pública. A aludida previsão tem o intuito de consolidar este entendimento de modo a dificultar as fraudes decorrentes da acumulação ilegal de cargos, empregos e funções evidentes no âmbito do serviço público brasileiro.
Ademais, o Tribunal de Contas da União reiterou o entendimento consubstanciado na Súmula n°.: 246 no Acórdão n°.: 249/2005-Plenário que se encontra em harmonia com a definição do termo “cargo público” constante no art. 3º da Lei 8.112/90, que pode ser provido em caráter efetivo ou em comissão e, por essa conceituação, a proibição de acumular cargos públicos a que se refere o art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal:
“Para a hipótese de dupla titularidade de emprego e/ou cargo público, a jurisprudência do Tribunal é pacífica, cristalizada na Súmula TCU 246, in verbis:
“O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias.”
Essa afirmação está em harmonia com a definição do termo “cargo público” constante no art. 3º da Lei 8.112/90, que pode ser provido em caráter efetivo ou em comissão e, por essa conceituação, a proibição de acumular cargos públicos a que se refere o art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal, abrange, também, os cargos de provimento em comissão. É nesse sentido também a manifestação do Ministério Público no TC 006.854/1996-6 e da Secretaria de Administração Federal, no Ofício Circular 7/SAF, de 28/6/1990, ambos referenciados no relatório.
Por isso, considerando o princípio da legalidade estabelecido no caput do art. 37 da Constituição Federal, somente mediante lei, em sentido formal, é permitido ao servidor acumular a titularidade de cargo efetivo ou de emprego permanente com cargo em comissão. “ (TCU- Acórdão n°.: 249/2005-Plenário, Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues, sessão: 16/03/2005 ) (Grifou-se)
Ademais, deve-se observar que não tem previsão legal a acumulação de cargo ou emprego público em gozo de licença sem remuneração com cargo em regime de dedicação exclusiva, visto que caracteriza exercício cumulativo de empregos e funções públicas, proibido pelo art. 37, inciso XVI Constituição Federal de 1988, vez que o instituto da acumulação de cargos se reporta à titularidade de cargos, empregos e funções públicas conforme entendimento sumulado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
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