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Marcus Abraham

Marcus Abraham

05/08/2019

Como sabemos, os desejos e as necessidades humanas são ilimitados, mas a possibilidade financeira estatal de atendê-los é restrita. No Brasil, assim como em grande parte das nações do mundo contemporâneo, a desigualdade econômica e a concentração de riquezas são avassaladoras.

Neste contexto, recentemente, um grupo de bilionários norte-americanos apresentou um manifesto no sentido de serem favoráveis à tributação sobre suas grandes fortunas. Os signatários da carta justificaram a sua louvável motivação em contribuir com mais tributos a partir de uma responsabilidade moral e republicana para com a sociedade, como instrumento de redistribuição de riqueza.

Aqui no Brasil, temos a previsão constitucional, no artigo 153, VII, do denominado “imposto sobre grandes fortunas”. Porém, passados mais de 30 anos de vigência da Constituição, até hoje esse imposto não foi instituído, apesar de alguns projetos de lei complementar tramitarem no Congresso há décadas, a passos de cágado.

De fato, a questão é deveras controvertida. Se, por um lado, a desigualdade econômica em nosso país é imensa, e o nosso atual modelo fiscal privilegia os mais ricos, uma vez que o sistema tributário brasileiro é baseado na incidência sobre o consumo de bens e serviços, o que acaba por penalizar os mais pobres; por outro lado, a carga tributária sobre as empresas já é excessivamente elevada, e aumentar a cobrança de impostos sobre o patrimônio ou renda daqueles que geram empregos e movem a economia pode provocar uma fuga dos investidores ou aumento de planejamentos fiscais agressivos e, ao fim, resultar em um “tiro que saiu pela culatra”.

“Além desse dilema, há, ainda, a questão conceitual: o que é uma ‘grande fortuna’ e como estabelecer critérios objetivos e justos para a sua tributação?”

Não podemos negar que há um delicado equilíbrio entre o poder de tributar e a liberdade do cidadão, e o bolso costuma ser a parte mais sensível do corpo humano. Por isso, a tributação foi a causa de diversas revoluções.

Uma das primeiras revoltas localiza-se ainda na Idade Média, mais precisamente na Grã-Bretanha, nos albores do século XIII. Trata-se da revolta da nobreza e clero britânicos contra os abusos – sobretudo na cobrança de impostos – perpetrados pelo rei João Sem-Terra (John Lackland), culminando na assinatura de um acordo entre o rei, os nobres e o alto clero (a Magna Carta Libertatum – Grande Carta das Liberdades de 1215), garantindo direitos e instituindo a obrigação de consentimento de nobreza e alto clero para a criação ordinária da tributação.

Talvez a Revolução da Era Moderna que apresentou, de forma mais marcante, a influência da tributação em sua causa motivadora tenha sido a Revolução Americana. Diretamente oriunda de uma série de normas aprovadas pelo Parlamento inglês impondo novos tributos às colônias norte-americanas, tais exações foram sistematicamente repelidas e não pagas pelos colonos, acirrando os ânimos em ambos os lados do Atlântico. A partir daí, as agressões entre as partes começaram a escalar, levando ao início da guerra de libertação americana, que desembocaria na Declaração de Independência de 4 de julho de 1776, com reconhecimento formal da independência em 1783, pelo Tratado de Paris, portanto, menos de 20 anos após a desobediência civil tributária original contra o Stamp Act (lei de cobrança de tributo mediante uso de selos).

Dessa Revolução originou-se também a Constituição Americana de 1787 (vigente a partir de 1789), a Lei Fundamental ainda em vigor que maior influência tem sobre o constitucionalismo ocidental e verdadeiro monumento legislativo. Em seu texto, no art. 1º, seção 8, consagra-se o leitmotiv da Revolução de que apenas os representantes do povo podem concordar com a criação de tributos: “O Congresso terá o poder de lançar e arrecadar taxas, encargos, impostos e tributos, pagar as dívidas e prover à defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos.”

“Por sua vez, a Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, é considerada a mãe de todas as revoluções modernas, tendo sido a revolta que maior impacto causou mundialmente na história dos últimos três séculos.”

Não à toa, quando se fala em Iluminismo, a mente ocidental se remete imediatamente à França e a pensadores como Rousseau, Voltaire, Diderot e D’Alembert.

Contudo, para além de uma história das ideias que plasmaram a Revolução Francesa, existe um substrato financeiro e tributário na gênese desse importante movimento, cujas tensões nessas áreas tiveram imprescindível papel nos eventos que culminaram com a queda do Ancien Régime e do absolutismo monárquico francês.

Em primeiro lugar, deve-se salientar que a França, desde o século XVII, envolveu-se em diversas guerras com elevados custos para o erário francês, despesas estas que tiveram de ser arcadas por meio da tributação ou da ampliação da dívida pública por meio de empréstimos tomados pelo Estado francês. Em segundo lugar, os gastos com a manutenção da casa real também eram bastante elevados, sendo o mais emblemático deles aquele referente à ampliação do majestoso Palácio de Versalhes, sob o rei Luís XIV, alcunhado o “Rei-Sol”.

Por meio da tributação, a carga fiscal recaía principalmente sobre os ombros do Terceiro Estado (composto por comerciantes, mercadores, artesãos, camponeses). No Ancien Régime francês, estava vigente um regime de privilégios (privilèges) e isenções tributárias em favor do clero (Primeiro Estado) e da nobreza (Segundo Estado) que estabelecia uma desigualdade considerável entre os súditos do reino.

Para tornar a situação ainda mais problemática, havia isenções estabelecidas em favor de certas cidades do reino, onde por vezes residiam membros da alta burguesia, com elevado poder aquisitivo, mas que eram isentos do tributo da taille em razão do domicílio. E ainda isenções pessoais obtidas por alguns membros do Terceiro Estado. Mesmo em alguns tributos a todos impostos, como a capitation (capitação, cobrado per capita ou por cabeça), as alíquotas aplicáveis variavam, sendo menos pesadas para os nobres. O clero, por sua vez, não pagava a capitation.

“Em terras tupiniquins, a mais importante tentativa de revolta de independência no Brasil foi a Inconfidência ou Conjuração Mineira de 1789, ocorrida na região aurífera da então colônia portuguesa do Brasil.”

Seu nome decorre do fato de os conjurados terem sido reputados desleais e infiéis (esse o significado da palavra “inconfidente”) à Coroa portuguesa, cometendo o crime de “lesa-majestade” então previsto nas Ordenações Filipinas para aqueles que agissem de forma aleivosa e traiçoeira contra a pessoa do rei ou o Estado.

Nessa revolução, também as questões de ordem tributária atuaram como mola propulsora da atividade revoltosa, devido aos excessos na tributação da exploração dos minerais preciosos (sobretudo o ouro) na colônia brasileira, que incidia sob a forma de quintos, isto é, a quinta parte (20%) do valor dos minerais preciosos, devida à Coroa portuguesa.

Além da tributação sobre o ouro, metais e pedras preciosas, surgiu também a prática da sonegação fiscal, que se operava de diversas maneiras, como pelo trânsito do ouro e minerais preciosos em caminhos e rotas não oficiais, para fugir dos pontos de controle e cobrança (daí o nome do tipo penal tributário do “descaminho”) e pelo artifício de escondê-los dentro de imagens sacras (origem da expressão “santo do pau oco”) que circulavam com os clérigos, os quais não eram obrigados a aceitar revistas nas barreiras alfandegárias.

Em razão da dificuldade de determinação do montante efetivamente produzido (sobretudo em virtude da sonegação fiscal), o rei português D. João V, em 1715, aceitou a proposta feita pelos habitantes de Vila Rica (principal centro da área das minas) para que fossem pagas 30 arrobas de ouro anuais ao erário português, num sistema de tributação conhecido como fintas, isto é, a fixação de um valor fixo a ser pago dentro de um determinado período de tempo.

Porém, em 1719, a Coroa buscou implantar um sistema que lhe pareceu mais efetivo e com maior potencial de rentabilidade, a saber, a determinação da criação de Casas de Fundição, às quais deveria ser levado o ouro extraído em pó ou pepitas para ser transformado em barras contendo o selo real, sendo já descontado o quinto, isto é, a quinta parte (20%) do valor do ouro entregue à Casa de Fundição, como parcela tributada devida à Coroa.

Passados 30 anos após a morte de Tiradentes no reinado de D. Maria I, o Brasil, pelas mãos de D. Pedro I, neto da mesma rainha, torna-se enfim independente da metrópole portuguesa, ao mesmo tempo em que também a América Espanhola vai se libertando.

“Tanto na revolta dos barões ingleses, como na Revolução Americana e Francesa, assembleias são formadas em que se decidem relevantes e tensas questões sobre a tributação.”

Na Inconfidência Mineira, só não se produziu um documento jurídico final que também tratasse da tributação em virtude da frustração prévia da revolta. Mas o germe da independência já estava inoculado na colônia portuguesa, de tal modo que a própria casa real dos Bragança, percebendo o momento histórico, procurou capitanear o movimento separatista em 1822.

Para o bem, todas essas revoltas acarretaram o desenvolvimento de práticas político-institucionais e documentos jurídicos limitativos dos poderes dos governantes, garantidores da liberdade e da forma justa de tributação, materializados em cartas de direitos ou em Constituições que hoje inspiram e influenciam o nosso contemporâneo Estado Democrático de Direito.

Porém, não podemos nos olvidar do que disse o Chief Justice John Marshall, Presidente da Suprema Corte dos EUA, no caso McCulloch v. Maryland: “the power to tax involves the power to destroy” – “o poder de tributar envolve o poder de destruir”.

O debate sobre uma efetiva reforma tributária (com ou sem a instituição de um imposto sobre grandes fortunas) é imprescindível para o desenvolvimento do nosso país. Porém, mais relevante ainda é o debate sobre a qualidade no gasto público. Do contrário, o sentimento de insatisfação dos cidadãos – o mesmo que impulsionou os movimentos históricos mencionados – tende a se reproduzir, propiciando o surgimento de novos períodos de instabilidade e incerteza que certamente não são desejados para a nossa nação.

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Fonte: Jota


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