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Consequências negativas da instauração do Estado Social de Direito

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Consequências negativas da instauração do Estado Social de Direito

CRESCIMENTO DESMESURADO DO ESTADO

ESTADO SOCIAL DE DIREITO

INSTABILIDADE DO DIREITO

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO

PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

PODER EXECUTIVO

PODER JUDICIÁRIO

Maria Sylvia Zanella Di Pietro

Maria Sylvia Zanella Di Pietro

15/07/2019

Verificou-se um crescimento desmesurado do Estado, que passou a atuar em todos os setores da vida social, com uma ação interventiva que coloca em risco a própria liberdade individual, afeta o princípio da separação de Poderes e conduz à ineficiência na prestação de serviços.

Observa Juan Carlos Cassagne (1992:140-141) que, apesar de haver diferentes níveis de intervenção, verificou-se certa unidade nas distintas medidas interventivas por parte do Estado. Segundo ele, “essa unidade que caracteriza o processo intervencionista reflete-se  fundamentalmente nos quatro pilares do estatismo, a saber:

  • a supradimensão das estruturas administrativas e o consequente aumento da burocracia;
  • as abundantes e excessivas regulações que limitam e afetam as liberdades econômicas e sociais fundamentais;
  • a configuração de monopólios legais a favor do Estado; e
  • a participação estatal exclusiva ou majoritária no capital de empresas industriais ou comerciais”.

O acréscimo de funções a cargo do Estado – que se transformou em Estado prestador de serviços, em Estado empresário, em Estado investidor – trouxe como consequência o fortalecimento do Poder Executivo e, inevitavelmente, sérios golpes ao princípio da separação de poderes. Já não se vê no Legislativo o único Poder de onde emanam atos de natureza normativa.

O grande volume de atribuições assumidas pelo Estado concentrou-se, em sua maioria, em mãos do Poder Executivo que, para atuar, não podia ficar dependendo de lei, a cada vez, já que sua promulgação depende de complexo e demorado procedimento legislativo.

Como consequência, passou-se a conferir atribuição normativa ao Executivo, que veio a exercer essa competência por meio de decretos-leis, leis delegadas, regulamentos autônomos, medidas provisórias. Desse modo, o princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito, passou a abranger também os atos normativos editados pelo Poder Executivo.

Foi tão grande o crescimento da máquina administrativa que houve quem falasse em “burocratização do mundo”; a forma de organização burocrática, concebida como a mais adequada para assegurar a especialização (por meio da organização em carreira), a hierarquização (que permite atuação homogênea), a subordinação à lei e, como consequência, a impessoalidade, acabaram por produzir um desequilíbrio entre os Poderes, especialmente entre o Legislativo e o Executivo.

Além disso, a forma burocrática de organização, porque aplicada, indistintamente, a todas as atividades do Estado, mesmo as de natureza social e econômica, acabou por contribuir para a ineficiência do Estado na prestação dos serviços, ineficiência essa agravada pelo volume de atividades e pela crise financeira que tiveram que enfrentar especialmente os países da América Latina.

Outro aspecto negativo diz respeito ao princípio da legalidade. A lei, por influência do positivismo jurídico, passou a ser vista em seu aspecto estritamente formal, despida de qualquer conteúdo de justiça; a preocupação com as normas do Direito Natural, vigente no período do Estado Liberal, deixou de existir; obedece-se à lei apenas porque ela contém uma ordem e não porque ela seja justa. A lei passou de instrumento de realização do bem comum para instrumento de realização da vontade de grupos, de classes, de partidos. Com isso, a lei perdeu, em grande parte, seu caráter de generalidade, abstração, impessoalidade, e passou a ter caráter individual, à medida que atende a interesses parciais da sociedade ou de grupos.

Essa politização das leis induz à multiplicação de leis, muitas vezes irracionais, e à instabilidade do Direito. Em consequência, ela perde seu prestígio, sua credibilidade, já que muda com a maior facilidade e sem qualquer preocupação com o bem comum e com a justiça. A lei continua a existir, mas apenas em sentido formal, independentemente de seu conteúdo; por isso mesmo cai por terra a concepção do Estado liberal que via na lei um instrumento de garantia das liberdades individuais contra o exercício abusivo do Poder (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 1988:45-48).

O controle pelo Poder Judiciário – inafastável do Estado de Direito – tornou-se deficiente, quer porque examinava a lei também em seu aspecto apenas formal, sem preocupar-se com seu conteúdo de justiça, quer porque não acompanhou o crescimento do Estado e não pôde absorver a contento toda a complexidade dos inúmeros conflitos surgidos com o novo papel do Estado.

Note-se que, com a superação do liberalismo e a instauração do Estado Social, o indivíduo, que antes não queria a ação do Estado, passa a exigi-la. As relações entre Administração e administrado multiplicam-se e tornam-se muito mais complexas. A sociedade quer subvenção, financiamento, escola, saúde, moradia, transporte; quer proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio histórico e artístico nacional e aos mais variados tipos de interesses difusos e coletivos.

Evidentemente, essa evolução traria consequências inevitáveis em matéria de controle. Aquelas modalidades idealizadas para um Estado mínimo tornaram-se inadequadas para um Estado que atua nos mais variados setores da ordem jurídica, econômica e social.

E, infelizmente, as formas de controle, inclusive o judicial, embora sensivelmente alteradas no decurso do tempo, não conseguiram acompanhar a evolução e o crescimento da função administrativa. Daí a situação calamitosa em quase todas as instituições do Estado, inclusive no Poder Judiciário.

O Direito instrumentalizou-se, porque passou a ser utilizado como um meio de ação pelo qual o Estado executa suas tarefas; houve crescimento espetacular dos serviços públicos em todos os países liberais. Segundo Chevalier (1988:384), “tudo se passou como se um movimento irresistível impelisse à publicização das atividades sociais; e sistemas de gestão públicos cobrem já superfícies inteiras da vida social”. Essa nova concepção do Estado prestador de serviços – voltado para o bem comum – coloca em segundo plano o problema dos limites do poder que constituíam a base do Estado liberal, preocupado com as salvaguardas das liberdades individuais.

Com isso, o Estado, ao mesmo tempo em que foi chamado a agir nos campos social e econômico, para assegurar a justiça social, passou a pôr em perigo a liberdade individual, pela crescente intervenção que vai desde a simples limitação ao exercício de direitos até a atuação direta no setor da atividade privada, com a agravante de não alcançar a realização do objetivo inerente ao Estado Social de Direito, de assegurar o bem comum, pela realização dos direitos sociais e individuais nos vários setores da sociedade.


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