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MP 881/2019 (Declaração de Liberdade Econômica) – Impactos Trabalhistas # 3 – Reflexos sobre o trabalhador
Marco Aurélio Serau Junior
03/07/2019
A MP 881, de 30.04.2019, instituiu a denominada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado, normas de proteção à livre-iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174 da Constituição. A série de artigos que dedicamos ao tema discutiu tão somente os impactos da MP 881 no Direito do Trabalho. De acordo com o art. 1º, § 1º, desse diploma legal:
§ 1º O disposto nesta Medida Provisória será observado na aplicação e na interpretação de direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente.
Da simples leitura desse dispositivo, verifica-se que a proposta da MP 881 atinge o Direito do Trabalho, em sua aplicação e interpretação.
Neste terceiro e último artigo, discutimos alguns possíveis efeitos jurídicos que podem impactar a atuação do empregador e sua relação com os empregados.
MP 881 e o Direito do Trabalho
Nesse rumo, há vários dispositivos trazidos pela MP 881/2019 que merecem atenção. Veja-se o art. 3º, VIII, dotado da seguinte redação:
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do país, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição:
[…]
VIII – ter a garantia de que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, hipótese em que nenhuma norma de ordem pública dessa matéria será usada para beneficiar a parte que pactuou contra ela, exceto se para resguardar direitos tutelados pela administração pública ou de terceiros alheios ao contrato.
A ideia aqui é que os negócios jurídicos empresariais serão objeto de livre estipulação das partes e as normas de Direito Empresarial terão aplicação apenas subsidiária, inclusive no que concerne a normas de ordem pública, que só valerão contra a Administração Pública ou terceiros alheios ao contrato.
Enfim, propõe-se a perspectiva de uma ampla e livre negociação no mundo empresarial, figurando as regras de Direito Empresarial apenas como normas supletivas e ainda com certas restrições.
No que concerne a possíveis reflexos na configuração e condutas do empregador, no âmbito do Direito do Trabalho, não se pode esquecer do conteúdo do art. 10 da CLT:
Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
Esse dispositivo é complementado pela disposição do art. 448, também da CLT:
Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Assim, diante dos arts. 10 e 448 da CLT, qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados, ainda que eventual negócio jurídico empresarial tenha sido efetuado sob a égide do art. 3º, VIII, da MP 881/2019. Outros aspectos que podem impactar as relações de Direito do Trabalho encontram-se nos arts. 480-A e 480-B inseridos no Código Civil:
Art. 480-A. Nas relações interempresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do pacto contratual.
Art. 480-B. Nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles definida.
Em suma, os novos arts. 480-A e 480-B do Código Civil determinam que, nas relações interempresariais, presume-se, a partir da MP 881, a simetria dos contratantes. Além disso, devem ser observados os parâmetros objetivos estabelecidos por essas partes na interpretação de revisão ou resolução do pacto contratual.
Esses dispositivos causam preocupação porque não se pode ignorar que cada vez mais há relações de trabalho que não são fundadas no emprego (previsto no art. 3º da CLT), mas em contratos de natureza civil.
Pensemos nas hipóteses dos motoristas de automóveis que trabalham para plataformas de aplicativos ou na figura do trabalhador autônomo exclusivo, trazida pela Reforma Trabalhista (“Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação”).
É certo que, nesses casos, há algumas decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem o vínculo empregatício, nos moldes do art. 3º da CLT. Entretanto, nas situações em que isso não ocorre, valerá o parâmetro da simetria trazido pelos novos arts. 480-A e 480-B do Código Civil (parâmetro inadequado ao mundo do trabalho, pautado por relações assimétricas).
Por fim, devem-se apontar outras alterações impostas ao Código Civil, as quais limitam a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (NR)
Art. 980-A. […]
§ 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.
De certa maneira, a nova redação dada ao art. 50, bem como o § 7º, inserido no art. 980-A, ambos do Código Civil, consagram e aprofundam o modelo de responsabilidade limitada de sócios e ex-sócios trazido pela Reforma Trabalhista em 2017, em particular o disposto nos arts. 10-A e 448-A da CLT:
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
I – a empresa devedora;
II – os sócios atuais; e
III – os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.
Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.
Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.
Esse tema é obviamente complexo e merece aprofundamento mais rigoroso. Como sempre, o alerta que fazemos é no sentido da incorporação dessas novas regras para o Direito do Trabalho, desde que observados, obrigatoriamente, os princípios, normas constitucionais e particularidades desse segmento do ordenamento jurídico.
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