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O Medo do Novo e os Requisitos do Acordo de Não Persecução Penal e do Acordo de Não Continuidade da Persecução Penal

ABSPRACHEN

ACORDO DE NÃO CONTINUIDADE DA PERSECUÇÃO PENAL

ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL

PATTEGGIAMENTO

PENA

PLEA BARGAIN

PROJETO ANTICRIME

Francisco Dirceu Barros

Francisco Dirceu Barros

25/03/2019

Novas ideias sempre causam medo e divergências, isso é natural, porque o novo revela o desconhecido e a constatação das nossas eternas ignorâncias, e estas podem ser elididas se tivermos a condição de, antes de criticar o novo, ser capazes de tentar conhecê-lo.

Discorre Douglas Husak que poucos autores, bem informados, estão dispostos a sustentar que a negociação da pena é uma instituição justa. Essa prática foi denunciada como “absoluta e fundamentalmente imoral”, “um desastre”, “injusta e irracional” e “indignante”. Presumivelmente, a negociação da pena sobrevive porque ninguém sabe como o sistema penal americano poderia funcionar sem ela. A injustiça mais patente produz-se quando aqueles que admitem a responsabilidade não violaram a lei de nenhum modo (não cometeram delito), mesmo que seja impossível saber o percentual dos que são, de fato, inocentes das acusações.

O que se sabe, entretanto, é que a negociação da pena contém características estruturais que fazem que se encontre “maravilhosamente desenhada para assegurar a condenação de inocentes”.[1]

Ousamos discordar do renomado autor, porque o sistema de acordos que será adotado pelo Brasil cria requisitos que tornam praticamente impossível que o acordo seja efetivado com pessoas que não violaram a lei de algum modo. A apressada crítica que fazem aos acordos penais previstos no Projeto Anticrime, apresentado pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro, é baseada no direito alienígena.

No Brasil, teremos um sistema de acordos totalmente diferente do plea bargain americano, do Absprachen alemão e do Patteggiamento italiano. Portanto, no nosso sistema, para efetividade do acordo de não persecução penal e o acordo de não continuidade da persecução penal, a proposta deve ser regida por quatro requisitos cumulativos.

O acordo não pode ser realizado por meio de violência física real ou outra técnica de manipulação que vicie a livre manifestação de vontade do acusado.

É imprescindível, sob pena de nulidade, que ele seja sempre realizado na presença do defensor do acordante.

Defendemos que, para dar maior efetividade ao requisito da voluntariedade objetiva, o acordo deve ser sempre gravado em mídia e, antes da assinatura, ser lido pelas partes.

O acordante deve ser informado:

  1. Da imputação formulada pelo Ministério público ou querelante;
  2. Das consequências máximas dos fatos imputados;
  3. Da não obrigatoriedade do acordo;
  4. Dos benefícios do ato de aceite à barganha;
  5. De quais direitos o acordante vai renunciar;
  6. De qual será a punição a ser imposta;
  7. De todas as demais condições do acordo;
  8. Da consequência do descumprimento do acordo;
  9. Da data de início e final do cumprimento do acordo;
  10. De outras informações em consonância com o caso concreto.

A maior crítica que se faz ao plea bargain americano é a possibilidade de ele imputar penas a inocentes. Tal risco não é imunizado pelo processo penal tradicional em que todos os direitos e garantias são assegurados aos acusados, e mesmo assim convivemos com a possibilidade de erros judiciários.

No Brasil, na adoção do acordo de não persecução penal e do acordo de não continuidade da persecução penal, a hipótese de imputação de penas a inocentes é arrefecida com a adoção do requisito dos “Indícios criminais veementes”.

Com a utilização do requisito dos “Indícios criminais veementes”, os acordos passam por um grande filtro, qual seja, só será possível a formulação da proposta de acordo, quando houver indícios veementes de autoria e prova real da materialidade.

Essa exigência é implícita no acordo de não persecução penal (Art. 28-A: “Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado circunstanciadamente a prática de infração penal (…)”) e expressa no acordo de não continuidade da ação penal em que só será possível após o recebimento da denúncia (Art. 395-A. “Após o recebimento da denúncia ou da queixa (…)”).

No modelo norte-americano, pode o Ministério Público negociar não apenas a pena do acusado, mas também os fatos e imputações que lhe serão direcionados.

No acordo de não continuidade da persecução penal brasileiro (art. 395-A), os fatos e a imputação não podem ser negociados, pois eles foram antecipadamente submetidos ao juízo de admissibilidade. A lei é bem clara:

Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das penas.

Se pela confissão do acusado surgir outra elementar desconfigurativa do tipo penal antes do início da instrução, o Ministério Público ou o querelante deverão aditar a exordial com escopo de apresentar a proposta adequada aos fatos narrados.

Nesse caso, a proposta só poderá ser efetivada após o recebimento do aditamento.

O chamado princípio da congruência representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa, visto que assegura ao acusado ou querelado não fazer um acordo por fatos não descritos na peça acusatória, é dizer, o réu sempre terá a oportunidade de exercer, plenamente, o contraditório e a ampla defesa e acordar a pena em limites proporcionais aos limites fáticos.

O acordo de não persecução penal (art. 28-A) também não poderá ser realizado por fatos não constantes no inquérito ou PIC.

Em resumo, deverá haver total correlação dos fatos narrados na investigação ou na denúncia ou queixa e futura pena a ser negociada.

Conforme é possível depreender dos requisitos em comento, o sistema de acordos criminais que será utilizado pelo Brasil aproveita a experiência estrangeira, mas adota requisito que muito elidirá a possibilidade do cometimento de injustiças.


[1] HUSAK, Douglas. Sobrecriminalización. Los límites del Derecho Penal. Madrid: Marcial Pons, 2013, p. 66. Apud, André Luis Callegari, no artigo “ A injustiça do modelo americano de plea bargain”, postado no https://www.conjur.com.br/2019-jan-10/andre-callegari-injustica-modelo-americano-plea-bargain#_ftn7, acesso em 10-03-2019.

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