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CIVIL
Condômino Antissocial
Sílvio Venosa
11/03/2019
São inúmeras as questões que a vida em uma sociedade condominial traz, em unidades autônomas em apartamentos residenciais, edifícios não residenciais e situações assemelhadas como os chamados condomínios fechados.
Convivendo em comunidade restrita, embora desfrutando de autonomia de seu direito de propriedade sobre a unidade autônoma, aos condôminos cabem direitos e deveres, que vão muito além de usar e fruir livremente de sua unidade e de responder pelas despesas usuais. Nos direitos dos condôminos há uma adaptação do direito de propriedade às particularidades dessa modalidade de convivência social.
O aspecto da boa convivência é ponto fulcral da vida em condomínio. O condômino que, por exemplo, desejar reformar sua unidade, não pode fazê-lo de molde a colocar em risco a estrutura do prédio. Deve, por outro lado, efetuar os reparos necessários para que eventuais defeitos em sua unidade não prejudiquem os demais condôminos.
O condômino deve obedecer à convenção e ao regimento. Eventual transgressão pode sujeitá-lo a multa ou outra penalidade, cuja forma de imposição e fixação deve decorrer da convenção ou mais especificamente do regulamento ou regimento, sem se descurar dos princípios aplicáveis do Código Civil em matéria de condomínios e direitos gerais de vizinhança.
Qualquer que seja a modalidade de multa ou penalidade, deve ser conferido direito de defesa ao condômino. Como já se decidiu, “a gravidade da punição ao condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade” (RE 1.365.279, Rel. Min. Luís Felipe Salomão).
Para evitar nulidades, o regimento deve estabelecer procedimento para imposição de penalidades, nos moldes de uma sindicância. As punições podem ser graduadas desde a simples advertência até a imposição de multa ou proibição transitória de certas atividades no condomínio.
Esse último tópico gera discussões. Não se duvida que qualquer condômino, ou qualquer ocupante do local, pode ser punido com a suspensão temporária de frequentar a piscina, salão de festas ou academia de ginástica, por exemplo, em razão de comportamento inconveniente. A lei civil condominial, contudo, parece, à primeira vista, que só admitiu multas, como se estas resolvessem o problema, o que não é verdadeiro. Ainda porque multas, mesmo elevadas, podem não ter, para determinados condôminos desajustados, qualquer sentido penal ou pedagógico. A jurisprudência tem buscado equacionar corretamente a matéria. A situação dependerá muito do caso concreto. Situações extremas de antissociabilidade podem autorizar até mesmo a proibição temporária ou permanente de o indigitado utilizar sua unidade e ingressar no condomínio (Nesse sentido, por exemplo, TJ-DF 20150111060167 – DF 0031057-42.2015.8.07.0001, publ. 06/11/2018, rel. Alfeu Machado).
A possibilidade de imposição de multas ao condômino antissocial foi disciplinada pelo atual Código Civil, na omissão da lei anterior, mas esse estatuto deu apenas meio passo na busca da resolução de tão sensível problemática. Esse Código, que buscou traçar linhas completas em torno do condomínio edilício, pecou por omitir-se quanto às várias modalidades de penalidades, como advertência, repreensão e proibição de utilização de bens ou serviços. Porém, a convenção e o regimento interno podem e devem instituir a essa gradação.
Assim, tal como está no art. 1.336, §2º, o condômino que não cumprir quaisquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV pagará multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem. Nesse mencionado artigo, o inciso IV é o mais fundamental na matéria aqui tratada, pois dispõe que é dever do condômino, “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”. Na maioria das situações, o caráter antissocial afluirá para esse dispositivo.
Não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços, no mínimo, dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa, sempre se recordando do direito de defesa que deve ser resguardado.
No entanto, nesse diapasão, o Código foi mais além. Assim é que o art. 1.337 dispõe:
“O condômino ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e da reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até posterior deliberação da assembleia”.
É de se notar que essas punições podem atingir não apenas o condômino, em sentido estrito, como qualquer possuidor da unidade, não importando a que título seja essa posse ou até mesmo mera detenção, como inclusive mencionado no art. 1.333.
O legislador chegou muito próximo. mas teve rebuços em dizer expressamente sobre a possibilidade de estabelecer que o condômino ou assemelhado seja impedido de utilizar os espaços condominiais e sua unidade. A jurisprudência, contudo, já tem sufragado essa posição quando a situação no caso concreto é insustentável. Nem sempre a multa pecuniária resolverá a questão. Não é possível que deva o corpo condominial, seus moradores e ocupantes, suportar a presença de baderneiro. Meliante ou desajustado social.
Desse modo, a questão que deve ser enfrentada é equacionar os casos concretos que exigem a proibição de restrição de uso do direito de propriedade condominial a determinadas pessoas. A propriedade pode ser restringida, porém não excluída, podendo a unidade ser, por exemplo, locada ou cedida a terceiros. A decisão não atinge todo direito de propriedade. O condômino excluído da posse continuará a ser dono do imóvel. A aplicação é de sua função social. O Código Civil deste século, como se vê, chegou muito perto dessa solução, mas não a proíbe. Cuida-se, indubitavelmente, de abuso de direito na esfera condominial. Há projeto de lei que complementa o art. 1.337 nesse sentido, autorizando a exclusão da posse do condômino antissocial, quando as multas pecuniárias se mostram inócuas.
Nessa modalidade de condomínio, cada unidade goza de autonomia, mas interligada por inúmeros pontos de comunhão.
Destarte, a melhor conclusão é no sentido de que a permanência abusiva ou potencialmente perigosa de qualquer pessoa no condomínio deve possibilitar sua exclusão mediante decisão assemblear, assegurada a ampla defesa. Entender-se diferentemente na contemporaneidade é fechar os olhos à realidade e desatender o sentido social da propriedade acolhido pela Constituição. A situação no caso concreto, contudo, exigirá diligente cuidado do julgador porque estarão em discussão dois interesses de elevado valor axiológico: o direito individual do proprietário e o direito do corpo coletivo condominial. Sopesando-se devidamente esses valores, atingir-se-á a solução jurídica e justa. Nossos tribunais têm se conduzido com correta sensibilidade nessas situações.
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