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Reforma Previdenciária #1: Alteração do Artigo 195, § 5º
Marco Aurélio Serau Junior
22/02/2019
A partir desta Coluna inauguramos uma série especial de publicações no GEN Jurídico a respeito da Reforma Previdenciária, consubstanciada na PEC 06/2019, entregue ao Congresso Nacional dia 20.02.2019.
A matéria é muito extensa. A minuta da PEC e suas Exposições de Motivos possuem ao total 66 páginas, alterando inúmeros artigos e introduzindo uma gama de regras de transição.
Assim, optamos por comentar, isoladamente, os principais dispositivos ou blocos temáticos contidos na PEC 06/2019.
O primeiro tema tratado está na proposta de alteração do art. 195, § 5º, que hoje está assim redigido:
§5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
Aprovada a Reforma Previdenciária o art. 195, § 5º, ficaria com a seguinte redação:
§5º Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total.
A PEC 06/2019 provoca uma deturpação do conteúdo desse dispositivo constitucional.
O art. 195, § 5º, da CF, é bastante conhecido como regra da contrapartida. Isso quer dizer que não poderão ser criados, aumentados (em termos de valor pecuniário) ou estendidos (levados a outras hipóteses até então não alcançadas pela lei, a exemplo de atingir outras modalidades de segurados não contemplados com determinados por certo benefício previdenciários) sem que exista prévia fonte de custeio.
O art. 195, § 5º, é, assim, uma regra orçamentária, voltada ao legislador e ao administrador público. Não se aplica ao caso concreto, individual, mas aos agentes públicos que atuam para moldar a política pública previdenciária e estruturar os serviços públicos previdenciários.
Não se volta, como ficou claro, ao julgador que atua no caso concreto, decidindo determinado pedido de concessão benefício ou revisão de benefício.
A PEC 06/2019, contudo, ignora essa concepção, bem arraigada na doutrina, e estabelece, dentro do capítulo destinado ao custeio da Seguridade Social (o art. 195 da Constituição Federal – portanto fora de um contexto normativo adequado), uma regra impeditiva da atuação judicial e administrativa.
O objetivo, aqui, é impedir, sobretudo ao Poder Judiciário, de atuar em sua função cotidiana, de hermenêutica da legislação, onde eventualmente será aplicado o Direito Previdenciário por analogia, interpretação sistemática ou extensiva, etc., atingindo situações que eventualmente não estavam previstas, rigorosamente, na letra fria da lei – mas que podem ser encontradas através daqueles métodos hermenêuticos que citei, sem ofensa a qualquer princípio ou regra do sistema jurídico.
No Direito Previdenciário, já escrevi em outra ocasião, é comum ocorrer a interpretação constitucional da legislação previdenciária:
“O agasalho constitucional aos direitos previdenciários confere-lhes força normativa diferenciada, e tratamento jurídico de primeira grandeza. Assim, é possível uma (re)interpretação da legislação previdenciária a partir desse prisma, utilizando-se também princípios e valores albergados no Texto Constitucional. A partir dessa matriz substantiva é comum a utilização da ponderação de princípios e a metodologia hermenêutica pautada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.”
(SERAU JR., Marco Aurélio. Resolução do conflito previdenciário e direitos fundamentais. S. Paulo: LTr, 2015, p. 77)
A partir dessa interpretação constitucional praticada pela jurisprudência foram obtidos muitos avanços na legislação previdenciária, a exemplo da concessão do BPC-LOAS para situações em que a renda mensal familiar per capita é superior a ¼ do salário mínimo, ou a pensão por morte no caso das uniões homoafetivas. Vários outros poderiam ser trazidos à colação.
A pretensão da PEC 06/2019 visa, através de uma aparência de regra orçamentária, impedir que a jurisdição atue plenamente e, eventualmente, determine a concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais em hipóteses não tão diretamente previstas em lei, mas obtidas através de interpretação sistemática, analógica, extensiva, etc, sempre com fundamento constitucional.
Esse escopo da Reforma Previdenciária esbarra nitidamente na garantia de amplo acesso à justiça, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que possui uma sensibilidade maior quando se trata de ações previdenciárias, dotadas de princípios específicos (a esse respeito, ver meu livro Curso de Processo Judicial Previdenciário).
Por fim, a redação pretendida para o art. 195, § 5º, da CF, também impede que a Administração Pública (pois fala em “ato administrativo”) tenha uma atuação mais inteligente e compatível não apenas com a legalidade, mas com a juridicidade, isto é, com todo o conjunto do ordenamento jurídico – forma de atuação que já é permitida pela Lei 9.784/99, Lei Geral de Processo Administrativo Federal.
A atuação administrativa mais eficiente e compatível com a Constituição Federal seria útil a diminuir o número de conflitos (previdenciários) que são posteriormente judicializados – acarretando maiores gastos públicos, com a movimentação da máquina judiciária e, em muitas vezes, com encargos de juros moratórios e incidência de correção monetária.
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Veja também:
- Direito e Cinema nº 3: “Pequena Grande Vida”
- Notas Sobre a Inconstitucionalidade do Contrato Intermitente
- MP 871/19: Ilegalidades do Procedimento de Revisão de Benefícios Previdenciários
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