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Guilherme de Souza Nucci

Guilherme de Souza Nucci

29/01/2019

Recentemente, li um artigo assim intitulado “Meninas-noivas. O Brasil é o quarto país com maior número de casamentos infantis”, em revista de circulação nacional. A referida reportagem não é inédita, mas apenas a reprodução de outras, já publicadas anteriormente, tratando do mesmo assunto. Por isso, não me causou surpresa que meninas de 11, 12, 13 e mais anos estivessem engravidando e “casando” em regiões mais pobres do País – mas não somente nelas.

Se eu já sabia disso, qual seria o meu interesse em reiterar o assunto. Volto a insistir no intenso paradoxo criado pelos tribunais brasileiros, que passaram a considerar a vulnerabilidade do art. 217-A (relação sexual com menor de 14 anos) como absoluta. Esta tem sido a jurisprudência dominante. Se o rapaz teve relação sexual com meninas de menos de 14 anos, pouco importando a razão, há estupro de vulnerável.

Como desembargador no Estado de S. Paulo, verifiquei acórdãos lavrados pela Câmara Criminal onde atuo, reformados pelo Superior Tribunal de Justiça, determinando novo julgamento, porque a vítima teria menos de 14 anos. Num dos casos, como relator, tentei demonstrar que se tratava de um casal formado: o marido, com 18 anos; a esposa, com 13, já com filhos. Considerei a vulnerabilidade relativa e absolvi o rapaz, já responsável por uma família. O STJ determinou novo julgamento para condenar o rapaz, porque a vulnerabilidade era absoluta. Assim sendo, como neste caso, vários outros devem ter ocorrido, enviando para o cárcere, por, no mínimo, 8 anos de reclusão, iniciando no regime fechado, como crime hediondo, vários rapazes de pouca idade, embora acima dos 18 anos, como estupradores.

Sinceramente, não sei como dormir, condenando um autêntico pai de família, que, dentro dos seus costumes regionais – certo ou errados, atrasados ou não – atendem a acordos familiares, envolvendo os pais da moça e, por vezes, os pais do rapaz.

Na reportagem, foram dados nomes bem claros, idades, localizações etc. Verifiquei que, sendo considerada a vulnerabilidade absoluta, ali estavam vários quadros de estupros de vulnerável, que, em tese, precisariam ser averiguados. Não houve prescrição e a ação é pública incondicionada. Poderíamos, também em tese, conclamar os delegados e promotores da região de cada uma daquelas famílias precocemente formadas, a partir de um estupro de vulnerável, a exercer a sua função: investigar e processar.

Há homens de quase 50 anos que se amasiam com meninas de 14 anos ou menos. Da mesma forma, há jovens de 18 anos que fazem o mesmo. Todos esses relacionamentos produzem vários filhos. São, bem ou mal, famílias constituídas.

Este artigo tem o propósito de apontar o paradoxo abissal entre a realidade e a norma. Repito: a maioria dos tribunais brasileiros fixaram a interpretação de que o estupro de vulnerável, envolvendo ato libidinoso com menor de 14 anos, é sempre um caso de vulnerabilidade absoluta. Ora, se assim for, a revista que publicou tal artigo forneceu nome e localização de vários estupradores. Haverá investigação, processo e condenação?

Espero que não, pois minha posição é que a vulnerabilidade, nesses casos, é relativa, dependendo da análise do caso concreto. Nenhum desses moços pode ser acoimado de estuprador. As meninas, hoje mães de vários filhos, não podem ser tratadas como estupradas, logo, vitimizadas. Sabiam o que faziam para fins de relacionamento sexual.

Por óbvio, todos esses casais são vítimas da pobreza e da desigualdade econômico-social. São os frutos da ausência de educação, até por que a maioria das meninas, engravidando, larga a escola. O Estado não pode levantar o seu braço forte para aterrorizar essas famílias. Entretanto, se a vulnerabilidade é absoluta, nada mais resta a fazer a não ser tomar medidas judiciais penais. O que virá agora?

Se, depois da reportagem expondo nomes, localidades e idades, nada for feito, pergunta-se: por que determinado réu, azarado a bem da verdade, porque surpreendido (e eleito) por um delegado qualquer, com seus 18 anos, merece uma pena de 8 anos de reclusão já que teve relação sexual com sua namorada, depois companheira, de 13? Que Justiça é essa, tão seletiva quanto inoperante? Tão drástica quanto paradoxal?

Defendo a análise, caso a caso, de relacionamentos sexuais entre jovens, considerando a vulnerabilidade relativa, ou seja, dependente de prova, no caso concreto. Na Justiça, não há viabilidade de posições absolutas, pois os envolvidos são seres humanos, repletos de particularidades tão especiais quanto a vida de qualquer um. Um pouco de compaixão faz bem à Justiça Criminal.


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