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José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

10/09/2018

 Ocorreu-me que existe um motivo bem “maquiavélico” para que as ditaduras militares e os fascismo de forma geral tenham como princípio não apenas queimar livros, mas, principalmente, matar crianças, arrancá-las de seus pais e familiares e, na melhor das hipóteses (ter que escrever isto já é uma brutalidade indizível!) serem banidos do país e entregues a outras pessoas. Acontece sempre em todas as ditaduras, aconteceu nos fascismos europeus, nas ditaduras latino-americanas, na África e na Ásia. E está a acontecer pelo mundo hoje: refugiados, emigrantes, etnias perseguidas. Por quê?

A resposta é na verdade simples: NÃO DEIXAR RASTRO!

Isto significa que os ditadores e seus seguidores fascistas acreditam que se existirem livros e textos que despertam uma outra consciência e façam as pessoas escolherem outras doutrinas que lhes impõem, eles sempre terão opositores e sempre se denunciará os seus crimes. Então o propósito é apagar a memória anterior e evitar que uma nova se construa contra a barbárie.

O fato, p. ex., dos pais serem comunistas vai levar, na concepção dos fascistas, a que os filhos sejam igualmente comunistas. Daí, pensam, é necessário eliminar todas as possibilidades futuras de reação, ou seja, o projeto é perpetuar infinitamente o regime de arbítrio e terror “estatal” – normalmente os fascismos levam ao culto da personalidade do líder, o que por aqui chamamos de caudilhismo. Logo a máxima é o extermínio dos “herdeiros” e descendentes dos comunistas e de todos que se oporem ao fascismo. Isto é a retomada da “hereditariedade da pena” que regia o direito penal do absolutismo e do cristianismo medieval, e vigorou no Brasil pelas Ordenações Filipinas dede o séc. XVI.

Os fascismos são regimes de Terror e Morte, porque o medo é necessário para a adequação e cooptação das massas (é assim que eles chamam, “as massas”); os fascismos levam ao extermínio como ação consciente e política e depois que começa não há mais como parar, até porque, pensam eles, por quê descendentes de pais torturados não se vingariam? O fascismo é totalizador: os sistemas de arbítrio e os fascistas pensam o mundo e os outros por sua régua!

Fiz este parágrafo agora para chamar a atenção de uma coisa:

A maior ilusão é que os fascistas e ditadores são bestas incultas e ignorantes que não sabem o que falam – eles sabem sim!, E possuem os seus quadros de intelectuais orgânicos (p.ex., eles sabem que esta é a metáfora que está em “O Pássaro Pintado” de Jerzy Kosinski ou “Versos Satânicos” de Salman Rushdie, e leram “As Benevolentes” de Jonathan Littlell).

Então, fiquei pensando, qual a dificuldade para entendermos por que tantas “pessoas de bem” e “cristãos” aderem sem escrúpulos a estes discursos do mal e do terror, por quê aceitam conviver e serem governadas por quem apregoa explicitamente a violência doentia e escatológica sem um pingo de remorso?

Bem, se for algo plausível que uma criança cujos pais foram comunistas venham a ser comunistas, se for plausível imaginar-se que uma criança irá se vingar porque seus pais foram torturados e mortos barbaramente por causa de ideologia e motivação política (p.ex., ser simplesmente a favor da democracia!), se for plausível apenas isto, então deve ser plausível supor que pelo menos uma parte das crianças que nasceram sob regimes de exceção, ditaduras e fascismos, venham a concordar futuramente com tais regimes e práticas autoritárias de arbítrio e terror. E é igualmente plausível supor que essas crianças, educadas ao tempo por pais autoritários e em escolas fascistas, educaram seus filhos com essa visão fascista de vida social, possivelmente as tenham educado sob o signo do medo e da violência, e que, portanto, pelo menos em parte (mas esta parte apesar de parecer minoria já é suficiente, em condições propícias, para eleger governantes, pelo voto direto, de extrema direita!), queiram eleger seus governantes de acordo com as propostas mais escatológicas dos piores momentos ditatoriais e fascistas deste país e do mundo.

As respostas vão se tornando mais esclarecedoras quando aceitamos que o homem é constituído socialmente, a pesar sua plasticidade intrínseca em aprender e vir a ser. O HOMEM É UM SER SOCIAL, ISTO É, CULTURAL.Os pais e os educadores de forma geral devem, pelo menos de vez em quando, voltarem para os bancos das escolas e voltarem a estudar. Para mim isto é vital em uma democracia, aprender sempre – isto deveria possibilitar refazer uma certa “memória” e nos levar a refletir sobre nossas experiências e nossa vida pregressa. Tenho para mim que pais e educadores têm “prazo de validade”, ainda que não necessariamente “prazo de vida”.


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