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Torcedores I – Projeção e Nonsense

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José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

30/08/2018

Torcedores são imprevisíveis, são emocionais, seguem os líderes (seja ele qual for!), são sectários e vingativos. Mas tenho minhas dúvidas se podemos ser diferentes?!

Explico: os seres humanos são animais altamente gregários, coletivos, estabelecem vínculos duradouros, se unem por necessidade e desenvolvem formas e regras de convívio que depois de certo tempo já não lhes parecem racionais e políticas, mas sim naturais, isto é, deixam de perceber conscientemente que foram eles mesmos que fizeram as regras de convivência e elaboraram as noções básicas de valores morais. Em suma o ser humano é um animal cultural!

Como homens modernos, iluministas, acreditamos inicialmente que a construção da vida social, as relações sociais econômicas, políticas, jurídicas e culturais de forma geral seriam orientadas pelo conhecimento científico e racionalidade. Isso nos salvaria das perseguições e dos fanatismos religiosos e da dominação da aristocracia. Estávamos enganados!

Depois descobrimos, ou melhor, redescobrimos os desejos, a repressão da libido, a nossa tendência e necessidade de sermos livres, e como isso não é possível nos limites da sociabilidade necessária à vida coletiva, passamos a construir estereótipos do bom pai, da boa mãe, da família, do cidadão correto, da relação adequada com o divino.

Mas, quando desenvolvemos todos esses aparatos apenas estávamos procurando transferir nossas frustrações para algo que nos propiciasse uma projeção de nós mesmos contra as obrigações da cultura – castrados nos desejos, fabricamos o que pudemos para nós mesmos – e nisso dependem uma porção de condições materiais (comer, vestir, morar) e intelectuais (estudar, ter acesso à cultura, ter acesso à mobilidade) -, o que chamamos de nosso ego, onde está nosso caráter e nosso modo de ver e conviver. Mas inconscientemente nunca vamos aceitar sermos só a metade consciente de nós mesmos – infelizmente, de verdade, a mais satisfatória e prazerosa realização de nós é a vingança contra o outro, e é por isso que o bom pai é em algum momento o castrador, a boa mãe idem, a família fica pequena e queremos constestá-la e cair fora, o cidadão acha que tem mais direitos que obrigações ou pelo menos que seus direitos são mais importantes que os dos outros, e sua religião é melhor e mais verdadeira para Deus que a dos demais.

Enfim, o que o humano quer mesmo é dominar, ter poder, e como poder sobre as coisas não tem sentido, usamos as coisas para exercer o poder sobre os outros – muitas vezes os torcedores até usam os outros como coisas para poderem sentir que estão com o “falo” na mão. Isto serve tanto para homens como para mulheres, para adolescentes e até para crianças já a partir de tenra idade.

Os torcedores nunca estão sozinhos, claro! 

A projeção é em si mesma paranoica, a transferência psíquica do “indigente castrado” (homem de necessidades supridas apenas pelo coletivo e concomitantemente castrado de seus desejos por essa mesma coletividade) leva à formação de pequenos grupos no seio dos quais tudo parece mais realizável e mais permissivo – nos pequenos grupos somos mais fortes, menos covardes, mais capazes e absolutamente vingativos contra nossos opositores, os que não pensam nem agem como nós.

No nosso grupo menor de referência até criamos “empatia”, nunca hospitalidade!

Chagamos agora ao nosso estágio pós-moderno: é que o desejo de liderar, ser dominante, comandar, ser superior e ficar acima da possibilidade de ser castrado de novo pelas imposições de outros, já não pode ser entendido por nossa mente que acredita que a melhor forma de ser livre e realizar seus desejos é “matar” o líder e chegar ao topo da cadeia de comando.

O comportamento mais violento, mais detestável, mais escatológico é, gostemos disso ou não, o mais “humano”, contudo, não o mais desejável, sóbrio, racional ou científico do ponto de vista da necessidade da vida coletiva e da dignidade humana!

Estamos, pois, diante de um paradoxo: ou somos mais coletivos e mais dignos, ou acreditamos que somos mais livres como seres libidinais desejantes.

Os crimes sexuais são bons exemplos disso, as neuroses do homem moderno idem, as manifestações psicóticas o demonstram e os psicopatas não têm nenhuma noção de restrições morais, normas de conduta, etiquetas sociais ou racionalidade e bom senso, porque essas são construções voltadas para a vida coletiva e não para a potencialidade do individualismo mais profundo.

E isto, dizem, nada tem a ver com o mercado?!

Quando o desespero chega ao ponto de aparentar matar a “enganação” de que se trata a cultura e a vida coletiva, isto é, quando a vida social exige de fato igualdade e sacrifícios de todos, quando esta apenas apregoa, mas não realiza as potencialidades dos desejos, ou frustam a ganância dos que têm mais – ou acham que vão ter – de exercer o poder e dominar os outros, modernamente pela posse de bens e capital, as torcidas se encorajam e passam da violência verbal para o descalabro e insanidade de achar que o fascismo lhes garantirá a propriedade – sem ela não é possível tal lógica – e a liberdade de seus desejos mais individualistas (não confundir com individualidade).

Acreditamos que o conhecimento e a ciência, a educação e o acesso às tecnologias e ao “shopping”  nos livraria disto, mas não livrou – ao contrário, piorou: quem mais tem mais quer ter até se sentir no domínio, até sentir que nada o poderá incomodar, que sua vontade é absoluta, que seu desejar é ilimitado. Por quê? Porque viver nas sociedades pós-modernas implica cada vez mais não depender da vida coletiva, de fato para muitos, ainda que não para a maioria esmagadora no mundo, mas isto basta: se é possível para o menor grupo deve ser possível para grupos maiores, onde eu me encontro. E então temos o fascismo da vontade individualista, onde os que nada têm torcem ao lado dos que logo os vão dominar, explorar e extorquir.

Já vimos isto antes, já foi milhões de vezes alertado e sempre experimentado, mas ainda não terminaram os holocaustos, não terminaram as guerras de expansão mundiais, só tínhamos dado uma trégua, um armistício para os mercados avançarem. Ao que parece esperávamos a virada do século para reiniciarmos o jogo – então que comece o segundo tempo que os torcedores o esperam ansiosos.

Vivas para as torcidas!


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