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Concorrência, Tomada de Preços e Convite: Os Novos Valores do Decreto 9.412/2018 e seus Reflexos Sistêmicos
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
10/08/2018
Introdução
Atualmente, as modalidades de licitação são: a) concorrência, b) tomada de preços, c) convite, d) concurso, e) leilão, f) pregão e g) consulta. Enquanto as cinco primeiras modalidades encontram-se previstas na Lei 8.666/1993, o pregão é tratado na Lei 10.520/2002 e a consulta na legislação das agências reguladoras.
No presente estudo, o foco será a análise da concorrência, da tomada de preços e do convite, cuja escolha pela Administração Pública depende, normalmente, do valor estimado da contratação, com a ressalva de que a concorrência, em determinadas hipóteses, será a modalidade indicada pela legislação em razão dos respectivos objetos a serem contratados, independentemente dos valores (ex.: art. 23, § 3º, da Lei 8.666/1993).
A regra de ouro é a utilização da concorrência para contratos com valores elevados; a tomada de preços para contratos com valores médios; e o convite para contratos com valores reduzidos. A definição exata dos valores encontrava-se prevista no art. 23, I e II, da Lei 8.666/1993, com a redação dada pela Lei 9.648/1998, a saber:
1) Obras e serviços de engenharia:
- convite: até R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);
- tomada de preços: até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); e
- concorrência: acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
2) Compras e demais serviços:
- convite: até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
- tomada de preços: até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais); e
- concorrência: acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).
Após, aproximadamente, 20 anos de espera, os valores indicados na legislação para a concorrência, tomada de preços e convite foram, finalmente, atualizados.
Com a edição do Decreto 9.412, de 18 de junho de 2018, os valores foram atualizados nos seguintes termos:
1) Obras e serviços de engenharia:
- convite: até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);
- tomada de preços: até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
- concorrência: acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais).
2) Compras e demais serviços:
- convite: até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
- tomada de preços: até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e
- concorrência: acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).
Como será demonstrado ao longo deste ensaio, a sobredita alteração dos patamares de valores para escolha entre as modalidades de licitação acarreta reflexos importantes em outros dispositivos da própria Lei de Licitações.
Deslegalização da atualização dos valores e a juridicidade do Decreto 9.412/2018
O primeiro ponto que merece ser destacado refere-se à juridicidade da utilização da via regulamentar para atualização dos valores indicados no art. 23, I e II, da Lei 8.666/1993.
Evidentemente, o decreto, considerado ato administrativo privativo do Chefe do Executivo, não pode exorbitar do texto legal, tendo em vista o princípio da legalidade na Administração Pública (arts. 37, 49, V, e 84, IV, da CRFB).
Contudo, o próprio art. 120 da Lei 8.666/1993,[1] com a redação conferida pela Lei 9.648/1998, deslegalizou a tarefa de atualização dos valores previstos no seu texto, com a possibilidade de revisão anual dos valores pelo Poder Executivo Federal.
Outra questão que pode gerar controvérsias refere-se à aplicação dos valores indicados no Decreto 9.412/2018 aos Estados, DF e Municípios.
Aplicação dos valores a Estados, DF e Municípios
O ponto central do debate reside na qualificação dos incisos I e II do art. 23 da Lei de Licitações como normas gerais (ou nacionais), aplicáveis a todos os entes da Federação, ou normas específicas (federais), cujo âmbito de incidência restringe-se à esfera federal.
De um lado, seria possível sustentar que os valores indicados para as modalidades concorrência, tomada de preços e convite poderiam ser definidos por cada ente federado, com o objetivo de garantir a autonomia federativa e a adequação dos patamares à realidade socioeconômica regional e local dos Estados e dos Municípios, respectivamente.
A consequência na caracterização do art. 23, I e II, da Lei de Licitações como norma específica seria a inaplicabilidade do Decreto 9.412/2018 a Estados, DF e Municípios, que poderiam estabelecer valores distintos para concorrência, tomada de preços e convite.
Todavia, tem prevalecido o entendimento de que o art. 23, I e II, da Lei de Licitações configura norma geral que deve ser observada pelos demais entes da Federação.[2]
Conforme dispõe o art. 22, XXVII, da CRFB, compete à União dispor sobre normas gerais de licitações “em todas as modalidades”, o que não autorizaria a modificação dos valores da concorrência, da tomada de preços e do convite por normas estaduais, distritais e municipais.
Outro argumento favorável à caracterização do art. 23, I e II, da Lei 8.666/1993 como norma geral refere-se à previsão literal do art. 120 da referida Lei, que remeteu ao Executivo federal a tarefa de atualizar os valores previstos na Lei de Licitações.
Em consequência, a configuração do caráter geral da norma acarreta a aplicação obrigatória dos valores fixados no art. 23, I e II, da Lei de Licitações, agora atualizados pelo Decreto 9.412/2018, aos demais entes federados.
Nesse sentido, Marçal Justen Filho sustenta que os valores fixados na Lei 8.666/1993, inclusive o Decreto 9.412/2018, devem ser obrigatoriamente observados por todas as esferas federativas, inexistindo competência legislativa para o ente federativo ampliar o valor limite para dispensa ou para as modalidades licitatórias, mas apenas para reduzir os referidos valores.[3]
De forma semelhante, sustentamos que as modalidades de licitação devem ser consideradas normas gerais que devem ser observadas por todos os Entes da Federação, o que não impede, contudo, a fixação de valores inferiores que levem em consideração as peculiaridades socioeconômicas regionais, distritais e locais dos Estados, do DF e dos Municípios, respectivamente.
Trata-se de debate semelhante àquele travado na configuração de norma geral ou específica do art. 2º, § 4º, I, da Lei 11.079/2004, alterada pela Lei 13.529/2017, que dispõe sobre o valor mínimo (atualmente, R$ 10.000.000,00) dos contratos de Parcerias Público-Privadas (PPPs). Apesar do enquadramento do dispositivo legal no rol de normas gerais, sustentamos o seu caráter específico, com a permissão de fixação de valores distintos e razoáveis pelos Estados, DF e Municípios.[4]
Mencione-se, ainda, a preservação da autonomia federativa na tarefa de definir as obrigações de pequeno valor que não se submetem ao precatório, mas à Requisição de Pequeno Valor (RPV), na forma do art. 100, § 3º, da CRFB. De acordo com o art. 87 do ADCT, incluído pela EC 37/2002, os entes da Federação possuem autonomia para fixar, por meio das respectivas leis, as obrigações de pequeno valor e, enquanto não houver a definição por lei específica, os valores serão de até quarenta salários mínimos para os Estados e o DF e trinta salários mínimos para os Municípios. Sobre o tema, o STF consolidou o entendimento de que os entes federados poderiam estabelecer valores inferiores aos patamares provisoriamente fixados no art. 87 do ADCT.[5]
Ainda que as modalidades de licitação sejam consideradas normas gerais, a definição dos valores e do procedimento poderia ser adaptada por cada ente federado, em razão de suas respectivas peculiaridades, sem que sejam instituídas novas modalidades de licitação por norma estadual, distrital ou municipal. É preciso, portanto, levar a autonomia federativa a sério na interpretação das normas gerais em matéria de licitações e contratos.[6]
Partindo da premissa de que os valores das modalidades de licitação, atualizados pelo Decreto 9.412/2018, devem ser observados pelos demais entes, caso não prefiram definir valores inferiores em suas respectivas normas, é preciso analisar os impactos que esses novos valores acarretam em diversos dispositivos da própria Lei 8.666/1993.
Reflexos sistêmicos dos novos valores da concorrência, tomada de preços e convite
Os novos valores da concorrência, tomada de preços e convite, previstos no Decreto 9.412/2018, acarretam impactos sistêmicos em diversos dispositivos da Lei 8.666/1993, conforme será destacado nos tópicos seguintes.
Prazo para pagamento de despesas de menor vulto econômico
Inicialmente, a atualização dos valores das modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços e convite) influencia na interpretação e na aplicação do disposto no art. 5º, § 3º, da Lei 8.666/1993 que estabelece o prazo de até cinco dias úteis, contados da apresentação da fatura, para pagamentos decorrentes de despesas com valores de até o limite indicado no art. 24, II, da referida Lei.
Com a atualização do valor do convite para compras e prestação de serviços que não sejam de engenharia, o impacto na respectiva dispensa de licitação em razão do valor estimado da contratação (arts. 23, II, a, e 24, II, da Lei 8.666/1993 e Decreto 9.412/2018), os pagamentos de valores de até R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos reais) devem ser efetivados no prazo de até cinco dias úteis, na forma do art. 5º, § 3º, da Lei 8.666/1993.
Obras, serviços e compras de grande vulto
Mencione-se, ainda, o impacto na definição das obras, serviços e compras “de grande vulto”, assim consideradas aquelas cujo valor estimado da contratação seja superior a 25 (vinte e cinco) vezes o limite estabelecido para concorrência, na forma do art. 6º, V, da mesma Lei 8.666/1993.
Considerando que o art. 23, I, c, da Lei 8.666/1993, atualizado pelo Decreto 9.412/2018, prevê que a concorrência nas contratações de obras e serviços de engenharia será utilizada para o valor superior a R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais), deverão ser consideradas de grande vulto as contratações acima de R$ 82.500.000,00.
Lembre-se de que a definição de contratação de grande vulto é relevante para incidência de determinadas regras contidas na própria Lei de Licitações, a saber:
- na fase de habilitação e para fins de comprovação da qualificação técnica, a Administração poderá exigir dos licitantes a metodologia de execução, cuja avaliação, para efeito de sua aceitação ou não, antecederá sempre à análise dos preços e será efetuada exclusivamente por critérios objetivos (art. 30, § 8º);
- possibilidade de adoção excepcional dos critérios de julgamento “melhor técnica” ou “técnica e preço” para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e variações de execução, cumpridas as demais exigências contidas no art. 46, § 3º, da Lei;
- nas garantias (caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária) que podem ser exigidas para contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o limite, que normalmente é de 5% do valor do contrato, poderá ser elevado para 10%, na forma do art. 56, § 3º, da Lei; e
- nos casos de aquisição de equipamentos de grande vulto, o recebimento (provisório e definitivo) far-se-á mediante termo circunstanciado e, nos demais casos, mediante recibo (art. 73, § 1º).
Recebimento de material nas compras
Nas compras em que os materiais tiverem valor superior ao limite previsto para o convite (R$ 176.000,00), o recebimento deverá ser confiado a uma comissão de, no mínimo, três membros (art. 15, § 8º, da Lei de Licitações).
Alienação de bens
A alteração do valor do convite gera impacto na implementação da investidura, assim considerada a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que este não ultrapasse o valor de R$ 88.0000,00 (oitenta e oito mil reais), que representa o montante equivalente a 50% (cinquenta por cento) do valor previsto para o convite, na forma do art. 17, § 3º, I, da Lei de Licitações.
Ademais, na alienação de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior a R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais), valor indicado para tomada de preços no art. 23, II, b, da Lei, a Administração poderá utilizar a modalidade leilão, conforme autorização contida no art. 17, § 6º, da Lei de Licitações.
Valores utilizados para contratação por consórcios públicos
A atualização dos valores da concorrência, da tomada de preços e do convite também acarreta impacto nos parâmetros utilizados para a escolha de uma dessas modalidades de licitação nas contratações realizadas por consórcios públicos.
Isso porque os referidos valores serão dobrados quando a licitação for realizada por consórcio público formado por até três entes da Federação e triplicados quando os consórcios forem formados por maior número de entes (art. 23, § 8º, da Lei de Licitações). Os novos valores podem ser verificados na tabela abaixo:
CONSÓRCIOS | MODALIDADES | |||||||||||||
Convite | Tomada de preços | Concorrência | ||||||||||||
Até três entes (valores dobrados) | obras e serviços de engenharia: até R$ 660.000,00; compras e demais serviços: até R$ 352.000,00 | obras e serviços de engenharia: até R$ 6.600.000,00; compras e demais serviços: até R$ 2.860.000,00 | obras e serviços de engenharia: acima de R$ 6.600.000,00; compras e demais serviços: acima de R$ 2.860.000,00 | |||||||||||
Mais de 3 entes (valores triplicados) | obras e serviços de engenharia: até R$ 990.000,00; compras e demais serviços: até R$ 528.000,00 | obras e serviços de engenharia: até R$ 9.900.000,00; compras e demais serviços: até R$ 4.290.000,00 | obras e serviços de engenharia: acima de R$ 9.900.000,00; compras e demais serviços: acima de R$ 4.290.000,00 |
CONSÓRCIOS | MODALIDADES | |
Dispensa de licitação para obras e serviços de engenharia | Dispensa de licitação para compras e demais serviços | |
Até três entes (valores dobrados) | até R$ 132.000,00 | até R$ 70.400,00 |
Mais de três entes (valores triplicados) | até R$ 198.000,00 | até R$ 105.600,00 |