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Decodificando o Código Civil (40): A possibilidade de pagamento feito por pessoa diversa do devedor (parte 2)
Felipe Quintella
24/10/2017
Começamos, semana passada, a decodificação dos arts. 304 a 306 do Código, os quais tratam da possibilidade de o pagamento da obrigação ser realizado por pessoa diversa do devedor.
Na Parte 1, examinamos o pagamento feito pelo terceiro interessado, no art. 304, caput. Hoje, cuidaremos do pagamento feito pelo terceiro não interessado (arts. 304, parágrafo único, e 305), bem como dos direitos do terceiro solvente (art. 305, primeira parte, e art. 306).
Por questões didáticas, transcrevemos novamente os preceitos em questão:
Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.
Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.
Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.
Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento.
Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação.
Terceiro não interessado
Quanto ao terceiro não interessado, é preciso distinguir entre o que se apresenta para pagamento em nome e à conta do devedor, como se fosse representante deste, e o que se apresenta para solver em nome próprio. A princípio, ambos podem realizar o pagamento.
Estabelece o parágrafo único do art. 304 que o terceiro não interessado que se apresenta para pagar em nome e à conta do devedor tem os mesmos direitos do terceiro interessado que pretende solver. Quer dizer, o terceiro não interessado também pode pagar, até mesmo contra a vontade do credor, podendo se valer do pagamento por consignação, e também se sub-roga nos direitos do credor.
Todavia, em se tratando de terceiro não interessado que se apresenta para pagar em nome e à conta do devedor, admite o Código que o devedor se oponha o pagamento (art. 304, parágrafo único, parte final). Em razão da diretriz geral de que “é lícito a qualquer um pagar pelo devedor que ignora ou que se recusa ao pagamento, assim como é lícito tornar melhor a condição do devedor, na sua ignorância ou contra a sua vontade”, o pagamento, havendo oposição do devedor, poderá mesma assim se realizar, dependendo da vontade do credor de aceitar ou não a oferta do terceiro. Entretanto, em decorrência da mesma regra, observe que não cabe consignação se ambos o devedor e o credor se opuserem ao pagamento pelo terceiro ainda que este tenha se apresentado para pagar em nome e à conta do devedor.
Quanto ao terceiro não interessado que se apresenta para pagar em seu próprio nome, não há possibilidade de consignação, ou seja, o pagamento sempre depende da anuência do credor, e não há sub-rogação do solvente no polo ativo da obrigação. É o que se depreende do art. 305, o qual estabelece, não obstante, o direito do solvente ao reembolso.
Direitos do terceiro solvente
Em regra, para que não haja enriquecimento sem causa do devedor pelo fato de ter sua dívida sido paga por terceiro, caberá a ele reembolsar o solvente.
Nos casos em que a lei determina a sub-rogação, vale lembrar que apenas o credor deixa a relação obrigacional; o devedor, por sua vez, continua obrigado, porém com o solvente na posição de novo credor, com os mesmos direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo (art. 349). Aqui, não se trata propriamente de reembolso; o devedor deve pagar ao terceiro solvente, como pagaria ao credor primitivo.
Nos casos em que não há sub-rogação, todavia, extingue-se a obrigação originária, mas surge nova obrigação, desta vez entre o devedor primitivo e o terceiro solvente, cujo objeto é a entrega a este do que pagou ao credor originário. Quer dizer, surge para o solvente direito ao reembolso.
Não obstante, observando a lógica da vedação do enriquecimento sem causa, o art. 306 traz exceções ao direito ao reembolso: as hipóteses de o pagamento ter sido feito (1) sem conhecimento do devedor, ou (2) com oposição dele, e, em qualquer caso, tendo ele como legitimamente recusá-lo (ilidir a ação, na expressão usada no texto da lei). Isso porquanto, nessas hipóteses, o devedor não se enriquece com o pagamento feito pelo terceiro.
Imagine, por exemplo, que Berenice deve a Giselda R$ 5.000,00, estando, porém, a dívida prescrita. Suponha que Carlos se apresente em seu próprio nome para pagar a dívida de Berenice, sem que esta tenha conhecimento do fato. Considerando que a prescrição atinge a eficácia da pretensão, sem, no entanto, extinguir o direito, Giselda prontamente aceita a oferta de Carlos. Nessa situação hipotética, Carlos não teria direito ao reembolso, vez que, por já ter decorrido o prazo prescricional, Berenice tinha uma justificativa legítima para se recusar a pagar (ilidir a ação, na linguagem do art. 306), muito embora continuasse devendo. O pagamento, nesse caso, conta como liberalidade do terceiro solvente.
Veja também:
- Repensando o Direito Civil brasileiro (26) – Crianc?as e adolescentes e a incapacidade de fato
- Decodificando o Código Civil (39): A possibilidade de pagamento feito por pessoa diversa do devedor (Parte 1)
- Decodificando o Código Civil (38): A hipótese dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 — Usucapião ou desapropriação, ação ou exceção? (parte 2)
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