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Pagamento por pessoa diversa

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Decodificando o Código Civil (39): A possibilidade de pagamento feito por pessoa diversa do devedor (Parte 1)

ART. 304

ART. 305

ART. 306

CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DA OBRIGAÇÃO

INTUITU PERSONAE

PAGAMENTO

TERCEIRO INTERESSADO

TERCEIRO NÃO INTERESSADO

Felipe Quintella

Felipe Quintella

17/10/2017

Com relação ao pagamento, ou seja, ao cumprimento voluntário da obrigação, o primeiro assunto de que trata o Código Civil é de que devem pagar, ou, em outras palavras, de quem solve (cumpre) a obrigação. Cuida-se de matéria não tão complexa, porém que o Código tornou obscura em razão da redação truncada dos arts. 304 a 306. Tema, pois, que merece a devida decodificação, que começaremos hoje, e concluiremos na semana que vem. devedor

Inicialmente, vamos aos preceitos em questão:

Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste.

Art. 305. O terceiro não interessado, que paga a dívida em seu próprio nome, tem direito a reembolsar-se do que pagar; mas não se sub-roga nos direitos do credor.

Parágrafo único. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito ao reembolso no vencimento.

Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor, não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação.

A diretriz que guia tais dispositivos é a antiga lição de Gaio, jurisconsulto romano, no sentido de que “é lícito a qualquer um pagar pelo devedor que ignora ou que se recusa ao pagamento, assim como é lícito tornar melhor a condição do devedor, na sua ignorância ou contra a sua vontade”.[1]

Daí que, salvo no caso de obrigações que só podem ser executadas pelo próprio devedor (intuitu personae, personalíssimas ou infungíveis), a qualquer um é dado pagar. Em outras palavras, aquele que paga — denominado, tecnicamente, solvente[2] — pode ser tanto o próprio devedor, quanto qualquer terceiro.

O terceiro que paga pode ser interessado ou não. Para disciplinar a situação, o Código se vale de tal distinção. Frise-se que a doutrina entende como interessado o terceiro que pode vir a ser responsabilizado pela dívida, como o fiador ou o avalista.

Sobre o assunto em exame, vale lembrar que o Direito das Obrigações deve, em primeiro lugar, resguardar a satisfação do credor; em segundo lugar, deve resguardar a liberação do devedor. Se este se apresenta voluntariamente para cumprir a obrigação, ou seja, para pagar, ótimo, pois, assim, tanto o credor se satisfaz, quanto o devedor se libera. Todavia, se o devedor não se apresenta para pagar, mas terceiro o faz, é preciso resguardar, primordialmente, o interesse do credor em receber. Ademais, em regra, como se verá — porém nem sempre —, nem mesmo o credor pode se recusar a receber, sob a simples alegação de é terceiro quem se apresenta para pagar, porquanto também é preciso resguardar o interesse do devedor em se exonerar.

Terceiro interessado

Quanto ao terceiro interessado, estabelece o art. 304 que pode pagar, até mesmo contra a vontade do credor, razão pela qual pode se valer do pagamento por consignação, a que o texto se refere como meio conducente à exoneração do devedor.

No caso do pagamento por terceiro interessado, há sub-rogação deste nos direitos do credor, quer dizer, o terceiro solvente assume a posição do credor primitivo no polo ativo da obrigação (art. 346, III, e art. 305, parte final, por interpretação a contrario sensu). Por esse motivo, poderá exigir do devedor aquilo que desembolsou, valendo-se, inclusive, de eventuais garantias, multas, juros e demais acessórios da obrigação (art. 349).

Observe-se, ainda, que se entende que não pode o devedor impedir o pagamento pelo terceiro interessado, apesar de tal regra não se encontrar explícita no Código.

Imaginemos, por exemplo, que Caio deve R$ 5.000,00 a Maria, e Augusto é o fiador. Estipulou-se multa de 10% e juros moratórios de 1% ao mês, para a hipótese de atraso. Sabendo que Caio não dispõe do valor para efetuar o pagamento, no vencimento Augusto se apresenta a Maria para solver a obrigação. Nesse caso, não se admite que Maria se recuse a receber, sob pena de Augusto consignar o pagamento. Ademais, pagando, Augusto assume a posição de Maria na obrigação — sub-roga-se nos direitos da credora —, razão pela qual poderá exigir de Caio os R$ 5.000,00 que pagou, mais a multa e os juros referentes ao atraso do devedor.

Terceiro não interessado

Do pagamento feito por terceiro não interessado cuidaremos na semana que vem. Até lá! Bons estudos.


[1] Tradução livre e aproximada de “solvere pro ignorante et invito cuique licet, cum sit iure civili constitutum licere etiam ignorantis invitique meliorem condicionem facere.
[2] Em latim, solvens.

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