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Homenagem à José Carlos Barbosa Moreira
29/08/2017
Alguns podem considerá-lo um mito, pois leram seus livros, beberam de suas lições, assistiram às poucas palestras que se permitia proferir, mas para nós da Editora sempre foi um homem educadíssimo, de poucas palavras e muito objetivo.
Discreto, fino, direto e … genial. Essa verve de um intelectual como poucos nos concedia o prazer de conviver em raros momentos com ele.
Excetuados seus alunos, professores companheiros e a família, talvez a Editora tenha sido o local com o qual mais contato ele manteve.
O Desembargador era perfeccionista
Quando cheguei ao Rio de Janeiro, em 1992, ele acabara de se aposentar no Tribunal de Justiça e dedicava-se a pareceres, a atualizações de seus livros e a uma vida mais prazerosa ao lado de sua inseparável mulher, Gilka.
Em 1993, se não me falha a memória, após o falecimento de Seabra Fagundes, o Desembargador Barbosa Moreira assumiu a direção da Revista Forense atendendo a um pedido da presidente da empresa, então, Regina Bilac Pinto.
Ele fazia questão de ler todos os artigos que lhe chegavam às mãos.
Eram tempos outros. A revista era bimestral e a quantidade de artigos para um periódico impresso era muito superior ao que ocorre hoje. As mídias e sites que divulgam artigos, àquela época, eram quase inexistentes.
Com esmero, a leitura de artigo por artigo fez com que a Revista mantivesse a excelência.
Com anos e anos de muitas reformas processuais, isto lhe consumia muito trabalho com seus livros e ele pediu, em 2008, muito educadamente, para se afastar. O fardo era grande.
O Desembargador era perfeccionista. Em suas obras fazia questão não somente de atualizar seus próprios escritos, mas procurava cada uma das fontes citadas e buscava adquirir as últimas edições de todas as obras. Era um trabalho hercúleo, quase impossível. Em um tempo em que não havia a facilidade de se adquirirem exemplares pela Internet ou livros digitais.
Os livros estrangeiros tinham que ser encomendados a editoras estrangeiras ou livrarias. Essas encomendas não eram feitas por e-mails, e sim por carta. O trabalho de atualização para um autor perfeccionista como ele era ao mesmo tempo um exercício gratificante, mas de martírio.
Quando as novas edições saíam, havia um grupo seleto de juízes, membros do Parquet, professores e advogados a quem ele fazia questão de escrever dedicatórias personalizadas. Separávamos a quantidade solicitada e em determinado dia ele vinha à Editora assinar cada um dos exemplares a serem enviados.
Falar sobre o seu legado como cientista do Direito seria demasiado, já que José Carlos Barbosa Moreira se tornou uma lenda do processo civil, um dos processualistas que escrevia com inigualável maestria e excelência, aliadas ao fácil entendimento de suas lições.
Deixou nos bancos da UERJ alunos e professores que até hoje se destacam na mesma Escola. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, Luiz Fux, Leonardo Greco e muitos outros que o prestigiam atualmente, até mesmo em outras áreas da Ciência Jurídica, como Carlos Roberto Siqueira Castro e Heloísa Helena.
Como ele mesmo diz em seu relato como Professor da Universidade do Rio de Janeiro: “Rígido, jamais fui. Mas exigente, sim”.[1]
Quando finalmente chegaram os novos ares de promulgação de um novo Código de Processo Civil, ele disse que, se a nova lei fosse aprovada, ele não teria mais forças para atualizar suas obras.
Quando o projeto da Comissão do Senado Federal, constituída de vários juristas, alguns alunos e amigos seus, ainda discutia detalhes do novo Código, trabalhei com ele diretamente em três edições de O novo processo civil brasileiro.
Compareci pessoalmente ao seu escritório, próximo à sua residência, à Rua Anita Garibaldi, em Copacabana, e ele fazia questão de checar cada uma das atualizações que fizera, e que nós havíamos retificado no livro. Não permitia que eu saísse até que a última tivesse sido conferida.
Quando havia necessidade de rerratificação do que ele escrevera, retificávamos a prova novamente e eu retornava ao seu escritório.
Era prazeroso ouvi-lo, explicando o que escrevera, o intuito inicial do Código Buzaid e o que fora pretendido com a última alteração processual que ele estava comentando.
Ele lamentou a revogação do Código Buzaid porque acreditava que apenas leis não mudavam mentalidades. Um novo Código não faria esse milagre.
Essa lição deixada por ele, muito provavelmente, se confirmará.
O Brasil ainda vive a ilusão de um Estado para todos, de uma Justiça ao alcance de todos. Os menores problemas que ocorrem no dia a dia são levados aos tribunais. Da compra de um alfinete torto à discussão de um contrato entre grandes empresas. Não que ambos não mereçam a atenção do Judiciário, mas as estas últimas já têm tomado outros rumos, porque a morosidade, muitas vezes, é mais maléfica do que a condenação.
O comprador do alfinete torto que eventualmente o comerciante não quis trocar aproveita-se do sistema que nada lhe cobra para ingressar em juízo. Se cobrasse, seriam alguns milhares de alfinetes que ele teria que pagar para recuperar um único. Não valeria a pena.
E a conscientização no caminho de uma baixa litigiosidade não é apenas o encarecimento da Justiça, mas a conscientização de todos aqueles que fazem negócios ou que eventualmente causam ilícitos, de que muitos de seus problemas podem ser resolvidos, desde que o causador do acidente ou o infrator do contrato tenha consciência de seu erro e imbuído de boa-fé queira resolver o problema sem se socorrer de uma máquina que foi pensada para tratar de muitos menos problemas e de muito maior complexidade.
As lições de Barbosa Moreira sempre foram dirigidas aos técnicos para que pensassem a melhor forma de usar o processo como meio de se extinguir o conflito. A sua didática e a boa-fé professoral estão em todas as suas obras.
Precisamos mais de homens como ele. Infelizmente, é preciso ser dito, juristas como ele pertencem a uma geração que se renova muito vagarosamente. Talvez de cem em cem anos.
E a tecnologia, apesar de todas as suas vantagens e desafios, trouxe-nos também a falta de tempo para reflexão, o que a geração de Barbosa Moreira pôde ter.
O Brasil perdeu um pensador inigualável, mas suas lições são perenes e elas estão estampadas nos milhares de obras que o citam.
Que ele esteja ao lado do Pai descansando em paz!
[1] Disponível em: <http://www.direitouerj.org.br/2005/fdir70/depJM.htm>. Acesso em: 29 ago. 2017.
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