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IPTU e o conceito de zona urbana
Kiyoshi Harada
14/07/2017
De conformidade com a partilha constitucional de rendas tributárias cabe ao Município instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (art. 156, I da CF).
Assim cabe verificar o aspecto espacial do fato gerador do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana conhecida pela sigla IPTU.
Pergunta-se: existe um conceito constitucional de urbana que possibilite tributar com segurança, sem se valer de conceitos da legislação infraconstitucional?
A resposta a essa indagação é de suma importância à medida que se for positiva a resposta os critérios previstos no Código Tributário Nacional para caracterização do conceito de zona urbana seria inconstitucional.
Há defensores da tese de que o legislador constituinte utilizou a palavra urbana em seu sentido natural. Nessa linha de pensamento se insere a lição de Eduardo Pugliese Pincelli:
“Precise-se que a palavra urbana pode ser utilizada para referir-se a um atributo da propriedade ou como relação entre a propriedade e o local onde se insere. Na primeira acepção, diremos que a propriedade é urbana, se dotada de urbanidade, apresentando características típicas da cidade etc. No segundo sentido, dir-se-á que a propriedade é urbana se localizada na zona urbana, ou seja, inserida na cidade ou em local com características próprias de cidade.
Duas situações distintas: imóvel urbano e imóvel situado na zona urbana”. Mais adiante conclui que “os critérios de melhoramentos e da destinação/utilização não se compaginam com a Carta Constitucional, sob nossa perspectiva de conhecimento do fenômeno jurídico brasileiro, razão pela qual entendemos que não foram recepcionados pela novel Constituição da República.” [1]
O certo é que, como assinalamos em nossa obra “sem um conceito legal do que seja zona urbana para distingui-la da zona rural, os conflitos de competência tributária entre a União (ITR) e os Municípios (IPTU) seriam intermináveis. De nada adianta proclamar que a propriedade urbana é aquela situada na zona urbana sem definir o que seja zona urbana” [2].
A verdade é que não há doutrinador que aponte com segurança o critério espacial do IPTU baseado tão só no conceito constitucional do que seja a palavra “urbana” para possibilitar o exercício da competência tributária pelos Municípios.
Ainda que se admita que a Constituição empregou a palavra “urbana” em sua acepção comum para definir a competência impositiva municipal, ela não oferece critério seguro para o lançamento tributário. De fato, a palavra “urbana” significa relativo ou pertencente à cidade; que tem características de cidade.[3] Fácil imaginar a dificuldade do lançamento em razão da elasticidade do conceito de “urbana.” Não há uma linha divisória entre o que está dentro da cidade e o que está fora da cidade, gerando conflitos intermináveis com a União que é titular do imposto territorial rural, igualmente sem definição do que seja “rural,” porque o seu conceito se infere, por exclusão, da zona urbana que mereceu definição no CTN.
Por isso, muito embora o texto constitucional não se refira a expressão “propriedade predial e territorial urbana nos termos da Lei Complementar” temos que as disposições do CTN que definem a zona urbana em função dos melhoramentos existentes (art. 32, § 1° e incisos) foram recepcionados pela ordem constitucional vigente, pois, têm a função de dirimir conflitos de competência tributária (art. 146, I da CF).
Entretanto, o legislador abriu uma única exceção em relação ao imóvel cultivado situado dentro da zona urbana definida no § 1º, do art. 32 do CTN, conforme se verifica do art. 15 do Decreto-lei nº 57, de 18-11-1966 que assim prescreve:
“Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.”
Conforme se depreende da ementa do Acórdão a seguir transcrita, esse art. 15 foi recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1967 e pela Emenda Constitucional de n°1/69:
“Ementa: – Imposto Territorial Urbano. Não incide sobre imóvel utilizado na exploração agro-pastoril, ainda que situado nos limites da zona urbana, definida em Lei Municipal. Negação e vigência, pelas instâncias ordinárias, ao art. 15 do Dl. 57, de 18-11-66, modificador da norma contida no art. 32 do Código Tributário Nacional. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE n° 76.057, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 10-05-1974, RTJ 70/479).
Esse art. 15 do Decreto-lei n° 57/66 veio a ser revogado pelo art. 12 da Lei n° 5.868, de 12-12-1972, mas ele foi considerado inconstitucional por invadir matéria reservada à lei complementar, nos termos da ementa abaixo:
“Ementa: – Direito Constitucional, Tributário e Processual Civil. Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Imposto Territorial Rural (ITR). Taxa de conservação de vias. Recurso extraordinário. 1. R.E. não conhecido, pela letra ‘a’ do art. 102, III, da C.F., mantida a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Sorocaba, de n 2.200, de 03-06-1983, que acrescentou o parágrafo 4° ao art. 27 da Lei n 1.444, de 13-12-1966. 2. R.E. conhecido, pela letra ‘b’, mas improvido, mantida a declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da Lei Federal nº 5.868, de 12-12-1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto-Lei n 57, de 18-11-1966. 3. Plenário. Votação unânime.” (RE 140773, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 04-06-1999).
Muito embora o Decreto-lei n° 57, de 18-11-1966, cuide aparentemente de matéria que se insere no âmbito de interesse exclusivo da União (altera dispositivos sobre lançamento e cobrança do ITR), deu-se a interpretação no sentido de que aquele art. 15 foi recepcionado pela Carta Política como norma de lei complementar, porque ele dirime o conflito de competência tributária (art. 146, I da CF) ao excluir do conceito de zona urbana, definido no art. 32 do CTN, o imóvel cultivado. Por ser o Decreto-lei n° 57/66 posterior à Lei de 5.172, de 25-10-1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, acarretou alteração do conceito de zona urbana definido no art. 32 deste último diploma legal (lei materialmente complementar).
A interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal concilia os interesses do proprietário, que cultiva na zona urbana, com o interesse urbanístico do Município. Esse posicionamento jurisprudencial tem pleno apoio na moderna doutrina do direito urbanístico, que incorpora, em seu conceito, a relação cidade-campo.
Concluindo, a competência impositiva do Município por meio do IPTU abrange todas as propriedades situadas na zona urbana de seu território como definida pelo § 1º, do art. 32 do CTN, com exceção de propriedades que apesar de se localizarem na zona urbana acham-se cultivados.
[1] IPTU aspectos jurídicos relevantes. Obra coletiva, coord. Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 150-151 e 159.
[2] Cf. nosso IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 99.
[3]Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4. ed. Curitiba: Editora Positivo, 2009, p. 2023.
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