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BIODIREITO
A Propósito do Direito Médico
Genival Veloso de França
23/06/2017
A existência humana, individualmente considerada, ou enquanto convivência dos homens em sociedade, constitui, como bem ressalta o eminente penalista italiano Arturo Rocco, o centro de irradiação por excelência de todos os bens ou interesses juridicamente protegidos.
A vida, a integridade corporal, a honra e a liberdade são bens supremos da pessoa humana, cuja eficiente proteção se faz dever precípuo do Estado, na sua ação de preservar as condições básicas de perpetuação da espécie e de manter a ordem e a tranquilidade indispensáveis à sobrevivência das comunidades.
O bem da vida é de tal magnitude que a cultura humana tenta protegê-lo até mesmo naquelas condições excepcionais e precaríssimas – a situação dos conflitos internacionais –, quando o domínio da força bruta se instala, negando o próprio Direito, e quando tudo é contraditório e paradoxal. As chamadas leis da guerra expressam, com firmeza, a intenção da humanidade para que, na hipótese de não se poder evitar a insânia coletiva, criem-se as condições de impedimento à prática das crueldades inúteis e se favoreçam as possibilidades de restabelecimento imediato da paz entre as nações.
Com as recentes descobertas científicas e o fantástico desenvolvimento da tecnologia, aumentaram, sem dúvida, da parte do homem, os poderes de domínio sobre a Natureza, mas cresceram também os perigos de destruição da vida. Os horrores das guerras mais recentes demonstram, à saciedade, que o crescimento acelerado das ciências e das técnicas não se fez acompanhar de um desenvolvimento paralelo no campo da Moral. O descompasso entre as duas ordens continua existindo, a demonstrar, nos seus paradoxos e incoerências, as contradições inerentes à condição humana.
É que as ciências da natureza, em si mesmas, são neutras para o mundo dos valores. A desintegração do átomo abre perspectivas de salvação ou de destruição total. Cabe à nossa consciência moral saber aplicá-la. E essa decisão pertence ao mundo normativo, vale dizer, ao mundo dos deveres e obrigações. O que “é” e o que “deve ser” são, portanto, duas janelas do espírito, sobre as quais nos debruçamos para observar e admirar a realidade.
Na verdade, vemos os fatos como eles simplesmente “são” ou os observamos como “devem ser”, segundo os padrões éticos e jurídicos da civilização a que pertencemos.
Se a técnica expressa o diálogo entre as mãos e o cérebro, também demonstra o quanto ela mesma deve estar subordinada à razão prática, disciplinadora da ação, a fim de que a natureza humana não se desvirtue, mas se desenvolva na plenitude de suas dimensões.
O médico, na sua missão de prevenir, aliviar, tratar e curar, está no centro das atividades preservadoras da vida. A sua atividade profissional lida com os bens supremos do indivíduo, protegidos pela ordem estatal. Daí a íntima relação entre a Medicina e o Direito e as razões para que se inclua a Medicina Legal entre as disciplinas que formam os currículos dos respectivos cursos.
Recentemente, podemos observar a crescente complexidade dos temas e problemas que são objeto da chamada Jurisprudência Médica nos programas de Medicina Legal. O exercício legal e ilegal da medicina, o segredo médico, a omissão de socorro, a responsabilidade médica, a cirurgia plástica, a fecundação artificial, o aborto, as medidas antinatalistas, a esterilização humana, as experiências científicas no homem, os transplantes de órgãos e tecidos e a eutanásia constituem alguns dos magnos problemas que permanentemente atingem a atividade profissional do médico e o comportamento social do mundo em que vivemos.
Há plena justificação, a nosso ver, para que se crie, de forma independente, nos currículos dos cursos de Medicina e de Direito, a disciplina Legislação Médica ou Direito Médico, na qual se estudem todas as normas jurídico-positivas atinentes à profissão médica ou com as quais o médico esteja intimamente relacionado, em virtude da própria natureza de suas atividades. Em consequência, a Medicina Legal estaria limitada ao estudo da técnica pericial forense, ou da medicina pericial. Existe toda uma legislação esparsa em diversos diplomas legais, que poderiam formar uma estrutura orgânica e coerente, não apenas facilitando a exata interpretação do jus constitutum, mas também possibilitando, neste caso, valiosas pesquisas acerca do jus constituendum.
Acreditamos, assim, ser de extrema importância teórico-prática a criação dessa nova matéria, tão rica em perspectivas, que é a Legislação Médica ou Direito Médico, nos cursos de Medicina e de Direito.
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