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Decodificando o Código Civil (13): Pessoa, personalidade e suscetibilidade para adquirir direitos (parte 2)

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PERSONALIDADE: CATEGORIAS DE PESSOAS EM DISPUTA POR RECONHECIMENTO

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Felipe Quintella

Felipe Quintella

04/04/2017

Conforme relembramos na semana anterior, o art. 1º do Código de 2002 estabelece que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, e o art. 2º, por sua vez, determina que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

No Brasil, os civilistas sempre debateram acerca do termo inicial da personalidade jurídica da pessoa natural. Dos cinco projetos de Código Civil anteriores ao Código de 1916, quatro consideravam que a personalidade começava da concepção. Teixeira de Freitas, Nabuco de Araujo, Felicio dos Santos e Clovis Bevilaqua seguiram a denominada teoria concepcionista, embora Bevilaqua tenha inovado ao estabelecer o nascimento com vida como condição para a atribuição da personalidade. Apenas Coelho Rodrigues se filiou à chamada teoria natalista, e considerou que a personalidade só começava do nascimento com vida. Não obstante, tal foi o posicionamento afinal adotado pelo Código Civil de 1916, com a ressalva de que os direitos do nascituro ficariam resguardados até o nascimento com vida.

Pois bem. Se o embate teórico perdeu força após a promulgação do Código, durante o período do Direito Civil marcadamente positivista, ganhou fôlego novamente após a promulgação da Constituição de 1988, dentro do movimento da constitucionalização do Direito Civil.

Não obstante, o Código de 2002 repetiu a norma do Código anterior.

Nem por isso, todavia, o debate se apoucou. Afinal, acima do novo Código continuava  — e continua — reinando a Constituição de 1988.

Um dos marcos mais importantes do novo capítulo do debate foi a aprovação, na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, do enunciado nº 1, sobre o art. 2º do Código de 2002: “a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura”.

Ora, a se seguir a doutrina tradicional, consolidada no século XX, não faria sentido pensar-se em direitos do natimorto, porquanto este nunca chegou a ter personalidade, e, por conseguinte, a ter suscetibilidade para adquirir direitos.

Mas o entendimento por trás do enunciado nº 1 da I Jornada de Direito Civil é no sentido de que o nascituro é titular de direitos de personalidade desde a concepção, ficando apenas os direitos patrimoniais dependentes do nascimento com vida. Sendo assim, o natimorto também tem seus direitos da personalidade protegidos, pois já os tinha adquirido desde a concepção.

Em 2014, enfim, o STJ julgou um recurso especial cuja questão principal era a situação jurídica do nascituro. O relator do caso foi o Min. Luis Felipe Salomão, cujo voto foi vencedor, e gerou o acórdão.

Na emblemática decisão, o ministro se valeu da brecha deixada pelo legislador no texto do art. 2º do Código de 2002 — que comentamos semana passada —, ao substituir, como vimos, a palavra homem pela palavra pessoa.

Afirmou o ministro:

Nesse sentido, o art. 2º, ao afirmar que a “personalidade civil da pessoa começa com o nascimento”, logicamente abraça uma premissa insofismável: a de que “personalidade civil” e pessoa não caminham umbilicalmente juntas. Isso porque, pela construção legal, é apenas em um dado momento da existência da pessoa que se tem por iniciada sua personalidade jurídica, qual seja, o nascimento. Donde se conclui que, antes disso, se não se pode falar em personalidade jurídica – segundo o rigor da literalidade do preceito legal –, é possível, sim, falar-se em pessoa. Caso contrário, não se vislumbraria nenhum sentido lógico na fórmula “a personalidade civil da pessoa começa”, se ambas – pessoa e personalidade civil – tivessem como começo o mesmo acontecimento.

Considerando que, conforme o art. 1º, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, o Min. Luis Felipe Salomão concluiu que, se o nascituro já é pessoa antes de adquirir personalidade, e para ter direitos o que é necessário é ser pessoa, então o nascituro tem suscetibilidade para ter direitos, a despeito de não ter personalidade.

Semana que vem concluiremos a decodificação deste assunto.

Veja a decisão citada: Voto – STJ – Nascituro – Min. Lui?s Felipe Saloma?o.


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