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O controle de constitucionalidade das leis orçamentárias

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

ADI 1.716

ADI 2.484-MC

CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE

CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

LEIS ORÇAMENTÁRIAS

Marcus Abraham

Marcus Abraham

21/02/2017

STF passa a absorver os bons ventos dos novos tempos

Por muitos anos, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos realizado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – prevista no artigo 102, I, “a” da Constituição Federal – dependeria das características de abstração e generalidade da norma questionada. Assim, a Corte Suprema somente conhecia da ADI proposta em relação a lei, ainda que pleno o seu caráter formal, se esta também detivesse um caráter material de ato normativo genérico e abstrato.

Neste sentido, em relação às leis orçamentárias, o STF não admitia seu controle concentrado e abstrato de constitucionalidade por meio de ADI, por entender que constituíam meras peças administrativas de caráter concreto, desprovidas de normatividade, abstração, generalidade e impessoalidade. Afirmava, por exemplo, que a lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado (ADI 2.484-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento 19/12/2001, DJ de 14/11/2003); e que os atos de legislação orçamentária – sejam os de conformação original de orçamento anual, sejam os de alteração dela, no curso do exercício – são exemplos paradigmáticos de leis formais, isto é, de atos administrativos de autorização, por definição, de efeitos concretos e limitados, o que os subtrairia da esfera objetiva de controle abstrato de constitucionalidade pelo STF (ADI 1.716, DJ de 23/03/1998).

Esta forma de pensar do STF, no sentido de que, devido a seu conteúdo político e não normativo (como a destinação de recursos ou a vinculação de verbas a programas de governo), não seria cabível o questionamento das leis orçamentárias através de ADI, tinha como um de seus fundamentos a velha premissa – a nosso ver equivocada – de que as leis orçamentárias teriam natureza de lei formal e não de lei material, razão pela qual não se poderia adentrar na análise de seu conteúdo.

Porém, a partir do julgamento da ADI 2.925-DF (em 19/12/2003), iniciou-se um processo de revisão jurisprudencial, momento em que o STF passou a admitir ADI em face de leis orçamentárias, superando o seu posicionamento tradicional – que ainda ecoava neste julgado através do voto da relatora originária Ministra Ellen Gracie – que entendia “estar-se diante de ato formalmente legal, de efeito concreto, portador de normas individuais de autorização”. Não obstante, o Ministro Marco Aurélio (em seu voto vencedor), colocando a semente da mudança de entendimento na Corte sobre o tema, afirmou que mostrava-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, abandonando o campo da eficácia concreta.

Neste importante julgado, além do Ministro Gilmar Mendes, que reconhecia a substancialidade do dispositivo da lei orçamentária impugnada, o Ministro Cezar Peluzo asseverou que, como se tratava de norma típica de competência, guardava todas as características de norma geral e abstrata, razão por que conheceu do mérito da ação. Por sua vez, o Ministro Carlos Ayres Britto, depois de afirmar que a lei orçamentária seria para a Administração Pública, logo abaixo da Constituição, a lei mais importante de nosso ordenamento jurídico, pugnou que: “(…) acho que têm esses caracteres, sim, da lei em sentido material, ou seja, lei genérica, impessoal e abstrata. (…) A abstratividade, diz a teoria toda do Direito, implica uma renovação, não digo perene, porque, aqui, está limitada por um ano, mas a renovação duradoura entre a hipótese de incidência da norma e a sua consequência”. Finalmente, o Ministro Mauricio Corrêa considerou presente a abstração da norma que afastaria a jurisprudência então vigente da Corte de ausência de controle abstrato de constitucionalidade de leis orçamentárias.

A partir deste momento, o debate desloca-se da forma para o conteúdo e o Supremo Tribunal Federal passa a analisar com outros olhos o conteúdo das leis orçamentárias postas em questionamento pela via da ADI. Se até então a regra da unanimidade da Corte era sempre pela impossibilidade de se admitir o controle concentrado e abstrato de leis orçamentárias, após o julgamento desta ADI, ainda que por maioria de votos, se afasta o STF de sua posição anterior, não apenas sob o argumento da importância da lei orçamentária dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mas também passando a identificar o seu conteúdo material, ainda que de maneira restrita.

A tese do acolhimento da ADI em face de lei orçamentária é também abrigada no julgamento da ADI nº 4.048-MC (em 14/05/2008), que teve como relator o Ministro Gilmar Mendes. Neste julgamento, o Ministro Carlos Ayres Britto acompanhou o voto vencedor fazendo interessante menção à distinção que o art. 102, I, “a” da Constituição realiza entre lei e ato normativo, e afirmou que a lei seria o ato primário de aplicação da Constituição, que inova a ordem jurídica por justamente estar logo abaixo da Constituição, e que esse seria o caso da lei orçamentária. Nas palavras do mesmo Ministro, ao resgatar o valor da lei orçamentária, “no fundo, abaixo da Constituição, não há lei mais importante para o país, porque a que mais influencia o destino da coletividade”.

Por sua vez, no julgamento da ADI nº 3.949-MC (14/08/2008), o Ministro Gilmar Mendes reconheceu que “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não andou bem ao considerar as leis de efeito concreto como inidôneas para o controle abstrato de normas” e, com base em precedentes, manifesta o seu entendimento no sentido de que “essa nova orientação é mais adequada porque, ao permitir o controle de legitimidade no âmbito da legislação ordinária, garante a efetiva concretização da ordem constitucional”.

Na decisão monocrática em caráter liminar na ADI nº 4.663, de relatoria do Ministro Luiz Fux, em que se discutia, dentre outros assuntos, a possibilidade de haver questionamento de lei orçamentária por uma ADI, a posição da evolução jurisprudencial é reforçada no sentido de ser admissível a impugnação de lei de diretrizes orçamentárias em sede de controle abstrato de constitucionalidade, por força da mudança de orientação jurisprudencial.

Finalmente, mais recentemente, no julgamento da ADI 5.449-MC (10/03/2016), o Plenário do STF, consolidando o seu entendimento, afirmou ser possível a impugnação, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, de leis orçamentárias. Consignou o relator do acórdão, o saudoso Ministro Teori Zavascki, que “leis orçamentárias que materializem atos de aplicação primária da Constituição Federal podem ser submetidas a controle de constitucionalidade em processos objetivos”.

Ao superar a sua defasada concepção de que haveria uma suposta ausência de normatividade, abstração e generalidade nas leis orçamentárias – ainda que estas sejam casuísticas e dotadas de temporariedade -, o STF passa a absorver os bons ventos dos novos tempos, deixando para trás a obsoleta influência da teoria do jurista germânico Paul Laband (de meados do século XIX), o qual forjou a tese da natureza de lei formal do orçamento público como mero ato administrativo autorizativo, passando a reconhecer materialidade e substancialidade ao seu conteúdo.

Mais do que isso, ao se admitir a ADI em face de leis orçamentárias, vemos que a constitucionalização do Direito Financeiro já está florescendo no próprio STF.

Fonte: JOTA


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