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PIS-COFINS. Compensação de créditos
Kiyoshi Harada
17/02/2017
A questão de créditos no sistema não cumultativo do PIS/COFINS continua causando insegurança jurídica por falta de definição correta do que sejam insumos.
Conforme assinalamos em nossa obra[1], desde o advento do regime não acumulativo do PIS/COFINS na legislação ordinária, com fundamento do § 12, do art. 195 da CF, introduzido pela Emenda Constitucional nº 42, de 19-12-2003, os contribuintes se veem coagidos pela voracidade do fisco federal que a cada momento vem opondo restrições ao direito de crédito para apuração o montante da contribuição social devido. Não bastassem as restrições contidas nas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 instrumentos normativos de menor hierarquia, como Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil veem constantemente criando empecilhos à dedução de créditos, reduzindo o alcance e conteúdo dos insumos. Tamanha a frequência dessas Instruções Normativas que tem-se a impressão de que elas estão sendo utilizadas como meios para suprir os déficits momentâneos de caixa.
É bom que se esclareça, desde logo, que quando o § 12, do art. 195 da CF determina que o legislador ordinário defina os setores da atividade econômica a serem tributados pelo PIS/COFINS de forma não cumulativa, está ordenando a desoneração tributária de todos aqueles setores da atividade econômica passiveis de tributação em cascata, em razão de várias etapas no ciclo de operações com produtos e serviços, desde a fonte produtora até o consumidor final. Eleger o regime de tributação não cumulativa das contribuições sociais em função do regime de tributação pelo imposto de renda adotado pela pessoa jurídica, como fez o legislador ordinário não tem amparo constitucional. A Constituição Federal manda o legislador ordinário adotar o critério setorial com o manifesto propósito de desonerar a carga tributária dos setores da atividade econômica sujeitas à incidência em cascata.
Assim, implícito está a determinação constitucional de deduzir da base de cálculo dessas contribuições[2] todos os valores pertinentes a insumos. Pela legislação ordinária, esse resultado não cumulativo é alcançado pela compensação de créditos apurados pela incidência de alíquotas de 1,65% ou 7,60% conforme o caso, sobre os valores dos insumos, produzindo idêntico resultado da dedução da base de cálculo na forma retro apontada.
Daí porque a enumeração de créditos a serem descontados, prevista no art. 3º da Lei nº 10.637/2002 em relação ao PIS e no art. 3º da Lei nº 10.833/2003 em relação a COFINS, deve ser entendida como sendo meramente exemplificativa. A lei não pode impor limites à dedução de créditos decorrentes de despesas efetuadas pela pessoa jurídica no exercício de sua atividade fim.
Tudo que a pessoa jurídica despender para obtenção de sua receita bruta deve ficar a salvo da tributação pelo PIS/COFINS porque representativo de despesa inerente ao desempenho da atividade fim da empresa. Essas despesas necessárias à obtenção da receita bruta constituem insumos. Os créditos deles decorrentes podem e devem ser apropriados pelo contribuinte para fins de compensação com o montante da contribuição social apurado pela aplicação da alíquota respectiva sobre a base de cálculo que é a receita bruta. Da mesma forma, a apuração dos créditos a serem compensados se faz mediante aplicação das respectivas alíquotas, 1,65 % ou 7,60%, conforme de trata de PIS ou de COFINS, sobre os valores dos insumos.
A falta de fixação dessa premissa, bem como a definição exata do que sejam insumos, para fins específicos do PIS/COFINS não acumulativo, está gerando uma demanda judicial e extrajudicial aparentemente sem fim. A cada dia surge uma nova discussão: dedução das despesas com o consumo de energia elétrica, com os cartões de crédito/débito, com o ativo imobilizado etc.
Em recente julgado, a Segunda Turma do STF decidiu em grau de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário pela inclusão das taxas e comissões pagas às administradoras de cartão de crédito e de débito na base de cálculo do PIS/COFINS (Ag.Reg. no RE nº 816.363 – SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 14-8-2014).
O exame desse V. Acórdão permite concluir que não se discutiu a questão da compensação de créditos gerados pro insumos, mas a ocorrência de fato gerador do PIS/COFINS que de fato é o faturamento mensal, assim entendida a totalidade das receitas brutas auferidas pela pessoa jurídica no exercício da atividade empresarial. Não temos elementos para saber se a omissão é da inicial ou do V. acórdão, sendo certo que não se discutiu a questão da compensação de créditos. Para tanto é preciso definir o que seja insumo.
O fisco federal apega-se ao conceito tradicional de insumo adotado pela doutrina, utilizado no âmbito do IPI/ICMS que abrange tanto o produto consumido no processo de industrialização, isto é, produto secundário, quanto o produto intermediário que compõe ou integra a estrutura físico-química do novo produto, como dobradiças, na marcenaria, ou pneumáticos, na indústria automobilística.
De fato, na doutrina de Aliomar Baleeiro, aceita pela generalidade dos autores, os produtos secundários e os produtos intermediários são considerados insumos definidos da seguinte forma:
“é uma algaravia de origem espanhola, inexistente em português, empregada por alguns economistas para traduzir a expressão inglesa ‘input’, isto é, o conjunto dos fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital, etc., empregados pelo empresário para produzir o ‘output’ ou o produto final. (…). “Insumos são os ingredientes da produção, mas há quem limite a palavra aos ‘produtos intermediários’ que, não sendo matérias-primas, são empregados ou se consomem no processo de produção” (Direito Tributário Brasileiro, Forense Rio de Janeiro, 1980, 9ª edição, pág. 214).
Claro está que esse conceito não é válido para fins de dedução de créditos na apuração do montante devido da contribuição não cumulativa do PIS/COFINS. O conceito de insumo está ligado à ideia de despesa necessária à produção ou à circulação de bens e serviços.
Na ADI nº 4389 em que se discutiu a incidência do ISS ou do ICMS sobre as embalagens personalizadas, o STF acatou o entendimento que consagra a incidência apenas do ICMS na “industrialização por encomenda de embalagens, destinadas a integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria.” [3]
Justificando a inovação conceitual o ínclito Ministro Relator observou que, “a evolução social, técnica e científica tende a tornar obsoletos conceitos há muito tidos como absolutos,… o que provoca um verdadeiro desafio ao legislador e ao Judiciário, na medida em que exigem novos paradigmas para calibrar a carga tributária de acordo com a expressão econômica das atividades, sem serem dissipadas ou exasperadas por puros formalismos”.
Assim, surgiu novo conceito de insumo enquanto material indispensável à circulação de mercadoria.
De fato, existem determinados produtos, como sabão em pó, pasta dental, remédios etc. que só podem circular se embalados. Não é evidentemente o caso das embalagens personalizadas utilizadas em supermercados, cujos produtos podem circular independentemente dessas “sacolas plásticas personalizadas [4] fornecidas por aqueles estabelecimentos.
Dentro dessa nova ótica e incorporando os modernos processos tecnológicos que integram o atual sistema de industrialização e circulação de bens e serviços, o conceito de insumo está intimamente ligado às despesas pagas pela pessoa jurídica e que compõem o custo operacional inerente à atividade fim desenvolvida pela empresa que irá propiciar a receita bruta, base de cálculo do PIS/COFINS não cumulativo. Nesse sentido é a doutrina de Paulo Ayres Barreto para quem “o conceito de insumos para os fins e efeitos da contribuição ao PIS e da COFINS deve se aproximar do conceito de custos e despesas operacionais para os fins e efeitos do imposto sobre a renda, previstos nos artigos 290 e 299, ambos do Regulamento do imposto sobre a Renda IRIR/99.” [5] Sobre os valores dessas despesas representativas de insumo devem-se calcular os créditos a serem compensados, mediante a aplicação de alíquota respectiva. No caso de despesas feitas com operadoras de cartões de crédito/débito, neste mundo globalizado em que o uso da moeda ou do cheque tornou-se algo obsoleto, elas tornaram-se despesas inerentes à atividade fim das empresas em geral integrando-se ao custo operacional da produção e circulação de mercadorias e serviços.
O regime não cumulativo, tal como expresso no § 12, do art. 195 da CF não permite que o legislador ordinário estabeleça à sua discrição um regime semi cumulativo. Só a Constituição poderia estabelecer exceções a exemplo do que fez com o ICMS em que nas hipóteses de não incidência e isenção do imposto não haverá direito à compensação do imposto cobrado na operação anterior, impondo-se a anulação do crédito relativo às operações anteriores, salvo determinação em contrário da legislação (art. 155, § 2º, II da CF).
Assim, são solarmente inconstitucionais as Instruções Normativas ns. 247/2002 e 464/2004 que definem o que são insumos para efeito de dedução de créditos do PIS e da COFINS, respectivamente.
Instrumentos normativos que copiam o conceito de insumos utilizado para o IPI e condenados pelo próprio órgão julgador de cúpula do Ministério da Fazenda – CARF – são absolutamente inaplicáveis em relação a PIS/COFINS não cumulativo, cujo fato gerador não se limita ao faturamento decorrente de saída de produto industrializado. Como se diz na linguagem doutrinária corrente, a materialidade das contribuições sociais da espécie é diferente da materialidade do IPI.
Portanto, corretas as posições doutrinários e jurisprudenciais que adotam a tese de que todas as despesas realizadas e necessárias à obtenção da receita bruta devem ensejar créditos a serem deduzidos do montante do PIS/COFINS calculado sobre o valor da receita bruta. Em outras palavras, as deduções previstas no art. 3º da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003 têm caráter meramente exemplificativo.
Mas, essa questão só será pacificada com a final manifestação do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE nº 790928 com Agravo, onde se reconheceu a existência de repercussão geral, quando será definido o alcance e conteúdo dos insumos que dão margem ao crédito do PIS/COFINS conforme ementa abaixo:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. ART. 195, § 12, CF/88. PIS. COFINS. ARTIGO 3º, NOTADAMENTE INCISO II E §§ 1º E 2º, DAS LEIS Nºs 10.833/2003, 10.637/2002. ARTIGO 31, § 3º, DA LEI Nº 10.865/2004. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.” (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo nº 790.928/Pernambuco. Relator Min. Luiz Fux, j. 15-8-2014, DJe de 4-9-2014).
O Colendo Supremo Tribunal Federal sinaliza o caráter enumerativo das hipóteses legais de dedução de créditos previstas na legislação ordinária, considerando que a não cumulatividade dessas contribuições sociais representa mera técnica de tributação.
[1]Contribuições sociais doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2015.
[2] Faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
[3] ADI nº 4389-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Dje de 25-5-2011.
[4] Essas embalagens personalizadas têm o objetivo de propaganda do estabelecimento vendedor.
[5]In Direito financeiro, econômico e tributário, Homenagem a Regis Fernandes de Oliveira, obra coletiva, coord. Estevão Horvath, Jose Mauricio Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 701.
Veja também:
- Imunidade das receitas decorrentes de exportação
- OPINIÃO LEGAL sobre base de cálculo do ISS em relação a diversos serviços prestados
- Opinião legal sobre validade da revogação de testamentos
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