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Litígios da OAB: Competência da Justiça Federal
José dos Santos Carvalho Filho
21/11/2016
Não é de hoje que lavram controvérsias sobre vários aspectos envolvendo as corporações profissionais – Conselhos e, principalmente, a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil. As divergências se justificam em razão das singularidades que revestem essa categoria de pessoas jurídicas, e muitas delas têm sido dirimidas, gradativamente, pelo Poder Judiciário.
As polêmicas, aliás, têm início pelo próprio enquadramento jurídico dessas entidades representativas. Na verdade, a despeito de serem pessoas jurídicas com função reguladora de profissões, exercendo, pois, um múnus público por delegação, o certo é que o STF já decidiu que não integram a administração indireta. Tal orientação, por si só, já retrata uma situação excepcional relativamente às demais entidades executoras de regulação.
Para as presentes observações, entretanto, é de se reconhecer que, apesar de haver aqui e ali alguma hesitação a respeito, os Conselhos profissionais e Ordens se classificam como autarquias – categoria que se insere no sistema da Administração Indireta. Por conseguinte, se são autarquias e não integram a Administração Indireta, é forçoso reconhecer que tais entidades recebem tratamento diverso daquele dispensado às demais autarquias.
As autarquias são mencionadas como pessoas da Administração Indireta em mais de uma passagem na Constituição. Um exemplo é o art. 37, XIX, da CF, que impõe a edição de lei para o Estado instituir autarquia. Outro se encontra no art. 37, XVII, que estende a proibição de acumular cargos e funções públicas aos servidores de autarquias.
A legislação ordinária, contudo, não oferece uma definição a contento. O antigo Decr.-lei 200/1967 – então preconcebido para a reforma da Administração – estabeleceu como conceito o seguinte: “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”. (2)
Não cabe aqui trazer à tona as várias impropriedades que o preceito contém. Uma delas, aliás, é a de não informar qual o tipo de personalidade jurídica das autarquias. Apesar disso, o vetusto Decreto-lei nº 6.016/1943 mencionava que as autarquias tinham personalidade jurídica de direito público. O vigente Código Civil, adequando-se à realidade jurídica atual, incluiu as autarquias na categoria das pessoas jurídicas de direito público. (3)
Firmadas essas linhas, permitimo-nos conceituar a autarquia como “a pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado”. (4) E essas linhas são endossadas pela grande maioria dos autores. (5)
Mas se esse delineamento se tornou pacificado em relação às várias categorias de autarquias – administrativas, reguladoras, previdenciárias, de controle, entre outras –, o mesmo não se pode dizer da classificação das entidades representativas de profissões, ou autarquias corporativas, e isso, como já se disse, em virtude das várias especificidades de que se revestem. Para ficar apenas num exemplo, cite-se o julgamento pelo qual tais entidades ficaram afastadas do controle financeiro, contábil, orçamentário, operacional e patrimonial pelos Tribunais de Contas. (6)
Centrando as presentes considerações no aspecto da competência jurisdicional para processar e julgar os litígios de que sejam partes as autarquias profissionais, surgiram dúvidas quanto ao foro do processo, vale dizer, se as ações deveriam ser ajuizadas na justiça estadual ou na federal – em suma, a competência de foro.
No STJ ficou clara a divergência em Conflito de Competência decidido no mesmo tribunal. A OAB ajuizou ação cautelar perante a justiça federal para discutir tarifa de transporte público. A justiça estadual, contudo, através da vara de fazenda pública, suscitou o conflito positivo, alegando que já havia ações civis públicas com o mesmo objeto tramitando nesse juízo. O Relator, Min. Francisco Falcão, entendeu competente o juízo estadual, mas foi voto vencido, juntamente com outro integrante da 1ª Seção. A decisão, assim, por maioria, considerou competente a justiça federal. (7)
O STF, entretanto, reafirmou que a competência para processar e julgar litígios de que faça parte a OAB é a justiça federal. A Corte, em decisão recente, deixou claro o seguinte: “Compete à justiça federal processar e julgar ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quer mediante o conselho federal, quer seccional, figure na relação processual”. (8) Registre-se que a decisão reformou decisão do tribunal do Estado do Paraná, que havia julgado em sentido contrário. Isso mostra a hesitação quanto ao entendimento sobre a matéria.
Afirmou o STF que a OAB não se qualifica como associação, pessoa jurídica de direito privado, mas que, ao contrário, exerce atividade fiscalizatória e censória no que diz respeito a profissão. A entidade, desse modo, qualifica-se como autarquia corporativista, atraindo a competência da justiça federal, prevista no art. 109, I, da CF.
Esses elementos estão a evidenciar a certeza sobre dois aspectos relativos às entidades fiscalizadoras de profissões. De um lado, trata-se de autarquias federais e, por conseguinte, pessoas jurídicas de direito público. De outro, e partindo desse pressuposto, não há como negar que à justiça federal compete processar e julgar os litígios de que façam parte tais entidades, em conformidade, aliás, com o que estabelece a vigente Constituição.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) STF, ADI 3.026, j. 8.6.2006.
(2) Art. 5º, I, Decr.-lei nº 200/1967.
(3) Art. 41, IV, Código Civil.
(4) JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, Manual de direito administrativo, Gen/Atlas, 30ª ed., 2016, p. 498.
(5) Vide, p. ex., MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Direito administrativo, Gen/Forense, 29ª ed., 2016, p. 536.
(6) STJ, EREsp 503.252, j. 25.8.2004.
(7) STJ, CC 45.410, j. em 28.9.2005. Houve 2 votos vencidos no sentido da competência da justiça estadual.
(8) STF, RE 595.332, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 31.8.2016.
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