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The dead woman’s body. Focus on hand

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A fiança pode ser arbitrada pelo delegado de polícia nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher?

ART. 324 DO CPP

DELEGADO

FIANÇA

LEI 11.340/2006

MULHER

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

VIOLÊNCIA FAMILIAR

João Biffe Júnior

João Biffe Júnior

06/10/2016

The dead woman's body. Focus on hand

Embora a Lei Federal n. 11.340/2006[2] tenha ampliado a proteção da mulher contra a violência de gênero, praticada no âmbito doméstico e familiar, tem-se que o cotidiano forense nos apresenta situações inusitadas, onde vislumbramos claramente o desrespeito aos direitos mais básicos das mulheres.

Recentemente fui surpreendido nos corredores do fórum, quando encerrava o expediente forense, por uma mulher que trazia em seus braços uma criança de tenra idade (três meses) e em seu corpo as marcas da brutalidade que lhe foi imposta. Os hematomas e eritemas no rosto, ombro, braços e nas costas, já permitiram um ligeiro vislumbre do ocorrido.

Após o atendimento realizado, constatei que aquela senhora fora vítima de reiteradas agressões perpetradas por seu companheiro, com o qual possuía três filhos em comum e em nome dos quais suportou por longos anos os suplícios que lhe eram covardemente impingidos.

Num breve resumo do ocorrido, tem-se que na noite anterior, novamente impelido pelo álcool, seu companheiro a agrediu fisicamente, ocasionando diversas lesões. Inconformada com a situação lamentável a que era subjugada, decidiu por um fim ao ciclo de violência, acionando, pela primeira vez, a polícia militar.

Conduzidos a Delegacia de Polícia foi lavrado o flagrante e arbitrada fiança para o agressor, que se viu em liberdade imediatamente após o recolhimento do valor em cartório. Agravando ainda mais a situação de vulnerabilidade dessa pobre mulher, o autuado retornou a casa e, chegando antes da vítima, impediu sua entrada, deixando-a em via pública, apenas com a roupa que trajava e na companhia de seu novo rebento.

Chegando o fato ao conhecimento do Ministério Público, foram tomadas as providências legais pertinentes, sendo o agressor afastado do lar conjugal, assegurando assim à vítima o mínimo respeito aos direitos previstos na lei federal 11.340/2016.

A par dos infindáveis equívocos neste caso,cabe indagar se agiu bem a autoridade policial ao arbitrar fiança ao autuado.

Com a reforma empreendida pela Lei n. 12.403/2011 a autoridade policial passou a ter a possibilidade de arbitrar fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade não seja superior a quatro anos, nos termos do art. 322 do Código de Processo Penal. Nas infrações penais com pena superior a este montante, caberá ao juiz decidir no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

Ocorre que na grande maioria dos delitos perpetrados em desfavor das mulheres no ambiente doméstico e familiar, a pena não ultrapassa o patamar de quatro anos. É o que se constata, por exemplo, dos preceitos secundários dos crimes de ameaça (art. 147 do CP: Pena – detenção de um a seis meses ou multa), injúria (art. 140 do CP: Pena – detenção de um a seis meses ou multa) e lesão corporal (art. 129, § 9º, do CP: Pena – detenção de três meses a três anos).

Nesse contexto, indaga-se: Estaria o Delegado obrigado a conceder fiança nessas hipóteses?

A resposta negativa impõe-se.

Consoante o disposto no art. 324 do CPP, não será concedida fiança quando estiverem presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Como é cediço, uma das hipóteses que autoriza a decretação da custódia cautelar é justamente o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Dessa forma, poderá a autoridade policial denegar a fiança fundamentando seu posicionamento, nos termos do art. 324, inciso IV, c.c. art. 313, inciso III, c.c. art. 312, todos do CPP, devendo demonstrar a presença de um dos fundamentos para decretação da custódia cautelar.

Quanto a isso, não há maiores problemas. A situação inversa, no entanto, não é pacífica.

Enfrentando a situação acima exposta, poderia o delegado de polícia ter arbitrado fiança ao autuado?

Parcela da doutrina sustenta que não é possível a autoridade policial arbitrar fiança nos casos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, pois essa hipótese permitiria a decretação da prisão preventiva (art. 313, inciso III, do CPP), sendo vedada a concessão de fiança (art. 324, inciso IV, do CPP).

Neste sentido, a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID), criada pelo Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), visando contribuir para a padronização dos entendimentos sobre a violência doméstica contra as mulheres, editou o Enunciado n. 06 tratando justamente da impossibilidade de fiança, nos seguintes termos:

Impossibilidade de fiança

Enunciado nº 06 (006/2011):

Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idosa, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada a concessão de fiança pela Autoridade Policial, considerando tratar-se de situação que autoriza a decretação da prisão preventiva nos termos do artigo 313, III, CPP. (Aprovado na Plenária da IV Reunião Ordinária do GNDH de 07/12/2011 e pelo Colegiado do CNPG de 19/01/2012).

O Promotor de Justiça Fausto Rodrigues De Lima, ao tratar do tema, reputou que a concessão da fiança pela autoridade policial nos casos de violência doméstica contra a mulher, representaria uma usurpação da função jurisdicional, conforme transcrito abaixo:

“É vedado ao delegado conceder fiança, de modo que a liberdade provisória voltou a ser matéria privativa da alçada judicial, sem exceções, pelo menos no que se refere à violência doméstica.

De fato, a nova norma estabeleceu a possibilidade de prisão preventiva para todos os crimes cometidos em violência doméstica, inclusive aos apenados com detenção, ao acrescentar o seguinte dispositivo ao art. 313 do CPP: IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

E, de forma redundante e eloquente, determinou que a prisão preventiva pode ser decretada ou revogada, pelo juiz, quantas vezes forem necessárias, atentando-se para as razões justificadores (art. 20).

(…)

Com efeito, todos os crimes punidos com detenção agora estão sujeitos à prisão preventiva, nos termos do aludido art. 313, inc. IV, CPP. Mesmo que os acusados não sejam “vadios” ou já “condenados por crime doloso”, podem ser presos por ordem judicial. Logo, não será concedida a fiança se presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 324, IV, CPP), apreciação que deve ser feita pelo juiz, nos termos do aludido art. 311, do CPP. Na ausência desses requisitos, somente o magistrado deve soltar o acusado, independentemente da fixação de fiança, nos termos do art. 310, parágrafo único, do CPP.

Portanto, o legislador devolveu ao juiz o poder exclusivo de decidir sobre a manutenção da prisão na violência doméstica. A nova Lei repudiou tanto o sistema de 1977, que permitia à polícia arbitrar fiança, quanto o de 1995 (JECrim), que garantia a liberdade com o simples compromisso de comparecimento. Ambos não se preocupavam com a integridade das vítimas, até porque alijavam o juiz do poder cautelar de decidir se a soltura era conveniente ou temerária” (De Lima, 2014).

No mesma direção, posiciona-se o promotor Jorge Romcy Auad Filho, em artigo anterior a reforma promovida pela Lei 12.403/2011, mas cuja fundamentação ainda se mantém:

“Permitir o arbitramento de fiança pela autoridade policial, no caso em que é possível a decretação de prisão preventiva, além de causar desvirtuamento do ordenamento jurídico, ainda acarretará perplexidade em posicionamentos contraditórios, bem como usurpação da função jurisdicional do juiz”.

“Nos casos previstos na Lei nº 11.340/2006, a concessão de liberdade provisória é competência exclusiva da autoridade judiciária, não cabendo o arbitramento de fiança pelo Delegado de Polícia, diante da necessidade do juiz averiguar previamente a possibilidade ou não de manutenção da prisão provisória

Ao eventualmente deferir a liberdade provisória aos infratores que praticam crimes de violência doméstica, deverão os juízes, analisando o caso concreto, condicionar a soltura daqueles ao cumprimento de medidas que efetivamente protejam a vítima e os demais familiares” (AUAD, 2007).

Saliente-se que embora o art. 313, inciso III, do CPP estabeleça dentre as hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva os casos que “o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher (…) para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”, sua interpretação deverá ser feita à luz dos fundamentos estabelecidos pelo art. 312 do mesmo diploma, ou seja, a decretação da custódia cautelar somente será possível se ficar demonstrada a presença da garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e garantia de aplicação da lei penal.

“A nosso ver, o inciso III deve ser lido em conjunto com o teor do caput do art. 3 1 3 do CPP, que expressamente faz menção aos termos do art. 312 do Código. Ora, se o caput do art. 313 faz menção aos termos do art. 3 1 2 do CPP, significa dizer que, mesmo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, a decretação da prisão preventiva também está condicionada à demonstração da necessidade da imposição da custódia para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal” (LIMA, 2015, p. 951).

Diante disso, não será o mero fato do crime ser praticado no âmbito doméstico e familiar contra a mulher que representará óbice para concessão da fiança pela autoridade policial, uma vez que o inciso IV do art. 324 do diploma processual estabelece que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Neste sentido, encontra-se o ensinamento lapidar de Renato Brasileiro de Lima que, ao sustentar a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial, leciona:

“Se o art. 322 do CPP dispõe que a autoridade policial poderá conceder fiança às infrações penais cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, não se pode estabelecer qualquer outro requisito para a concessão do referido benefício, sob pena de indevida violação ao princípio da legalidade. De mais a mais, o simples fato de um crime estar sujeito à decretação da prisão preventiva não é óbice à concessão da fiança pela autoridade policial. O art. 324, IV, do CPP, proíbe a concessão da fiança apenas quando presentes os motivos que autorizam a preventiva, leia-se, garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia de aplicação da lei penal – perceba-se que o próprio dispositivo faz referência ao art. 3 1 2 do CPP -, sem estabelecer qualquer relação com as hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva previstas nos incisos do art. 313 do CPP. Logo, a autoridade policial não poderá negar a concessão de fiança sob o simples argumento de que o crime fora praticado no contexto de violência doméstica e familiar (CPP, art. 3 1 3 , III). Para além disso, também deverá demonstrar que teria havido o descumprimento de anterior medida protetiva de urgência imposta pelo juiz e que a permanência do agressor em liberdade poderia, por exemplo, colocar em risco a garantia da ordem pública, haja vista a possibilidade de reiteração delitiva (CPP, art. 312)” (LIMA, 2015, p. 951).

O juiz Augusto Yuzo Jouti, em artigo específico sobre o tema, defende a possibilidade da fiança ser arbitrada pela autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, sustentando que a aparente inconveniência da concessão de fiança policial, com decretação posterior da prisão preventiva pelo magistrado, não poderá ser suportada pelo investigado. Devendo o delegado, no caso de arbitramento de fiança, garantir proteção policial à vítima (art. 11 da Lei 11.340/2006).

“Uma vez concedida a fiança pelo delegado de polícia, incumbe a ele garantir proteção policial, conforme art. 11 da Lei Maria da Penha. E nada impede que o Juiz de Direito – única autoridade competente decrete a prisão preventiva, desde que a autoridade policial ou o Ministério Público apresentem elementos concretos que indiquem seu cabimento e necessidade, nos termos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. A aparente inconveniência de liberar o preso por fiança e posteriormente prendê-lo preventivamente não é expressão da lei nem pode ser suportada exclusivamente pelo investigado.

O Código de Processo Penal não veda expressamente a concessão de fiança pela autoridade policial, tanto que há o Projeto de Lei n. 6.008/2013, para alteração da Lei n. 11.340/2006, a fim de atribuir somente ao Juiz esse exame. Enquanto não houver alteração legislativa, o artigo 322 do Código de Processo Penal continua autorizando a fiança policial para crimes com pena máxima até quatro anos, inclusive para os crimes envolvendo violência doméstica contra a mulher” (JOUTI, 2015).

Com a devida vênia, a solução apresentada para conciliar a fiança policial com a necessária proteção à vítima, não convence. Em primeiro lugar, é despiciendo expor a insuficiência de efetivo policial para garantir a proteção da vítima. Em segundo lugar, não havendo nenhum provimento judicial que impeça o agressor de retornar ao lar conjugal ou de se aproximar da vítima, como seria essa proteção policial? Deverá um policial permanecer no interior da residência, juntamente com agressor e vítima a fim de preservar sua integridade física? Ou deverá a mulher ser novamente vitimada, desta vez sendo tirada do lar enquanto aguarda o deferimento das medidas protetivas de urgência?

Inverte-se a ordem lógica das coisas ao conferir liberdade ao agressor de forma prematura, atribuindo ao Estado o dever de proteger a vítima contra qualquer ação deste, antes do deferimento das medidas protetivas de urgência.

Diante da gravidade do arbitramento da fiança no caso de violência de gênero, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), constituída para investigar situações de violência contra a mulher no Brasil, apresentou o Projeto de Lei n. 6.008/2013, em trâmite no Congresso Nacional, para alterar a Lei 11.340/2006 vedando, expressamente, a concessão de fiança pela autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, visando o aprimoramento do marco legal que permitirá ao Brasil manter-se na vanguarda do arcabouço legislativo.

Saliente-se ainda que a justificação apresentada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, sustenta que o “art. 324, IV, que proíbe a fixação de fiança quando presentes os requisitos da prisão preventiva, já impede que a autoridade policial arbitre fiança nos crimes e situações do art. 313 do CPP”, embora “o sistema de Justiça tem desprezado esse comando para tolerar a liberdade imediata dos agressores na própria delegacia, fato que tem causado a continuidade da violência e até assassinatos de mulheres após o pagamento de fiança arbitrada pela polícia”.

“Além disso, acresce dispositivo ao CPP para proibir o arbitramento de fiança pela autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir maior proteção para as vítimas no momento e logo após o conflito delituoso.

É fato que o art. 324, IV, que proíbe a fixação de fiança quando presentes os requisitos da prisão preventiva, já impede que a autoridade policial arbitre fiança nos crimes e situações do art. 313 do CPP (inclui violência doméstica no inciso III), pois a análise dos requisitos da prisão preventiva é matéria de alçada judicial. Nesses casos, é o juiz que deve avaliar o caso previamente, como determina o art. 310 do CPP, podendo inclusive aplicar medidas protetivas substitutivas da prisão previstas na Lei Maria da Penha. No entanto, o sistema de Justiça tem desprezado esse comando para tolerar a liberdade imediata dos agressores na própria delegacia, fato que tem causado a continuidade da violência e até assassinatos de mulheres após o pagamento de fiança arbitrada pela polícia. Assim, a CPMI sugere esta alteração para evitar interpretações que retiram a segurança das vítimas e superprotegem os agressores”[3].

Realizando uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico e considerando as alterações normativas, que denotam a evolução da legislação processual, visando sentido conferir maior proteção à mulher em situação de vulnerabilidade, conclui-se que tornar o arbitramento da fiança pela autoridade policial uma prática rotineira, contrapõe-se ao espírito que norteou a Lei n. 11.340/2006, interpretando as alterações promovidas pelo referido diploma normativo em detrimento de seu destinatário. Essa inversão hermenêutica afronta os princípios da proibição da proteção estatal insuficiente e do não retrocesso, relegando ao esquecimento a situação de vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica e familiar.

Dessarte, caberá ao magistrado promover a análise do caso concreto para decidir se as medidas protetivas previstas no art. 22 da Lei 11.340/2006, bem como eventuais medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, revelam-se adequadas e suficientes para a proteção da vítima ou se a decretação da prisão preventiva é a única medida que se revela apta a proteção da integridade física e psicológica da mulher, impedindo a reiteração do ciclo da violência.

Caso essas se revelarem inadequadas ou insuficientes, deverá o magistrado converter a prisão em flagrante em preventiva, nos termos do art. 310, inciso II, do diploma processual. Do contrário, concederá ao autuado a liberdade provisória condicionada ao cumprimento dessas medidas diversas da prisão.

Ocorre que até que o magistrado promova a análise das medidas protetivas de urgência pleiteadas, estará presente, ao menos, em tese, um dos fundamentos da custódia cautelar (garantia da ordem pública[4]), sendo indispensável a manutenção da prisão para garantir a integridade física e psíquica da ofendida, até o deferimento das medidas de urgência em seu benefício, intimando-se o agressor de seu teor, em virtude do periculum libertatis.

Dessa forma, havendo requerimento para deferimento de medidas protetivas de urgência, a autoridade policial encontra-se impossibilitada de conceder ao autuado a liberdade provisória mediante fiança, pois não poderá substituir-se a autoridade judiciária e entender, por exemplo, que bastará impor ao agressor o afastamento do lar conjugal e proibir-lhe de se aproximar da ofendida e de seus familiares, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor, sendo desnecessária a custódia cautelar.

Tal atividade compete, única e exclusivamente, a autoridade judiciária.

Entendimento contrário deixará a vítima em estado de absoluta vulnerabilidade, pois conceder a liberdade ao agressor antes da apreciação do requerimento de medida protetiva de urgência, permitirá que ele retorne ao lar conjugal, aproximando-se da vítima e de seus familiares, situação que acentuará ainda mais o trauma sofrido em virtude das agressões perpetradas, além de comprometer a eficácia de eventuais medidas cautelares impostas pelo magistrado.

Neste contexto, não se pode vedar de forma peremptória a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial, mas essa deve se reservar a casos excepcionais, onde as peculiaridades do caso concreto demonstrem a absoluta desnecessidade da manutenção da segregação cautelar e a ausência de fundamentos para decretação da prisão preventiva.

Os casos mais rotineiros são as desavenças no âmbito doméstico, muitas vezes regada ao álcool, onde a mulher imputa ao seu convivente a prática do crime de ameaça, fato corroborado por testemunhas. Na delegacia de polícia presta declarações e oferece representação quanto ao crime descrito no art. 147 do Código Penal. Horas depois, afastada a exaltação momentânea que se seguiu a discussão, retorna a unidade policial, conversa com seu companheiro reatando o relacionamento e decide retratar-se da representação.

Imaginemos que o flagrante ainda esteja sendo lavrado, sabemos que não poderá o Delegado de Polícia acolher a retratação da vítima, uma vez que “nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”, nos termos do art. 16 da Lei 11.340/2006”.

Nesta situação hipotética, não havendo requerimento de medida protetiva de urgência e sendo apresentada retratação da representação, não haveria qualquer óbice para a concessão da fiança ao autuado pela própria autoridade policial, pois a liberdade daquele não representará nenhum risco, haja vista que não haverá nenhuma medida protetiva de urgência para ser assegurada através da segregação cautelar.

Após essas considerações, apresentamos a seguinte solução quanto à concessão da fiança pela autoridade policial nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher:

Em regra, não deverá a autoridade policial conceder fiança nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idosa, enfermo ou pessoa com deficiência, vez que caberá a autoridade judiciária promover a análise do caso concreto para decidir se as medidas protetivas previstas no art. 22 da Lei 11.340/2006, bem como eventuais medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, revelam-se adequadas e suficientes para a proteção da vítima ou se a custódia cautelar é a única medida hábil a proteção da ofendida, não podendo o delegado substituir o Juiz nessa avaliação.

Em casos excepcionais, onde as peculiaridades do caso concreto demonstrem a absoluta desnecessidade da manutenção da segregação cautelar (ausência de fundamentos para decretação da prisão preventiva) e desde que não haja requerimento da vítima visando à concessão de medidas protetivas de urgência, poderá a autoridade policial arbitrar a fiança.

Por fim, conclui-se que, no caso narrado no introito desse artículo, a autoridade policial equivocou-se ao conceder a fiança ao autuado, vitimando ainda mais àquela mulher já flagelada, física e moralmente, em virtude das lesões sofridas, bem como a expondo a risco de vida ao conceder a liberdade provisória mediante fiança, antes da apreciação pelo juiz das medidas protetivas de urgência[5].

Referências bibliográficas:

AUAD FILHO, Jorge Romcy. A liberdade provisória na Lei Maria da Penha. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10584/a-liberdade-provisoria-na-lei-maria-da-penha. Acesso em 06/09/2016.
DE LIMA, Fausto Rodrigues. Fiança policial e violência doméstica: incompatibilidade após a lei. Disponível em: http://www.conamp.org.br/pt/biblioteca/artigos/item/507-fianca-policial-e-violencia-domestica-incompatibilidade-apos-a-lei.html. Acesso em 06/09/2016.
JOUTI, Augusto Yuzo. Fiança policial na Lei Maria da Penha: possibilidade. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39606.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª ed. Salvador : Juspodivm, 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

[2] Em 22/09/2006 entrou em vigor a Lei n° 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha” em virtude da grave violência de que foi vítima Maria da Penha Maia Fernandes. O caso subjacente ao advento da norma ocorreu em 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza, data em que a farmacêutica Maria da Penha, enquanto dormia, foi atingida por disparo de espingarda desferido por seu marido. Por força desse disparo, que a atingiu na coluna, a vítima ficou paraplégica. Porém, o agressor prosseguiu com as agressões, tendo, uma semana depois, efetuado uma descarga elétrica enquanto se banhava. O agressor foi denunciado em 28/09/1984, sendo preso apenas em setembro de 2002.Em virtude da lentidão do processo o caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que publicou o Relatório n° 54/2001, reconhecendo a ineficácia judicial do Brasil de reagir de forma adequada ante a violência doméstica. Em reação, cinco anos após a publicação do relatório, entrou em vigor a Lei n° 11.340/06.
[3] Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C88E2ABA666AA8C47569978C209475B7.proposicoesWeb1?codteor=1111273&filename=PL+6008/2013
[4] Como preconiza a melhor doutrina “entende-se garantia da ordem pública como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade, seja porque se trata de pessoa propensa à prática delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito cometido, inclusive pela possibilidade de voltar ao convívio com os parceiros do crime” (LIMA, 2015, p.938).
[5] Registre-se que no caso a mulher sequer foi cientificada das medidas protetivas de urgência previstas no Lei 11.340/2006, descumprindo a autoridade policial o disposto no art. 11 que preconiza: “No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: (…) V – informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis”.
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