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Revista íntima à luz da jurisprudência do TST
22/08/2016
1. Introdução
O objetivo desse estudo é abordar a questão da revista íntima realizada pelo empregador, à luz do que dispõem os princípios constitucionais da dignidade humana, da valorização do trabalho, da intimidade, da privacidade, da proteção da imagem e da honra em face do direito de propriedade também garantido constitucionalmente, bem como o posicionamento atual do Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto à temática.
2. O poder diretivo do empregador frente à Constituição Federal
A evolução da economia e dos processos produtivos levou ao surgimento de mudanças nas relações de trabalho, alterando o comportamento das pessoas envolvidas, sendo criada uma série de mecanismos de controle sobre as atividades do trabalhador, tais como: “revistas pessoais, revistas em objetos do empregado, veículos ou espaços a ele reservados, instrumentos visuais, instrumentos auditivos, controle dos erros do empregado, limites estabelecidos para ir ao toilette ou para chamadas telefônicas, imposição a exames médicos e tratamento, controle de objetos, fotos, enfeites que se colocam no escritório, ao redor do empregado e controle de ausências em razão de enfermidade ou acidente do trabalho.”[1]
Ante este novo panorama das relações de trabalho, surge uma aparente colisão entre o poder diretivo do empregador e os direitos de personalidade do trabalhador, na medida em que todos são amparados constitucionalmente.
O art. 5º, XXII, da CF, garante o direito de propriedade.
O poder diretivo pode ser entendido como um desdobramento do direito de propriedade, representando a faculdade legal que é concedida ao empregador de comandar a prestação pessoal dos serviços, organizando-a, controlando-a e punindo o trabalhador, se for necessário (art. 2º, CLT).
O poder diretivo se desdobra em três aspectos: (a) poder de organização; (b) poder de controle; (c) poder disciplinar.
O poder de controle significa que o empregador possui a faculdade de fiscalizar a atividade de seus empregados, ditando regras e tarefas a serem exercidas, além de exigir implemento de tarefas. O controle se materializa de diversas formas: (a) fixação de horários; (b) prestação de contas de empregados vendedores; (c) controle de produtos fabricados; (d) revista dos empregados etc.
Segundo Maurício Godinho Delgado, poder de controle “seria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. Medidas como controle de portaria, as revistas, o circuito interno de televisão, o controle de horário e frequência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas é que seriam manifestações do poder de controle.”[2]
Assim, como garante o direito de propriedade, a Constituição Federal garante também que são invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X).
Não se pode olvidar também que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental no nosso ordenamento jurídico após a promulgação da CF/88, consagrado no art. 1º, III.
A dignidade do ser humano é composta por atributos da personalidade e da individualidade. Oportuno trazer o conceito de dignidade Ingo de Wolfgand Sarlet: “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”[3]
Arion Sayão Romita sustenta que a dignidade da pessoa humana é fundamento dos direitos humanos e deve prevalecer em qualquer circunstância: “Os direitos fundamentais constituem manifestações da dignidade da pessoa. Quando algum dos direitos fundamentais, qualquer que seja a família a que pertença, for violado é a dignidade da pessoa que sofre a ofensa. Os direitos fundamentais asseguram as condições de dignidade e, não obstante a violação da norma, apesar da agressão a dignidade estará preservada, porque ela é um valor intangível. A dignidade não se esgota nos direitos fundamentais, entretanto, só terá sua dignidade respeitada o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e realizados.” [4]
Postas tais assertivas, o que se evidencia é que há uma colisão entre direitos fundamentais. De um lado, há o direito de propriedade do empregador, sendo este o principal fundamento para embasar o seu poder diretivo. De outro lado, há o direito à intimidade e à vida privada do trabalhador, como manifestação da dignidade humana.
No conflito entre direitos fundamentais, deve-se aplicar a técnica do sopesamento, da ponderação, pois nenhum direito constitucional pode derrogar outro.
Assim, temos de um lado o direito de propriedade do empregador e, do outro, o direito à honra e à imagem do trabalhador.
Ressalte-se que o direito de propriedade, como qualquer direito, não é absoluto, encontrando limitações na própria CF, expressadas pela função social da propriedade (art. 5º, XXIII).
Como leciona Celso Antônio Bandeira de Melo, “à expressão ‘função social da propriedade’ pode-se também atribuir outro conteúdo, vinculado a objetivos de Justiça Social; vale dizer, com prometido com o projeto de um a sociedade mais igualitária ou menos desequilibrada – com o é o caso do Brasil – no qual o acesso à propriedade e o uso dela sejam orientados no sentido de proporcionar ampliação de oportunidades a todos os cidadãos independentemente da utilização produtiva que por ventura já esteja tendo.”[5]
Sendo fundamento ao poder diretivo do empregador, o direito constitucional à propriedade deve também se moldar aos princípios da atividade econômica insculpidos no artigo 170, CF, no tocante à função social.
Pode-se afirmar que dentre os limites ao exercício do direito de propriedade encontra-se a proteção aos direitos fundamentais do trabalhador, quais sejam, o direito à intimidade e à vida privada.
Assim, na ponderação entre esses valores, há que prevalecer o direito à honra e à imagem do trabalhador, com vistas à valorização da dignidade humana, verdadeiro superprincípio constitucional, em aplicação, inclusive, da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares.
3. Conceito e tipos de revista íntima
A palavra “revista” no âmbito das relações de trabalho possui alcances diferentes conforme a conduta praticada.
De modo geral, a revista consiste em qualquer ato do empregador que coloque o empregado em situação de constrangimento. Pode haver o contato físico, exposição do corpo com a retirada de vestes ou apenas a inspeção visual de objetos.
A doutrina distingue as seguintes espécies de revista em: (a) revistas íntimas sobre a pessoa do empregado; (b) revistas íntimas sobre os bens do empregado; (c) revistas não íntimas.[6]
Na revista íntima sobre a pessoa, o trabalhador é obrigado a retirar total ou parcialmente as vestes, sendo ou não exposto a contato físico.
A revista sobre os bens consiste na exposição de objetos pessoais, tais como bolsas, sacolas, mochilas e carteiras.
Alice Monteiro de Barros, quanto a este tipo de revista, leciona: “Constrangedoras são, ainda, as revistas nos bolsos, carteiras, papéis, fichários do empregado ou espaços a ele reservados, como armários, mesas, escrivaninhas, escaninhos e outros, que se tornam privados por destinação. A partir do momento em que o empregador concede aos obreiros espaços exclusivos, obriga-se, implicitamente, a respeitar sua intimidade. Encontra-se, aqui, um clima de confiança que os empregadores, em outras situações, exigem espontaneamente de seus empregados. Em conseqüência, a revista realizada nessas circunstâncias implica violação da intimidade do empregado, a qual é vedada pela Constituição da República (artigo 5º, X), logo, só deve ser permitida quando necessária à salvaguarda do patrimônio do empregador e como medida de segurança dos demais empregados.”[7]
Por fim, a revista não íntima é a que ocorre sem contato físico e à distância, tal como a passagem em portas providas de detector de metais, aparelhos de raio-X etc.
4. Legislação aplicável
O poder diretivo do empregador sofre limitações de ordem constitucional.
Até pouco mais de uma década atrás, não havia qualquer dispositivo legal que abordasse de forma objetiva a questão da revista.
A Lei 9.799, de 26/5/1999, que incluiu o art. 373-A na CLT, vedou expressamente a prática da revista íntima em trabalhadoras do sexo feminino: “Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: … VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.”
Em que pese o citado artigo estar no capítulo destinado à proteção do trabalho e da mulher, não parece ser a melhor exegese do art. 373-A aplicá-lo somente à mulher. Em razão do princípio da igualdade, insculpido no art. 5º, I, da CF, a norma deve ser aplicada indistintamente, tanto para a proteção do trabalho da mulher como do homem, com vistas à tutela da intimidade do empregado.
Sobre a temática, discorre Mauricio Godinho Delgado: “Registre-se, a propósito, que apenas mais recentemente é que a ordem jurídica heterônoma estatal insculpiu preceito vedatório expresso (Lei n. 9.799, de 26.5.1999) de revistas íntimas em trabalhadoras no contexto empresarial (o novo dispositivo estabelece ser vedado ‘proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias’ – art. 373-A, inciso VI, CLT, conforme Lei n. 9.799/99). Entretanto, conforme já examinado, tal vedação já era implicitamente resultante dos preceitos constitucionais acima expostos (e, no fundo, dirige-se a pessoas físicas, independentemente de seu sexo).”[8]
O Enunciado 15, II, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho (outubro/2007), elaborado pela comissão de Direitos Fundamentais e as Relações de Trabalho, acenava nesse sentido: “REVISTA ÍNTIMA. VEDAÇÃO A AMBOS OS SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição Federal.”
Este é o entendimento do TST quanto à matéria: “O art. 373-A, inciso VI, da CLT, por seu turno, traz vedação expressa à revista íntima – embora dirigido às mulheres empregadas, é passível de aplicação aos empregados em geral, em face do princípio da igualdade também assegurado pelo Texto Maior. …” (TST – SDI-I – E-ED-RR 90340-49.2007.5.05.0464 – Ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DEJT 1/3/2013).
A regra inserida na CLT veio apenas ao encontro do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 3º, III) e à proteção dos direitos de personalidade (art. 5º, X).
5. Posição da doutrina
A doutrina não é unânime quanto à possibilidade da realização da revista íntima sem que haja violação aos direitos do trabalhador. Isto porque há uma linha muito tênue que divide a forma ideal de se fazer a revista daquela forma abusiva que fere a dignidade do trabalhador.
Sobre a temática, leciona Alice Monteiro de Barros: “Não é o fato de um empregado encontrar-se subordinado ao empregador ou de deter este último o poder diretivo que irá justificar a ineficácia da tutela à intimidade no local de trabalho, do contrário, haveria degeneração da subordinação jurídica em um estado de sujeição do empregado.”[9]
Ao empregador, detentor do poder de direção, cabe decidir quais medidas serão utilizadas para proteger o seu patrimônio.
A revista geralmente é justificada como meio de defesa da propriedade do empregador. Embora a revista íntima seja apenas uma das formas de proteção ao patrimônio, não se pode olvidar que há diversos meios não invasivos à intimidade do trabalhador que podem ser adotados, tais como: utilização de etiquetas magnéticas em produtos, controle de entrada e saída em estoque e setor de produção, filmagens através de circuito interno, detector de metais, uso de vestimentas sem bolsos, disponibilização de armários e sacolas com lacre, dentre outras. Infelizmente, os empregadores, ante os custos destes outros meios, acabam por lançar mão da revista íntima, por ser a medida que requer pouco ou nenhum investimento.
Embora a revista seja uma prática aceitável, desde que não viole os direitos do trabalhador, ela deve ser desestimulada e substituída por medidas alternativas.
Em que pese ser legítima a defesa de patrimônio pelo empregador, afirma Oldack Alves da Silva Neto que “… as revistas representam uma acomodação indevida, pois há diversas outras formas de se implementar esse controle, sem ofender os direitos da personalidade dos trabalhadores. …
Assim, apenas em situações excepcionalíssimas esse procedimento poderia ser tolerado, quando a atividade econômica desenvolvida pelo empregador justificar tal medida.” [10]
A doutrina e a jurisprudência se inclinam no sentido de que a revista pessoal, seja a realizada no corpo do trabalhador, seja a realizada em objetos, é admissível, desde que não seja abusiva ao empregado.
Defendendo a excepcionalidade da revista íntima, leciona Mauro Schiavi: “… em compasso com o princípio da função social da empresa, deve o empregador investir em tecnologia para fiscalização de seu patrimônio sem precisar recorrer a revistas pessoais que causem grande constrangimento ao empregado.”[11]
Já Amauri Mascaro Nascimento defende: “A revista dos empregados vem sendo considerada pelos Tribunais como um direito de fiscalização do empregador. No entanto, se se torna abusiva da dignidade do trabalhador, não encontrará acolhida nas decisões judiciais. Terá que ser moderada, respeitosa, suficiente para que seus objetivos sejam atingidos.”[12]
Alice Monteiro de Barros entende que revistas em bolsas, sacolas, mochilas e objetos não são íntimas e, assim, não estariam vedadas: “A jurisprudência brasileira inclina-se, há mais de meio século, pela possibilidade da revista pessoal, mormente quando prevista em regimento interno da empresa, com fundamento de que é um direito do empregador e uma salvaguarda ao seu patrimônio. Entende-se que a insurgência do empregado contra esse procedimento permite a suposição de que a revista viria a comprovar a suspeita que a determinou, autorizando o reconhecimento da justa causa.”[13]
Exatamente por haver outros meios de preservação do patrimônio, há defensores da proibição da revista sob qualquer forma, devendo a expressão “revista íntima” ser estendida a qualquer tipo de fiscalização nos pertences dos empregados (objetos e locais de uso pessoal, bolsas e sacolas, por exemplo). Esse é o entendimento do Ministério Público do Trabalho, consubstanciado na Orientação 2 da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho – COORDIGUALDADE, órgão de atuação do Ministério Público do Trabalho: “Orientação n. 2. Revista íntima. Limites. Não serão admitidas revistas íntimas dos empregados, assim compreendidas aquelas que importem contato físico e/ou exposição visual de partes do corpo ou objetos pessoais. (Aprovada na III Reunião Nacional da Coordigualdade, dias 26 e 27/04/04).”
Nesse sentido, também é a opinião de Cássio Casagrande: “Nos dias de hoje, em face dos valores da Constituição de 88, a defesa do ‘direito’ do empregador em proceder a revista sobre o corpo do empregado e seus pertences só se explica pela permanência culturalista de uma triste herança da escravidão, que não podemos mais tolerar no atual contexto democrático de pleno respeito aos direitos civis.”[14]
Sandra Lia Simón compartilha do mesmo entendimento: “A partir do momento que o trabalhador é contratado para prestar serviços a determinada empresa, depois de um processo de seleção, estabelece-se entre eles um elo de confiança, que é fundamental para o desenvolvimento da relação laboral. Se assim não fosse, o processo do trabalho seria inviável. Por consequência, quando o empregador reserva para o empregado alguns objetos ou locais, para seu uso e gozo, estes passam a integrar a sua esfera íntima e privada. É importante lembrar que, em geral, um indivíduo passa um terço do dia à disposição do seu patrão, razão pela qual tem necessidade de guardar objetos de uso pessoal. Assim, da mesma forma que o direito de propriedade não autoriza que o locador adentre no imóvel alugado, o empregador não poderá fiscalizar, sem o consentimento do empregado, esses bens e locais. Trata-se de dar nova dimensão à noção constitucional de domicílio, que é ampla e não pode ser confundida com uma mera conceituação teórica, pois a sua essência encontra-se na função que representa para o indivíduo.”[15]
6. Direito de recusa por parte do trabalhador
Ante os preceitos constitucionais e o que dispõe o art. 373-A da CLT, a doutrina questiona se o trabalhador pode se recusar a ser submetido à revista, seja qual modalidade for.
Pelo art. 5º, III e LVII, CF, ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, nem será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória.
Por sua vez, o inciso II do mesmo artigo dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Considerando que não há nenhuma lei que obrigue o trabalhador a ser submetido a revistas em seu trabalho, ao revés, há proibição expressa no que tange à revista íntima, o trabalhador pode se recusar a ser submetido a qualquer procedimento que afronte a sua dignidade.
Ademais, a prática da revista sem qualquer fundamento, acaba por inverter a presunção de inocência prevista no artigo 5º, LVI, CF, pois parte da presunção de culpabilidade do trabalhador.
Nesse sentido: “Em nossa sociedade, em nossa cultura, ainda consideramos todos honestos até prova em contrário. Não é admissível do ponto de vista filosófico inverter a presunção de honestidade do cidadão, como faz o empresário que submete seus empregados a revista íntima, considerando ele que todos os empregados são desonestos até prova em contrário, e que poderão levar bens da empresa para casa.
Descoberto o furto, ou a apropriação indébita, pode o empresário buscar a autoridade policial para que investigue; e descoberto o autor do crime, pode o empresário despedir o empregado por justa causa, por improbidade, com fulcro no art. 482 da CLT.” [16]
Com o fundamento de que a revista efetuada pelo empregador está inserida no poder de polícia, Sandra Lia Simón é contra a sua realização: “A Constituição deve ser considerada em seu contexto. Se a vontade do constituinte foi atribuir o monopólio de segurança do Estado, que deve observar os direitos fundamentais, a restrição desses é excepcionalíssima, fato que limita, a própria atuação do legislador. Consequentemente, inexiste justificativa para incluir a possibilidade de revista, no poder de direção do empregador.”[17]
Como já declinado anteriormente, a Constituição (art. 5º, X) declara a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
Havendo suspeita de subtração de algum bem pelo empregado, cabe ao empregador acionar a autoridade policial.
Nesse aspecto, Alice Monteiro de Barros afirma que: “A revista, a rigor, vem sendo considerada, com acerto, como verdadeira atividade de polícia privada. Logo, só poderá ocorrer de forma geral, não discricionária e apenas em circunstâncias excepcionais, respeitando-se ao máximo a esfera de privacidade do empregado, que se projeta sobre bolsos, carteiras, papéis, fichários e espaços a ele reservados. Entendimento contrário afronta o preceito constitucional, que considera a intimidade do cidadão brasileiro.”[18]
Por tais assertivas, o trabalhador tem o direito de se opor à realização de qualquer procedimento que afronte a sua dignidade.
7. Posição da jurisprudência
O Tribunal Superior do Trabalho tem posicionamento ponderado quanto à matéria.
O fato de existir revista, por si só, não é considerado aviltante. É decorrência do poder de direção do empregador, que resulta do contrato de trabalho.
O empregador, no exercício do seu poder diretivo, pode proceder à revista de seu funcionário, desde que ela seja realizada de forma moderada e observando os princípios constitucionais da dignidade humana (art. 1º, III, CF), a honra e a imagem (art. 5º, X), sem contato físico, de forma superficial, meramente visual e sem discriminação.
A revista é considerada ilícita e abusiva quando for realizada de forma vexatória, com exposição do empregado, seja com submissão de alguns empregados a tratamento discriminatório (eleição dos revistados), humilhantes e vexatórias (revistas com retirada de vestes perante outras pessoas).
Por oportunos, trazemos os seguintes julgados:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. … RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. CONTATO FÍSICO. OFENSA AO INCISO X DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a revista íntima, com contato físico, extrapola os limites do poder fiscalizatório empresarial e atinge a imagem do empregado, impondo-se o dever de indenizar, nos termos do inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Recurso de Revista conhecido e provido” (TST – 3ª T. – RR 195300-31.2009.5.02.0315 – Rel. Des. Conv. Vania Maria da Rocha Abensur – DEJT 20/2/2015).
“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA COM CONTATO CORPORAL. Hipótese em que a revista íntima obrigava os empregados a mostrarem seus pertences, notadamente mediante contato corporal, inclusive com eventuais toques na cintura do empregado, circunstâncias que constituem invasão de intimidade e consequente direito ao ressarcimento pelo dano moral sofrido. Recurso de revista não conhecido. VALOR DA INDENIZAÇÃO (R$ 3.000,00). Esta e. Corte, na esteira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, dispôs que o valor das indenizações por danos morais só pode ser modificado nas hipóteses em que as instâncias ordinárias fixaram importâncias fora dos limites da proporcionalidade e da razoabilidade. Ou seja, quando a condenação se revelar teratológica, seja porque o valor é exorbitante, seja porque o valor é irrisório, o que não se verifica in casu, cujo valor R$ 3.000,00 (três mil reais) atende à finalidade pedagógica de prevenir novas condutas ilícitas e/ou praticadas com abuso de direito, bem como de compensar o autor pelo dano sofrido. Precedentes em face da mesma empresa com o mesmo valor. Recurso de revista integralmente não conhecido” (TST – 3ª T. – RR 31000-10.2013.5.13.0023 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DEJT 20/2/2015).
“RECURSO DE REVISTA. 1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. O Regional registra que -as revistas ultrapassavam os limites do razoável, tendo em vista que não se davam de forma superficial ou meramente visual, mas sim invasiva, tendo o reclamante que levantar a camisa e as barras da calça, demonstrando assim a excessividade da conduta, realizada de forma ilícita.- Nesse contexto, torna-se inviável a constatação de ofensa aos arts. 186, 927 e 944 do CC, tendo em vista que seria necessário reexame de provas para entender não configurados os elementos viabilizadores da indenização pretendida. Incide o óbice da Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. (…)” (TST – 8ª T. – RR 1043-18.2011.5.19.0006 – Rel. Min. Dora Maria da Costa – DEJT 3/10/2014).
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. … II – RECURSO DE REVISTA. 1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL. TRATAMENTO OFENSIVO E HUMILHANTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. O Colegiado a quo registrou que – foi comprovado apenas um fato isolado, ocorrido há longa data (5 ou 6 anos), que, a despeito de desrespeitoso e infeliz, é insuficiente para revelar perseguição ou capaz de submeter o Reclamante a situação humilhante e constrangedora –. Concluiu que – o fato de a Reclamada confessar que tal gerente é uma pessoa rígida e exigente não implica em confissão de corriqueiras ofensas ou perseguição –. Intangível essa premissa fática, a alegação autoral de que era constantemente ofendido e submetido a tratamento humilhante reveste-se de natureza fático-probatória e sua apreciação encontra óbice na Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista não conhecido. 2. RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EXPOSIÇÃO DO CORPO DO TRABALHADOR DESNUDO. MAJORAÇÃO DO VALOR. Consta da decisão regional que os trabalhadores eram expostos diariamente em trajes mínimos e sujeitos a revista íntima para verificar se portavam algum objeto. Nesse caso, a constatação de ofensa à intimidade não pressupõe o contato físico entre o empregado vistoriado e o vigilante, sendo suficiente a realização do procedimento abusivo atinente à revista visual, em que o trabalhador é constrangido a exibir suas roupas íntimas, dia após dia, não sendo atenuante o fato de o vistoriador ser do mesmo sexo do empregado, pois, ainda que parcial, existe a exposição do corpo do empregado, caracterizando, portanto, invasão à sua intimidade. Nesse sentido, o valor fixado pela Corte regional a título de indenização por danos morais mostra-se desproporcional ao quadro fático delineado, senão excessivamente módico e irrisório. Na espécie, justifica-se a excepcional intervenção desta Corte a fim de revisar o quantum indenizatório estipulado pelo Regional, majorando-se de R$ 2.000,00 (dois mil) para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a quantia arbitrada. Recurso de revista provido” (TST – 7ª T. – RR 3031-40.2011.5.03.0032 – Rel. Min. Arnaldo Bóson Paes – DEJT 24/10/2014).
Já a revista visual de bolsas, mochilas e sacolas, realizada em caráter geral e impessoal é autorizada, por não ser ofensiva à dignidade da pessoa:
“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA NOS PERTENCES DO EMPREGADO. AUSÊNCIA DE CONTATO FÍSICO. A decisão regional merece ajustes, a fim de se adequar à jurisprudência desta Corte superior, no sentido de que a mera revista visual nos pertences do empregado, como bolsas e sacolas, não configura, por si só, ofensa à sua moral/intimidade, constituindo, na realidade, exercício regular do direito do empregador, inerente ao seu poder de direção e fiscalização. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (TST – 8ª T. – RR 917-06.2013.5.19.0003 – Rel. Min. Dora Maria da Costa – DEJT 20/3/2015).
“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA APENAS VISUAL DE BOLSAS DE EMPREGADOS. INEXISTÊNCIA DE CONTATO FÍSICO. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. O entendimento da relatora é no sentido de que bolsas, sacolas e mochilas dos empregados constituem extensão de sua intimidade, sendo que a sua revista, em si, ainda que apenas visual, é abusiva, pois o expõe, de forma habitual, a uma situação constrangedora, configurando prática passível de reparação civil (arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal). Entretanto, prevalece nesta Corte o entendimento de que a revista visual de bolsas e demais pertences, de forma impessoal e indiscriminada, não constitui ato ilícito do empregador, sendo este o caso dos autos. Precedentes da SBDI-1. Recurso de revista conhecido e provido” (TST – 2ª T. – RR 1333-93.2012.5.19 – Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes – DEJT 11/3/2015).
“… REVISTA REALIZADA EM BOLSAS E PERTENCES DOS EMPREGADOS. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. Esta Corte tem entendido que o poder diretivo e fiscalizador do empregador permite a realização de revista em bolsas e pertences dos empregados, desde que procedida de forma impessoal, geral e sem contato físico ou exposição do funcionário a situação humilhante e vexatória. Desse modo, a revista feita exclusivamente nos pertences dos empregados não configura, por si só, ato ilícito, sendo indevida a reparação por dano moral. No caso dos autos, o Regional não informou a existência de eventual abuso de direito, mas apenas concluiu, com base nos fatos narrados, pela existência de dano moral por entender que a prática realizada pela empresa, a priori e por si só, expunha o empregado a situação vexatória e constrangedora, passível de reparação. Estando essa conduta amparada pelo poder diretivo do empregador, à vista do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, e constatando-se não ter havido abuso de direito, deve ser reformada a decisão em que se reconheceu a existência de dano moral bem como condenou o reclamado ao pagamento a ele correspondente. Recurso de revista conhecido e provido. … ” (TST – 2ª T. – RR 445-52.2011.5.19.0010 – Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta – DEJT 13/3/2015).
“… RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. DANO MORAL. REVISTA. OBJETOS PESSOAIS DO EMPREGADO. PROVIMENTO. A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho inclina-se no sentido de que a revista em objetos pessoais – bolsas e sacolas – dos empregados da empresa, realizada de modo impessoal, geral, sem contato físico ou exposição de sua intimidade, não submete o trabalhador a situação vexatória ou caracteriza humilhação, vez que decorre do poder diretivo e fiscalizador do empregador, revelando-se lícita a prática desse ato.Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (TST – 5ª T. – RR 480-14.2012.5.09.0088 – Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos – DEJT 30/5/2014).
8. Conclusão
O tema revista íntima gera grande celeuma, seja na doutrina, seja na jurisprudência. Há quem defenda sua realização, desde que observados alguns parâmetros e há quem não aceite, sob nenhuma forma, a adoção de tal procedimento pelo empregador.
O nosso posicionamento alinha-se ao do Tribunal Superior do Trabalho.
Não se pode negar ao empregador o exercício do direito de propriedade, sendo lícito ao empregador proceder à revista de seu funcionário. Contudo, o procedimento adotado deve sempre ser norteado pela observância dos princípios constitucionais da dignidade humana, intimidade, privacidade, honra e imagem do trabalhador, sob pena de ser considerada ilícita e abusiva.
Por sua vez, a revista visual de pertences, tais como bolsas, é autorizada, eis que não fere a dignidade do trabalhador, na medida em que não o expõe à situação vexatória ou humilhante.
[1] BARROS, Alice Monteiro de. A Proteção à Intimidade do Empregado. São Paulo: LTr, 1997, p. 72.
[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed., São Paulo: LTr, 2011, p. 620.
[3] SARLET, Wolfgand. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62.
[4] ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 143.
[5] MELO, Cento Antônio de. Novos aspectos da função social da propriedade. In: Revista de Direito Público, São Paulo: RT, v. 84, p. 44, out./dez. 1987.
[6] DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O procedimento patronal de revistaíntimapossibilidade e restrições.Revista do Advogado. São Paulo, n. 110, p. 62, dez. 2010.
[7] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 593-594.
[8] DELGADO, Mauricio Godinho. Ob. cit., p. 620.
[9] BARROS, Alice Monteiro de. Ob. cit, p. 33.
[10] SILVA NETO, Oldack Alves da. Revista íntima: necessidade de adoção de um conceito ampliativo. Disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,revista-intima-necessidade-de-adocao-de-um-conceito-ampliativo,42746.html, acesso em 23/03/2015.
[11] SCHIAVI, Mauro. Ações de reparação por danos morais decorrentes da relação de trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 134.
[12] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 32ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 146.
[13] BARROS, Alice Monteiro de. Ob. cit., p. 557.
[14] CASAGRANDE, Cássio. Não há norma que permita revistaíntima a empregados, disponível em http://www.conjur.com.br/2005-mai-31/nao_norma_permita_revista_intima_empregados, acesso em 23/03/2015.
[15] SIMÓN, Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo: LTr, 2000, p. 149.
[16] MATTOS, Luiz Roberto. Revista íntima de empregado. Violação da intimidade. Art. 5º, inciso X da Carta Magna. Indenização por dano moral. Arts. 186 e 927 do código civil. Revista da AMATRA5. Salvador, n. 6, p. 107-12, abr. 2007.
[17] SIMÓN, Sandra Lia. Ob. cit., p. 147.
[18] BARROS, ALICE MONTEIRO DE. A revista como função de controle do poder diretivo. Revista Gênesis de Direito do Trabalho, Curitiba: Editora Gênesis, n. 66, junho 1998, p. 819.
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