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O reexame necessário no julgamento antecipado parcial do mérito

DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO

FAZENDA PÚBLICA

JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL

MÉRITO

REEXAME NECESSÁRIO

Marco Antonio Rodrigues

Marco Antonio Rodrigues

20/05/2016

Doutrina que Nasce em Sala de Aula: Deve ocorrer o duplo grau obrigatório de jurisdição nos julgamentos antecipados parciais de mérito em face da fazenda pública?

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Há algumas semanas, lecionando sobre o duplo grau obrigatório de jurisdição para minha turma de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, um aluno perguntou-me sobre se é necessário realizar o reexame de decisões que julgam parcialmente e de forma antecipada o mérito da demanda contrariamente à Fazenda Pública.

Trata-se de interessante questão que surge com a edição do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a expressa regulamentação pelo novo diploma legal dos julgamentos antecipados parciais de mérito, decisões que, no curso de um processo, já resolvem uma parcela da pretensão autoral. Caso tais pronunciamentos sejam proferidos contrariamente à Fazenda Pública, devem ser objeto de confirmação pelo Tribunal, a fim de que produzam eficácia plena?

1. Os julgamentos parciais de mérito no Novo CPC

O artigo 356 do CPC de 2015 regulamentou a possibilidade de julgamento antecipado parcial do mérito de demandas, o que significa dizer que uma ação pode ter a resolução da pretensão autoral de forma fracionada no curso do processo. Muitas vezes, pode ser que um ou alguns dos pedidos da demanda já estejam aptos à apreciação de seu mérito, ao passo que outro ou outros não, e o novo CPC permite expressamente que os primeiros sejam apreciados. Trata-se de previsão que contribui para a promoção dos direitos de acesso a uma prestação jurisdicional justa, da duração razoável do processo e da efetividade, na medida em que a solução reputada como adequada pelo Judiciário é concedida ao jurisdicionado no menor tempo possível, configurando técnica de abreviação do procedimento.

Note-se que, no CPC de 1973, já havia situações em que tal julgamento antecipado parcial já era reputado como possível. É o caso, por exemplo, do reconhecimento da prescrição de algum dos pedidos, com base no artigo 269, inciso IV, daquele diploma, continuando-se a fase de conhecimento para os demais.

O artigo 356 do CPC de 2015, entretanto, definiu casos em que pode haver a decisão de mérito ainda no decorrer da fase de conhecimento, quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso[1] ou estiver em condições de imediato julgamento, prosseguindo-se a fase de conhecimento quanto aos demais pedidos.

Constata-se, portanto, que o novo CPC rompeu definitivamente com o dogma da unidade do julgamento do mérito[2]. É possível que o mérito da demanda seja apreciado em diferentes momentos do processo, a partir do momento em que cada parcela já esteja pronta para ser apreciada com definitividade. Trata-se de técnica processual que contribui para a tempestividade da tutela jurisdicional.

O julgamento antecipado parcial do mérito configura decisão interlocutória, não ostentando natureza de sentença. Isso porque o artigo 203, § 1º, do CPC de 2015 define sentença valendo-se de dois critérios cumulativos – o topográfico e o do conteúdo: à exceção das disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz extingue o feito sem apreciar o mérito ou resolve este, pondo fim à fase cognitiva do procedimento comum ou extinguindo a execução. A decisão proferida com base no artigo 356 aprecia o mérito, mas não encerra a fase de conhecimento do processo, configurando, portanto, decisão interlocutória de mérito. Não se trata de decisão provisória, que dependa de ratificação, sendo verdadeira decisão definitiva, o que é corroborado pelo artigo 356, §3º, que estabelece que, ocorrendo o trânsito em julgado de tal pronunciamento, sua execução será definitiva.

Como conseqüência do fato de que a decisão de julgamento antecipado parcial é interlocutória, o parágrafo 5º do artigo 356 prevê ser ela impugnável por agravo de instrumento, recurso próprio para o ataque a decisões dessa espécie, conforme se extrai do artigo 1022 do CPC.

Diante de tais considerações sobre a natureza de tal julgamento, é preciso analisar se essa decisão deve passar pelo reexame necessário, caso proferida contrariamente à Fazenda Pública.

2. O reexame necessário e as decisões que a ele devem ser submetidas

O reexame necessário – também chamado de duplo grau obrigatório de jurisdição ou remessa de ofício – configura uma prerrogativa processual da Fazenda Pública. Na forma do artigo 496 do CPC de 2015, as sentenças proferidas contra as pessoas jurídicas de direito público, bem como as que julguem procedentes total ou parcialmente embargos à execução fiscal, somente produzem eficácia plena quando confirmadas pelo Tribunal. Consoante já defendemos[3], trata-se de condição de eficácia de tais decisões proferidas contrariamente ao Poder Público, pois somente poderão passar por execução definitiva, se tiver ocorrido a revisão pelo Tribunal. Caso iniciada a execução definitiva do julgado sem a ocorrência da remessa de ofício em hipótese em que esta era exigida, estar-se-á diante de caso de inexigibilidade da obrigação, pois o título executivo ainda não é totalmente eficaz.

Resta evidente, portanto, que o duplo grau obrigatório não possui natureza jurídica de recurso[4]. Tal instituto não se enquadra em alguns princípios da teoria geral dos recursos, especialmente os da taxatividade, da voluntariedade e da discursividade. Em primeiro lugar, o reexame não obedece à taxatividade dos recursos, uma vez que não se contra elencado no rol dos recursos; ao contrário, encontra-se em livro diferente do Código, no capítulo de sentença e coisa julgada. Não se trata de remédio voluntário, uma vez que decorre puramente do enquadramento da sentença numa das hipóteses legais de remessa necessária. Ademais, não possui discursividade, pois ocorre sem que autor e réu possam apresentar razões ou contrarrazões.

Note-se que nem toda sentença contrária às pessoas jurídicas de direito público será objeto de duplo grau obrigatório. Isso porque o artigo 496, §§ 3º e 4º, estabelece hipóteses em que fica afastado o reexame, com base no valor da condenação ou do direito em jogo (§3º), ou com base em precedentes judiciais ou administrativos (§4º)[5].

Embora o artigo 496, em seu caput, mencione o cabimento da revisão obrigatória apenas de sentenças, sem cuidar de outras decisões, é fundamental interpretar o novo CPC sistematicamente. O novo diploma legal tratou expressamente de outras decisões do Judiciário em primeiro grau que possuem papel típico de sentença, apenas de não possuírem tal natureza: são as decisões interlocutórias de mérito. É o que se tem no caso do julgamento antecipado parcial do mérito.

Conforme analisado anteriormente, tais decisões interlocutórias são definitivas. Por isso, tal qual as sentenças de mérito, estão aptas à formação de coisa julgada material, caso precluam. Tanto assim, que o artigo 356, §3º, prevê claramente que o trânsito em julgado desses pronunciamentos leva à sua execução definitiva.

Ademais, vale salientar que, se tais decisões interlocutórias proferidas com base no artigo 356 estivessem inseridas no pronunciamento judicial ao final da fase de conhecimento do processo, estariam dentro de uma sentença, passível, portanto, de apelação e inequivocamente sujeita ao reexame necessário, desde que este último não fique afastado pelas exceções estabelecidas no próprio artigo 496, §§ 3º e 4º.

Por isso, diante de uma interpretação sistemática dos artigos 356 e 496 do CPC de 2015, pode-se concluir que o pronunciamento que julga parcialmente o mérito de forma antecipada está sujeito ao duplo grau obrigatório de jurisdição. É preciso, portanto, olhar para o novo CPC sob uma perspectiva que o aprecie sistematicamente e de maneira aberta aos novos institutos regulados nesse diploma, sob pena de não absorvermos as novidades que ele alberga.

Referências

DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil, v. 2. Salvador: Juspodium, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.


[1] Alguns autores, como Fredie Didier, Paula Sarno e Rafael Oliveira (DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil, v. 2. Salvador: Juspodium, 2012, p. 538), entendiam, à luz do artigo 273, § 7º, do CPC/73, que a tutela antecipada de pedido incontroverso seria resolução de mérito, e não propriamente uma antecipação de tutela. Ao nosso ver, porém, cuidava-se de decisão provisória de concessão de tutela antecipada, em função da expressa opção legislativa de conferir-lhe um tratamento dentro do dispositivo relativo a tal forma de tutela provisória.
[2] Nessa linha, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 380.
[3] RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016, p. 79. Na mesma linha, NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 120.
[4] No mesmo sentido, WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil, v 1. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 886.
[5] Para uma análise detalhada de tais casos em que afastada a remessa obrigatória, confira-se o nosso RODRIGUES, Marco Antonio. A Fazenda Pública no processo civil. São Paulo: Atlas, 2016, pp. 85-89.

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