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Delação Premiada
Fausto Martin De Sanctis
08/04/2016
Existem duas acepções de delação. Quando se diz acerca da revelação de um fato por terceiros perante uma autoridade policial, estamos no campo da delatio criminis. Entretanto, quando quem deseja delatar aos investigadores é um integrante da entidade delituosa, tem-se a delação premiada. Esta diz com a admissão da própria conduta, acompanhada de ajuda aos investigadores para o conhecimento do submundo criminoso. Requer, pois, a confissão, a reconstrução do fato e mais a individualização da responsabilidade, que acaba sendo, por força desse próprio instituto processual, mitigada.
Delação premiada constitui, pois, a descoberta precoce da verdade (do crime e dos autores e partícipes), requerendo do delator informações úteis ao processo para que o juiz possa reduzir ou extinguir a pena. Antecipa-se o juízo ético-jurídico retributivo-preventivo. Prevenção do delito geral (em relação a toda a sociedade) e especial (no que tange ao réu) com punição de grau necessariamente diferenciado.
Existente no Brasil desde as Ordenações Filipinas (Título CXVI), ela é reconhecida no direito estrangeiro, tanto que consagrada em Convenções e Organismos Internacionais (crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro). A delação premiada, também conhecida como colaboração premiada, é ética, útil e estratégica. Ética porque atende às finalidades político-criminais e à proteção do bem jurídico, i.e., relaciona-se com a justiça social. Quando se invoca a ideia de traição para combatê-la, na verdade está se admitindo a “ética” do criminoso, que não aceita ser apontado por um comparsa. Útil pelo fato de facilitar o trabalho de todos. Por fim, estratégica, inclusive à Defesa, já que o réu se vê beneficiado com uma pena relativizada sem o custo do processo. O advogado que o estimula à delação presta serviço valioso para a justiça porquanto não lhe cabe expor fatos falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé, nos termos do Código de Ética da OAB. Esse é o sentido real da função advocatícia como essencial à justiça. Opor-se à delação representa repulsa a eficácia da justiça, e não ao instituto em si.
O delator deve dizer o que sabe sem limites, o que o distancia da testemunha comum, daí porque considerado uma testemunha suis generis. Não deixa, porém, de ser uma testemunha “suspeita”, que deve fornecer real caminho para confirmação do que alega, evitando que a justiça seja marionetada e usada para resolver conflitos internos de organizações criminosas.
Por essa razão o delatado preserva a sua condição de presumidamente inocente e as palavras do delator hão de ser confirmadas com outras provas. Inerente a quem delata a credibilidade (motivação, relação com os corréus), a confiabilidade intrínseca (precisão, coerência, constância) e a confiabilidade extrínseca (o confronto com as demais provas).
O sistema judicial deve estar comprometido com a função indelével de reagir à altura de ambientes corrompidos, que devem se sujeitar à lei. Porém, não se cuida de atuação visando reforço estigmatizante implacável (carimbar alguém como sendo estranho, diferente ou delinquente), mas de exercício ponderado do processo penal. Se, de um lado, não cabe suprimir o papel da justiça, sua atuação deve ser marcada pela discrição e respeito aos direitos e garantias individuais. Se ao Estado cabe respeitar o réu, mesmo quando silencia, o que dizer com relação àquele que colabora? Daí porque o tratamento adequa-se ao interesse mútuo.
O instituto além de ser mundialmente consagrado, possui lastro em mútua confiança, o que não significa vinculação do juiz ao acordo entre as partes (acusado e ministério público), uma vez que ao Judiciário cabe a última palavra. Este deve bem valorar os que quebram delações anteriores ou mesmo já condenados, porquanto se mostrariam reincidentes e egocêntricos, quando não excêntricos.
Os requisitos da prisão nada têm haver com a delação e aquela não pode constituir meio de “pressão” para eventual delação. Por outro lado, é natural, em princípio, a liberação do delator uma vez que dá confiança a ele de que o sistema está realmente disposto a validar o instituto, encorajando-o a falar.
Também não se pode exigir dele a dispensa ao inalienável direito de recorrer, cabendo a insurgência quanto à decisão do juiz caso considere inadequada a que não a reconheça ou que o faça de forma insuficiente.
Se existe a alegada “pressão” a falar, a coação psicológica visando à delação, esta não desmerece eticamente o instituto. A própria legislação a exerce ao prever redução ou extinção de pena no caso de confissão, arrependimento eficaz ou posterior, desistência voluntária, pagamento de tributo ou seu parcelamento, transação penal, ou cabimento da delação ainda que condenado. Esta última hipótese, recentemente admitida em nossa legislação sobre organização criminosa (artigo 4º, § 5º, da Lei n. 12.850/2013), trata-se de algo, quiçá, censurável, já que permitiu eterna e discutível negociação, o que deve obrigar a uma análise cuidadosa e criteriosa dos membros do Ministério Público e da Magistratura que se encontrem nos tribunais.
Finalmente, o sigilo de seu teor é questão de preservação tanto do delator quanto do delatado, e sua revelação pode levar a um prematuro juízo ético-retributivo, sem a ocorrência da indispensável checagem de seu conteúdo e de sua veracidade.
Em síntese, a delação premiada significa a retomada do respeito aos preceitos fundamentais de convivência com a busca de proveitosa e adequada persecução penal. Aliás, um bom começo acarreta um bom final e isso só é possível quando se compreende exatamente a dimensão daquilo que se está a invocar.
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