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O CDC e O Capital – Circulação

José Manuel de Sacadura Rocha

José Manuel de Sacadura Rocha

12/02/2016

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O Código de Defesa do Consumidor (CDC), publicado em 11 de setembro de 1990,”comemorou” 25 anos!

Se as relações de consumo fossem éticas e harmoniosas no sistema capitalista não haveria necessidade do CDC no ordenamento jurídico brasileiro! “Como os demais dispositivos regulatórios nas relações mercantis – CLT  e demais legislações trabalhistas -, o CDC insere-se na necessidade inexorável do capital não ultrapassar os seus limites, quer dizer, que as contradições insolúveis que lhe são próprias e o constituem não o destrua. Para entendermos isto precisamos entender o que é o modo de produção capitalista. O modo de produção capitalista é antes de tudo uma forma social de produzir mercadorias!”. Isto eu disse no post anterior: “A CLT e O Capital – Produção”.

Agora, quando as mercadorias entram no mercado, inicia-se o processo de circulação de mercadorias sem o qual o capital não se reproduz. A reprodução do capital sai então da esfera da produção e entra na esfera da circulação de mercadorias. Nesta dimensão da circulação, o mais-valor gerado no processo de produção pela exploração do trabalho assalariado, obviamente, não pode se extinguir, mas deve continuar a se realizar de forma a gerar mais capital, que por sua vez será investido em mais capital produtivo e, assim, produzindo em processo o objetivo maior do capitalismo, a acumulação de capital.

Por isso não é esperado que os comerciantes, depois dos produtores, juntos, tenham interesse em atender a demandas dos consumidores, pois isto significa, em última análise, que parte daquele mais-valor seja redistribuído em forma de benefícios pós-venda, em termos de garantias contratuais e legais – vício do produto (que não se vê mas pode causar dano) ou defeito do produto (assistência técnica, reposição de produtos defeituosos, recall) etc. Tudo isto retira o lucro e riqueza gerada na produção e beneficiaria, em tese, as próprias famílias dos trabalhadores, diminuindo a ampliação do capital no seu processo de reprodução, sua acumulação ampliada, mexe com os balanços empresariais e seus dividendos econômicos, etc.

Esse foi o motivo do CDC:  regular a reprodução do capital no âmbito da circulação das mercadorias. Mas se de certa forma a “defesa do consumidor” implica em custos e diminuição do lucro gerado pelo mais valor na relação produtiva do trabalho assalariado, por que então promulgar uma lei assim, na contramão dos interesses do capital? A resposta tem dois lados: lado A: a acumulação do capital é tão desenfreada e feroz que até os consumidores seriam “tragados” por ela se não houvesse algum tipo de marco regulatório sobre a sobreexploração do capital sobre o consumidor, na dimensão mesma da circulação, o que, obviamente, em algum momento inviabiliza o mercado, a circulação de mercadorias e a reprodução do capital e sua acumulação.

Então, o CDC é uma tentativa de disciplinar essa ferocidade e essa irracionalidade do capital, um remédio amargo para os detentores do capital, mas necessário para que os consumidores, quer dizer, as famílias dos trabalhadores, não sejam de tal forma constrangidos e dominados pela fúria de acumulação do capital a ponto de, tão maltratados, não tenham como se dirigir ao mercado para “realizar” as mercadorias, isto é, para as comprar.

Mas o mais insidioso, acho, é que ir ao mercado significa para as famílias dos trabalhadores voltarem com parte do salário pago pela força de trabalho ao próprio capital que os pagou, ou seja, na verdade o consumo não deixa de ser, na forma mercantil capitalista, uma forma de devolver ao capital parte do que foi pago em forma de salário, mas como não dá para não ir ao mercado no capitalismo, comprar as mercadorias, então se garante legalmente que não se quebre a corrente de exploração e acumulação por parte do capital – infelizmente essa é a “segurança de consumo”, a “liberdade de consumo”, a “igualdade de consumo” e, pasmem, o “sonho de consumo” dos assalariados, e da classe média, para não falar dos burgueses e as classes prepostas. É significativo que se chame o trabalhador-consumidor de “cliente”, como a indicar a relação servil e dependente do cliente romano em relação ao patrício romano! Para tal serve o CDC!

O lado B não é menos “exótico” e “surreal”: é que a Lei, o CDC, destarte toda a “vileza” que ele “vela” nas relações mercantis capitalistas, a Lei aparece aos indivíduos como “um terceiro” que de forma técnica e imparcial (será?) regula, obriga, constrange o capital a se “comportar”, aparecendo assim para as famílias dos trabalhadores como “a Lei acima do mal!?”, como protetora e defensora da parte vulnerável (PROCON?!) etc. Nada disso: a Lei é apenas o disfarce para uma lógica perversa e antiética inerente ao capitalismo, na exploração da força de trabalho, na exploração das formas do trabalho e dos instrumentos de trabalho, na circulação de mercadorias, nos créditos e débitos daí decorrentes. O capital precisa se realizar, circular, acumular…

O CDC esconde mais do que protege, mais não seja porque, bem vistas as coisas, o pouco que se “redistribui” em forma de garantias legais pós-venda é quase nada diante de toda a riqueza produzida na exploração assalariada e, no âmbito da circulação, na apropriação de volta desses salários, como sobre exploração.


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