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Atestado médico: conceito, finalidade e seus limites

ATESTADO DE DOENÇA

ATESTADO MÉDICO

CERTIFICADO MÉDICO

CONCEITO

FINALIDADE

INFORMAÇÃO MÉDICA

LAUDO MÉDICO

Genival Veloso de França

Genival Veloso de França

05/02/2016

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Resumo: Oautoraborda o atestado médico no tocante ao seu conceito, finalidades e seus limites. Quanto ao seu conteúdo e veracidade diz que o atestado pode ser idôneo, gracioso, imprudente e falso. Estabelece diferença entre a falsidade material e a falsidade ideológica. Enfatiza a importância da qualidade da informação médica e sua contribuição com a ordem pública e o equilíbrio social. Estabelece a diferença entre atestado e laudo médicos realçando o alcance e os limites do atestado em relação ao laudo médico. Chama atenção para a importância e a insuprível exigência do laudo, valorizando a descrição como sua parte mais significativa. Conclusões.

Unitermos: Certificado médico. Atestado de doença. Informação médica.

Introdução

Entende-se por atestado ou certificado o documento que tem por objetivo firmar a veracidade de um fato ou a existência de determinado estado, ocorrência ou obrigação. É um instrumento destinado a reproduzir, com idoneidade, uma específica manifestação do pensamento médico.

O atestado ou certificado médico, portanto, é uma declaração por escrito de uma dedução médica e suas possíveis consequências. Tem a finalidade de resumir, de forma objetiva e singela, o que resultou do exame feito em um paciente, sua doença ou sua sanidade, e as consequências mais imediatas. É, assim, um documento particular, elaborado sem compromisso prévio e independente de compromisso legal, fornecido por qualquer médico que esteja no exercício regular de sua profissão. Desta forma, tem unicamente o propósito de sugerir um estado de sanidade ou de doença, anterior ou atual, para fins de licença, dispensa ou justificativa de faltas ao serviço, entre outros.

Mesmo tão singelo e desprovido de formalidades o atestado médico admite, estando o médico inscrito regularmente no Conselho Regional de Medicina competente, possuir competência para atestar, independentemente de especialidade, desde que se sinta capacitado para tanto. Assim se manifesta o Parecer-Consulta CFM no 28/87.

É sempre elaborado de forma simples, em papel timbrado, podendo servir até o usado em receituário ou, quem exerce a profissão em entidades públicas ou privadas, em formulários da respectiva instituição. Na maioria das vezes, ele durge a pedido do paciente ou de seus responsáveis legais.

Não tem o atestado uma forma definida, porém deve conter as seguintes partes constitutivas: cabeçalho – onde deve constar a qualificação do médico; qualificação do interessado – que é sempre o paciente; referência à solicitação do interessado; finalidade a que se destina; o fato médico quando solicitado pelo paciente ou seu responsável, ou por justa causa, ou por dever legal; suas conseqüências; e local, data e assinatura com o respectivo carimbo profissional, onde contenham nome do médico e número de inscrição no Conselho Regional de Medicina da jurisdição sede de sua atividade.

A utilidade e a segurança do atestado estão necessariamente vinculadas à presunção de sua veracidade. Sua natureza institucional e seu conteúdo de fé pública é o pressuposto de verdade e exatidão que lhe é inerente, daí a preocupação e o interesse que o atestado desperta, com diz Sérgio Ibiapina Ferreira Costa[1]: “Uma declaração duvidosa tem, no campo das relações sociais, o mesmo valor de uma declaração falsa, exatamente por não imprimir um conteúdo de certeza ao seu próprio objeto”.

O atestado médico quanto a sua procedência ou finalidade pode ser: administrativo, quando serve ao interesse do serviço ou do servidor público; judiciário, quando por solicitação da administração da justiça; oficioso, quando dado no interesse das pessoas física ou jurídica de direito privado, como para justificar situações menos formais em ausência das aulas ou para dispensar alunos da prática da educação física.

Há um fato que sempre mereceu profundas controvérsias: a questão da declaração do diagnóstico nos atestados. Uns admitem que deva ser sempre omitida a fim de responder aos imperativos dogmáticos que norteiam o sigilo médico; outros acham desnecessária a guarda do segredo, principalmente quando a autoridade administrativa exige o diagnóstico com a finalidade de estabelecer a relação entre os dias perdidos e a gravidade da doença, por exemplo. O certo é que, na medida do possível, deve-se evitar a declaração do diagnóstico no atestado, a não ser quando permite o Código de Ética Médica: por justa causa, dever legal ou a pedido do paciente ou de seus representantes legais.

Quanto à necessidade de se colocar o CID (Código Internacional de Doenças e Causas de Morte) nos atestados médicos, como previa a Portaria nº 3.291, de 20 de fevereiro de 1984, do Ministério da Previdência Social, decidiu o Conselho Federal de Medicina nos Pareceres- Consulta nº 11/88, 25/88 e 32/90, que o médico só pode firmar atestado revelando o diagnóstico, na forma codificada ou não, nas hipóteses referidas no artigo 102 do Código de Ética Médica (por justa causa, dever legal ou permissão do paciente ou de seus responsáveis legais).

Deve-se entender ainda que o atestado é diferente de declaração. No atestado, quem o firma, por ter fé de ofício, prova, reprova ou comprova. Na declaração exige-se apenas um relato de testemunho. Entendemos que, na área de saúde, apenas os profissionais responsáveis pela elaboração do diagnóstico são competentes para firmarem atestados. Os demais podem declarar o acompanhamento ou a coadjuvação do tratamento, o que não deixa, também, de constituir uma significativa contribuição como valor probante.

Hermes Rodrigues de Alcântara[2] classifica o atestado médico, quanto ao seu conteúdo ou veracidade, em: idôneo, gracioso, imprudente e falso.

Mesmo não sendo exigida certa formalidade e um compromisso legal de quem o subscreve – e, por isso, uma peça meramente informativa e não um elemento final para decidir vantagens e obrigações -, deve merecer o atestado todos os requisitos de comprovada validade, visto que ele exerce uma função do mais alto interesse social. Fica o médico, portanto, no dever de dizer a verdade sob pena de infringir dispositivos éticos e legais, seja ao artigo 73 do Código de Ética Médica, seja por delito de falsidade de atestado médico por infração ao artigo 302 de nossa legislação penal.

Não deve ser recusado “a priori”, como vez por outra ocorre, pois sempre se deve ter a presunção de lisura de quem firma o atestado. Isto não quer dizer, todavia, que o atestado seja um fato conclusivo ou consumado, ou que não tenha um limite de eficácia em certas eventualidades, principalmente para o que ele não se destina.

Em documentos particulares, escritos e assinados, ou apenas assinados, presumem-se verdadeiros em relação ao signatário. Quando houver referência de determinado fato ligado à ciência, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato (artigo 368 do Código de Processo Civil).

O atestado gracioso, também chamado de complacente ou de favor, vem sendo concedido por alguns profissionais menos responsáveis, desprovidos de certos compromissos e que buscam através deste condenável gesto uma forma de obter simpatia, sem nenhum apreço ao Código de Ética Médica.

Muitos destes atestados graciosos são dados na intimidade dos consultórios ou das clínicas privadas, tendo como finalidade a esperteza de agradar o cliente e ampliar, pela graciosidade, os horizontes da clientela.

Já o atestado imprudente é aquele que é dado de forma inconseqüente, insensata e intempestiva, quase sempre em favor de terceiros, tendo apenas o crédito da palavra de quem o solicita.

O atestado falso seria aquele dado quando se sabe do seu uso indevido e criminoso, tendo por isso o caráter doloso.

Se for fato que alguns médicos resistem, igualmente certo é também que, em alguns casos, o profissional é induzido por questões de amizade ou de parentesco, e assim, sem uma análise mais acurada, fornece um atestado gracioso ou falso, mesmo que seu Código de Ética diga que tal atitude é ilícita e o Código Penal veja como infração punível. Tais sanções são justas porquanto o Estado tem o direito de resguardar o bem jurídico da fé pública, cuja finalidade é sempre proteger uma verdade.

A ilicitude do atestado médico está na sua falsidade ideológica. Está fraudado na sua substância, no seu conteúdo. A sua irregularidade, portanto, está no seu teor, na sua natureza intelectual, praticada por um agente especial que é o médico, quando subverte o exercício regular de um direito. Na sua essência material ele pode até ser correto, pois foi firmado por alguém habilitado a fazê-lo. A falsidade material diz respeito apenas a sua falsificação, quando por exemplo ele é expedido por alguém que não possui habilitação legal nem habilitação profissional, ouse seja, por alguém que não é médico.

A falsidade pode ser na existência ou na inexistência de uma enfermidade, na falsa condição de higidez pretérita ou atual, num tipo de patologia, na causamortis e no seu agente causador, ou em qualquer informação dessa ordem que não seja verdade.

O que se pune nesta forma de delito é tão-somente a inveracidade que o atestado pretende provar. E mais: a falsidade pode ser praticada tanto em relação ao que é fundamental (diagnóstico) como ao que é secundário (tempo de convalescença), desde que altere em substância o conteúdo do atestado e o juízo feito global sobre o mesmo.

Com certeza a liberalidade dispensada a este importante e necessário documento é perniciosa a todos: aos médicos, pela quebra da credibilidade do que atestam; à medicina, pelo seu descrédito entre as coisas sérias e úteis; e à sociedade, pelo que ela perde de utilidade em um instrumento de tão significativo e de real valor.

Entre os atestados falsos há um outro tipo: o atestado piedoso. Sempre são pedidos como forma de suavizar um diagnóstico mais severo, principalmente quando se trata de pacientes portadores de doenças graves e incuráveis. E assim, alguns facultativos, atendendo a solicitação de familiares, atestam enfermidade diversa, sempre de caráter benigno, na intenção de confortar o paciente. Embora piedoso, tal gesto é reprovável.

Concordamos com o pensamento de que o médico, ao conceder conscientemente um atestado de óbito falso, alterando assim a verdade no Registro Público, comete crime de falsidade ideológica em documento público e não falsidade de atestado médico, inclusive com pena muito mais grave.

Alcance e limites do atestado em relação ao laudo médico

Mesmo assim, com todo zelo que se deve ter pelo atestado, é justo dizer que ele tem seus limites. A comprovação de uma entidade mórbida complexa e multifatorial, algumas até de origem ainda no campo das teorias, não pode ser decidida apenas com três ou quatro linhas simplistas, apostas num atestado médico, cuja finalidade é tão-só servir de início de informações numa comprovação de direitos. Para tanto, existem as Juntas Médicas e por isso elas não estão adstritas aos atestados, podendo aceitá-los no todo, na parte, ou simplesmente não os acatar.

Muitas vezes é necessário um laudo bem elaborado onde esteja realçada a descrição, fundamentada em elementos fisiopatológicos consagrados pela Lex artis e em resultados laboratoriais, e onde fique patente em que foi baseada esta ou aquela afirmativa. Só assim é possível a afirmação do diagnóstico, a evolução do processo mórbido, a devida observação dos resultados terapêuticos e o prognóstico esperado.

Hoje não se pode mais aplaudir a idéia do “é porque é”, nem muito menos a de se admitir que alguém possa simplesmente se escudar por trás de uma autoridade que aparente condições de se fazer sempre acreditar e valer suas opiniões.

É necessário afirmar justificando, mencionar interpretando, descrever valorizando e relatar esmiuçando. E tal procedimento só é possível na elaboração de um laudo. Em apreciações de certo significado, em que se defrontam de um lado uma questão diagnóstica de certa delicadeza e de outro a defesa e a proteção de um direito próprio e legítimo, este justo embate não pode ser resolvido com a rapidez de um meteoro, através da afirmação apressada de um atestado médico. Mas tão-somente por meio de um laudo bem elaborado onde esteja realçada a necessária descrição, fundamentada em elementos fisiopatológicos consagrados pela Lex artis e em resultados laboratoriais, e onde fique patente em que foi baseada esta ou aquela afirmativa. Só assim é possível a elaboração do diagnóstico, a avaliação evolutiva do processo mórbido, a devida e necessária observação dos resultados terapêuticos e o prognóstico esperado.

Fora desta conduta indeclinável é subtrair de quem tem a competência de decidir os pressupostos do seu soberano convencimento. Dizer, por exemplo, que alguém é portador deste ou daquele mal, sem descrever as particularidades que cada síndrome com suas características, sem a comprovação dos recursos insupríveis do diagnóstico por imagem ou pelos recursos microscópios da anatomia patológica, não levam ninguém a nenhuma convicção definitiva. Dizer pura e simplesmente que alguém é portador de uma doença, sem qualquer justificativa de comprovação semiológica, também não concorre para a busca da verdade que se quer revelar.

Uma particularidade bem descrita, técnica e cientificamente, tem o poder de transferir a doença para o laudo ou de transportar o pensamento do analista para o instante em que se comprovou determinada entidade nosológica. A boa qualidade do laudo, pelo conhecimento técnico que dá ao julgador, é condição estrutural de imensurável e inestimável importância.

Com tais cuidados, mesmo para os resultados das análises de pesquisas clínicas, o Conselho Federal de Medicina[3], determinou que “na área de Patologia Clínica, Citologia, Anatomia-Patológica, Imuno-Hematologia, Radiologia, Radio-Isotopologia, Hemoterapia, Hemoterapia e Fisioterapia sejam fornecidos sob a forma de laudos médicos firmados pelo médico responsável pela sua execução. Estes laudos devem conter, quando indicado, uma parte expositiva e outra conclusiva. O laudo médico fornecido é de exclusiva competência e responsabilidade do médico responsável pela sua execução”.

Conclusões

Levando em conta a delicadeza de certas circunstâncias em que se apura uma determinada patologia, que traz na sua esteira um amontoado de dúvidas na sua etiologia e na sua causalidade ou concausalidade, e quando um erro de interpretação pode redundar em prejuízos para as partes envolvidas, torna-se imprescindível uma declaração mais detalhada

Está mais que provado ser laudo médico ou pericial o instrumento mais valorizado nas questões de maior complexidade na área médica, pois o atestado pela sua singeleza e carência de descrição não alcança todas as particularidades que certos casos encerram. Daí porque só o laudo atende a tal necessidade. Deixar de registrar e analisar tais características são simplesmente formas de despojar quem vai analisar o laudo de uma idéia pessoal e tirar-lhe a oportunidade de se convencer da verdadeira natureza do mal. Pelo menos, a inadmissibilidade da concessão de interdição com base apenas em atestado médico e a imprescindibilidade do laudo pericial está na inteligência do artigo 1.183 do Código de Processo Civil: “Decorrido o prazo a que se refere o artigo antecedente, o juiz nomeará perito para proceder ao exame do interditando. Apresentado o laudo, o juiz designará audiência de instrução e julgamento”. Há, portanto, necessidade de apresentação de laudo completo e circunstanciado do estado do interditando sob pena de anulação do processo.

Nestes casos, o laudo médico é obrigatório e não facultativo, e o exame pericial é imprescindível para a segurança da decisão judicial (RT 715/133). Como afirmam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: “A lei exige a realização de perícia médica em processo de interdição, sob pena de nulidade. A tarefa do perito consiste em apresentar laudo completo e circunstanciado da situação físico-psíquica do interditando, sob pena do processo ser anulado. O laudo não pode se circunscrever a mero atestado médico em que se indique por código a doença do suplicado”[4].

O primeiro e único objetivo do laudo médico ou do laudo pericial é dar à autoridade julgadora elementos precisos para sua convicção. E por isso a substância da análise que o laudo reflete é oferecer a imagem mais real possível do dano e do seu modo etio-patogênico do qual foi ele resultante.

Todo dano corporal à saúde, seja físico ou psíquico, como um verdadeiro corpo lesional, carrega no seu conjunto uma lista sem fim de detalhes que necessitam de registro para uma apurada interpretação. E tudo depende de quem vai valorizá-lo na medida exata de cada caso.

Não se pode considerar como elemento probante, de consistência técnica e científica, a afirmação simples e por escrito contida num atestado, sem uma descrição judiciosa das estruturas comprometidas, de suas causas e de seus nexos causais, capazes de justificar aquela afirmação. O atestado, em que pese o respeito que merece seu ilustre subscritor, é um documento unilateral que não pode se sobrepor ao lado médico.

O médico e o perito têm obrigação de mencionar no relatório em que elementos estruturais ou funcionais ou em que resultados laboratoriais ou radiológicos se basearam para fazer tal ou qual afirmativa[5].

Bibliografia

FRANÇA, G. V. AIDS – um enfoque ético-político. Revista da Sociedade Brasileira da Medicina Tropical, n. 26 (3), p. 187-192, jul.-set. 1993.

???. Comentários ao Código de Ética Médica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.

______ Direito Médico, 12ª edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014.

???. Obtenção de carteira de saúde – Considerações médico-sociais a reliquats grosseiros em tuberculose. Residência Médica, v. 9, n. 6, jun. 1980.

URBAN, C. A. Bioética clínica. Rio de Janeiro: Revinter, 2002.

VIANA, M. G. Ética geral e profissional. Porto: Livraria Figueirense, 1976.


[1] in Atestado médico – considerações ético-jurídicas, na obra Desafio Éticos, Brasília: Publicação do Conselho Federal de Medicina, 1993.
[2] In Deontologia e diceologia – normas éticas e legais para o exercício da medicina, São Paulo: Organização Andrei Editora, 1979.
[3] Resolução CFM nº 813/77.
[4] in Código de processo civil comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
[5] In França, GV, Comentários ao Código de Ética Médica, 6ª. edição, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2009.

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