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Coluna Fiscal: O perfil jurídico das metas e do equilíbrio fiscal
Marcus Abraham
17/11/2015
Tema que tem ocupado as manchetes nas últimas semanas é o do déficit fiscal do governo federal para o ano de 2015. A cifra negativa estaria na casa dos R$ 100 bilhões, já incluído o valor do pagamento das pedaladas fiscais, identificadas pelo TCU recentemente. Este resultado deficitário deve-se, principalmente, ao aumento de gastos públicos, à queda na arrecadação e ao aumento dos custos do endividamento.
Apesar de o assunto envolver debates de ordem econômica, a Coluna Fiscal de novembro pretende analisar o conteúdo jurídico das metas de resultado fiscal, identificando na legislação do Direito Financeiro e na Constituição o tratamento dado à matéria e a importância de sua adequação às normas fiscais.
O que fundamenta a necessidade da previsão e atendimento das metas de resultado entre receitas e despesas é o Princípio do Equilíbrio Fiscal, implicitamente contido na Constituição Federal de 1988 e expressamente previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), esta considerada importante marco regulatório fiscal no Brasil e instituída para estabelecer uma mudança de cultura fiscal, ao impor aos gestores públicos um código de conduta pautada em padrões internacionais de boa governança.
O princípio do equilíbrio fiscal recomenda que, para toda despesa, haja uma receita a financiá-la, a fim de evitar o surgimento de déficits orçamentários crescentes ou descontrolados que possam prejudicar as contas públicas presentes e futuras. Representa a verdadeira estabilidade financeira e é um dos pilares do crescimento sustentado do Estado, a fim de permitir a realização das suas finalidades essenciais: entregar à coletividade os bens e serviços necessários à realização do bem comum, tais como educação, saúde, segurança pública, saneamento básico, moradia digna, dentre outros.
Mas em um país com um custo elevado de manutenção da dívida pública (juros e encargos) como o Brasil, além de ser recomendável gastar apenas o que se arrecada, é necessário obter continuamente um resultado superavitário destinado a reduzir a dívida pública, de modo a redirecionar este gasto com despesas financeiras para aquilo que realmente é importante: atendimento dos serviços públicos fundamentais e dos direitos sociais.
Embora a Constituição Federal de 1988 já não apresente esse princípio de forma expressa, tal como havia na Carta de 1967 (art. 66, § 3º), o equilíbrio fiscal é consagrado no novo § 17 do artigo 166, introduzido pela Emenda Constitucional nº 86/2015 (Emenda do Orçamento Impositivo), que impõe o contingenciamento nos pagamentos das emendas parlamentares caso seja verificado que a reestimativa da receita e da despesa possa resultar no não cumprimento da meta de resultado fiscal estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias. Além disso, a Constituição, no seu artigo 163, atribui à lei complementar dispor sobre as finanças públicas, o que é feito através da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesta linha, a previsão legal expressa do equilíbrio fiscal na LRF encontra-se no seu § 1º do art. 1º, que estabelece a ação planejada e transparente para a prevenção de riscos e a correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
Com igual sentido, o art. 4º, inciso I, alínea a da mesma LRF, determina que a lei de diretrizes orçamentárias disponha sobre o equilíbrio entre receitas e despesas. E o § 1º deste mesmo dispositivo determina a elaboração de um “Anexo de Metas Fiscais”, que integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes. Nele, deverão estar contidos, dentre outros aspectos, a avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior; demonstrativo das metas anuais, (instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos), comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional.
Mas não é só. Há muitas outras normas na LRF que visam a resguardar o equilíbrio fiscal e o atingimento das metas de resultados positivos. Uma destas é a previsão do art. 9º, denominada “limitação de empenho”, derivada do budget sequestration do modelo fiscal norte-americano, que impõe uma contenção nos gastos públicos, em despesas consideradas discricionárias, quando a receita correspondente não se realizar como originalmente previsto na proposta orçamentária.
Outro exemplo está no art. 14 da LRF que impõe, de maneira rígida, limites, prazos e condições para a concessão de incentivos e renúncias fiscais. Por essa regra, a concessão do benefício fiscal dependerá de uma estimativa de impacto orçamentário, da demonstração de que não afetará as metas de resultados e de ser acompanhada de medidas de compensação.
Se, por um lado, a ideia de equilíbrio fiscal é importante para limitar gastos excessivos e desnecessários e coibir gestões irresponsáveis, por outro, a razão de a Constituição já não contemplar mais expressamente este princípio está em não se engessar a função regulatória do orçamento na economia.
Algumas correntes econômicas (especialmente da escola Keynesiana) justificam gastos em períodos de recessão por entenderem ser necessário, para movimentação da economia nesses momentos de crise, o amplo investimento do Estado na economia e concessões de incentivos e renúncias fiscais, especialmente em infraestrutura, em empregos e demais áreas relevantes para a sociedade, impondo ao Estado gastar mais ou cobrar menos tributos, não devendo se submeter este instrumento de desenvolvimento econômico a regras rígidas, sob pena de esvaziar essa relevante função regulatória e desenvolvimentista.
Todavia, estas mesmas correntes de pensamento econômico entendem que tal ideia não pode ser convertida em um “cheque em branco” ao governante para adotar uma gestão desordenada e de desequilíbrio fiscal, capaz de trazer mais malefícios do que benefícios para a sociedade.
Apenas a título exemplificativo, segundo dados do Banco Central, o superávit fiscal do ano de 2003 foi de 55 bilhões de reais (3,2% do PIB); em 2004, foi de 72 bilhões de reais (3,5% do PIB); em 2005, foi de 81 bilhões de reais (3,8% do PIB); em 2006, foi de 75 bilhões de reais (3,2% do PIB); em 2007, foi de 88 bilhões de reais (3,3% do PIB); em 2008, foi de 103 bilhões de reais (3,4% do PIB); em 2009, foi de 64 bilhões de reais (2% do PIB); em 2010, foi de 101 bilhões de reais (2,7% do PIB); em 2011, foi de 128 bilhões de reais (3,1% do PIB); e, em 2012, foi de 104 bilhões de reais (2,3% do PIB).
Portanto, nestes dez anos, acumulou-se um superávit de cerca de R$ 870 bilhões para reduzir a dívida pública.
O cenário econômico, porém, começou a mudar a partir de 2013. Para aquele ano, estabeleceu-se como meta de superávit primário na respectiva LDO o valor de pouco mais de R$ 108 bilhões (Lei nº 12.708/12) e cumpriu-se o valor de R$ 91 bilhões. Para o ano de 2014, a meta inicialmente prevista na LDO foi de R$ 116 bilhões (Lei nº 12.919/13), até que sobreveio a sua possibilidade de redução pela Lei nº 13.053/2014, e o valor final foi um déficit de R$ 32 bilhões. Já para o corrente ano de 2015, fixou-se na LDO como meta de superávit primário o montante de R$ 66,3 bilhões (Lei nº 13.080/15).
É exatamente sobre este valor previsto para o corrente ano que haverá uma revisão, e sairemos de uma meta de resultado positivo de economia fiscal (superávit) de R$ 66 bilhões e iremos, provavelmente, para um resultado negativo (déficit) em torno de R$ 100 bilhões. Tal situação deverá colocar em marcha mecanismos de contenção de despesas e aumento de arrecadação, com vistas à preservação do equilíbrio fiscal através da tentativa de cumprir as metas nos próximos anos.
Pelo princípio da gestão fiscal responsável, as metas representam a conexão entre o planejamento, a elaboração e a execução do orçamento. Esses parâmetros indicam os rumos da condução da política fiscal para os próximos exercícios e servem de indicadores para a promoção da limitação de empenho e de movimentação financeira.
O princípio do equilíbrio fiscal e as metas de resultado não significam apenas postulados de ordem econômica ou contábil, que apresentam parâmetros financeiros ideais a serem implementados pelos governos. Muito mais do que isto, decorrem de normas jurídicas previstas na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal, fixados anualmente nas leis de diretrizes orçamentárias, as quais, afinal, são leis em sentido estrito e precisam ser cumpridas.
De tudo o que vimos, aspecto que merece destaque é o da constitucionalização das metas de resultado e do equilíbrio fiscal, o que só reforça a importância destes relevantes institutos do Direito Financeiro e a necessidade da sua observância.
Se bem aplicados, será possível realizar uma justa arrecadação e a correta aplicação dos recursos públicos, e alcançar, enfim, a realização dos objetivos da República brasileira constantes do artigo 3º da nossa Constituição: construir uma sociedade livre, justa e solidária, desenvolver o país, acabar com a pobreza e a marginalização e minimizar as desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos.
Fonte: JOTA
Veja também:
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