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Futebol, liberdade de expressão e cartões amarelos
Marco Aurélio Serau Junior
05/11/2015
Nesse texto retomo uma antiga paixão, o futebol, tema sobre o qual já escrevi anteriormente sob o prisma jurídico.
Um fenômeno que vislumbramos no atual Campeonato Brasileiro (2015), sobretudo nas rodadas iniciais, e que muito incomodou foi a orientação dada pela Comissão de Arbitragem da CBF aos árbitros de futebol para que penalizassem jogadores de futebol, dirigentes e técnicos das equipes com cartões amarelos em virtude de reclamações que lhes fossem dirigidas durante as partidas.
Independentemente do time a que se torça, da opinião sobre este ou aquele clube ter sido favorecido ou prejudicado, esse fenômeno singular dentro das quatro linhas me chamou a atenção por representar algo que ocorre de modo mais amplo em nossa sociedade: o desprestígio do debate e da liberdade de expressão.
Para o raciocínio que fazemos aqui, desconsidero, por desnecessária, a análise de eventuais normas de Direito Desportivo que possam ser aplicadas a esse tipo de situação. Raciocino exclusivamente à luz das normas constitucionais que indicam ser a liberdade de expressão um dos direitos fundamentais mais relevantes desde o início do movimento constitucionalista, inerente e capital para o exercício da democracia.
O que se viu em campo é que a maior parte das reclamações ou simples indagações formuladas por jogadores ou técnicos de futebol aos árbitros são penalizadas com cartões amarelos.
Ignorando a raiva que passamos como torcedores (eu sou fanático mesmo!), e analisando friamente essa situação, o que me causou espanto foi a penalização do direito de liberdade de expressão. Em outras palavras: a CBF orientou seus árbitros a punir jogadores tão somente pela possibilidade de se expressarem, de se dirigirem a eles e reclamarem, comentarem algo da disputa ou manifestarem sua opinião sobre algum fato ocorrido nas partidas.
O que mais incomoda nesse movimento assinalado em campo é que expressa algo maior vivido por nossa sociedade: o diálogo é mal visto; a liberdade de expressão ainda é mal tolerada e mal interpretada. Certamente fruto do autoritarismo vivenciado durante muito tempo, conforme apontam diversos manuais de Ciência Política e Direito Constitucional, das mais variadas tendências e correntes. Faltam, de modo geral, tolerância e amadurecimento da arte do saber se expressar.
Por outro lado, assistimos perplexos à banalização do discurso de ódio que encontramos nas redes sociais, nas diversas perspectivas político-ideológicas, e a proliferação dos preconceitos e pré-julgamentos.
Enquanto não se alcança uma mudança social mais profunda, ao menos podemos pressionar para que nosso tão amado futebol reaja e se torne mais moderno, inclusive nesse aspecto das reclamações ou conversas dirigidas ao árbitro, para que não sejam mais reprimidas.
É óbvio que agressões aos árbitros, mesmo verbais, devem ser penalizadas, mas vi, data vênia, que a simples verbalização, do que quer que fosse, ensejava o sancionamento com cartões por parte dos árbitros.
Espero que possa aflorar, inclusive no futebol, uma cultura de tolerância e diálogo, permitindo-se o salutar exercício da liberdade de expressão, ainda que isso tenha seus problemas e dificuldades. Enquanto isso, que nossos gramados voltem a nos dar a alegria que sempre nos propiciaram.
Veja também:
- Despensão: ilegitimidade ativa do sucessor previdenciário (REsp 1.515.929/RS)
- A greve dos servidores do INSS e os direitos fundamentais
- Julgamento da Desaposentação (RE 611.256): Análise inicial do voto do relator, Min. Luis Roberto Barroso
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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